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Crítica | Succession – 4ª Temporada

Elevando o patamar de qualidade da televisão.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas. 

Apesar de ter feito meus comentários sobre cada um dos 10 episódios da temporada final de Succession, senti a necessidade de escrever uma crítica ampla sobre o derradeiro ano da criação de Jesse Armstrong não só para fechar apropriadamente minhas análises, como também como uma forma de tirar meu chapéu para o que o showrunner conseguiu. Afinal, sem muito medo de errar, apesar de a série sempre ter sido da mais alta qualidade, a quarta temporada, para mim, está em um nível diferenciado, diversos andares acima das anteriores e, diria, de todas as demais temporadas que já assisti em minha jornada de décadas por séries de TV.

Essa minha afirmação pode parecer exagerada, não mais do que uma hipérbole entusiasmada de alguém que realmente ficou de queixo caído ao longo de pouco mais de dois meses enquanto, semanalmente, cada episódio ia ao ar, mas tenho grau elevado de confiança de que realmente estamos diante da obra-prima das obras-primas no que se refere à uma temporada isolada, especialmente se considerarmos que estamos falando de uma última temporada, normalmente a mais difícil de se fazer em séries de qualquer gênero por questões intrínsecas a quaisquer encerramentos. Sim, tenho consciência de que, apesar de Succession contar com diversos personagens, a série sempre foi sobre a família Roy, mais especificamente sobre a relação entre o patriarca Logan (Brian Cox) com seus filhos Connor (Alan Ruck), Kendall (Jeremy Strong), Siobhan (Sarah Snook) e Roman (Kieran Culkin), além de todos eles com os agregados Tom Wambsgans (Matthew Macfadyen), primeiro noivo e depois marido de Siobhan e Greg Hirsch (Nicholas Braun), sobrinho de Logan, o que torna o universo mais, digamos, restrito do que outras séries, mas, mesmo assim, o que importa mesmo é como eles são trabalhados.

E, nesta quarta temporada, Armstrong chocou os espectadores ao, logo no começo do terceiro episódio – ou seja, faltando nada menos do que sete pela frente – retirar Logan Roy da equação, e, ainda por cima, fora da tela, mantendo o suspense sobre sua efetiva morte até os minutos finais de Connor’s Wedding.  Essa escolha narrativa – que até mesmo Brian Cox desgostou! – não só rasgou o manual de como se fazer séries de TV, pois ele basicamente matou o protagonista antes do fim, como foi extremamente ousada justamente porque o trabalho de Cox como o impiedoso magnata da mídia era consistentemente monstruoso, levando à indagação coletiva sobre se o restante do núcleo duro do elenco e a própria história que ainda precisava ser contada conseguiriam sustentar a narrativa.

Sobre o elenco – especialmente o citado acima – a resposta às dúvidas veio, creio, no mesmo episódio da morte de Logan, já que as reações de cada um dos atores para o que estava acontecendo foram incrivelmente assombrosas, só ali já dizendo a qualquer um assistindo que nada mais era necessário para que todos eles concorressem a todos os prêmios disponíveis. Pode parecer outra hipérbole minha, mas o famoso diálogo naturalista de Succession, repleto de frases incompletas, balbucios e hesitações ganhou camadas extras nesse ponto, elevando a série a algo realmente diferenciado, mesmo diante da vasta oferta de conteúdo espetacular que a televisão – tradicional ou streaming – vem oferecendo.

O que veio a seguir foi sustentado não só por esse grupo memorável de atores, como todos os demais que deram suporte a eles. Além disso, com a morte de Logan, a história, então, passou a se concentrar exatamente na sucessão do título tendo como pano de fundo a possível venda da Waystar-Royco para a GoJo do sueco Lukas Matsson (Alexander Skarsgård, em outra atuação fantástica, com seu papel de certa forma substituindo a ausência presente de Logan) e a disputa presidencial dos EUA que, despindo-se de qualquer subterfúgio narrativo e fundindo ficção com realidade, passou a ser um eco da polêmica eleição de Donald Trump. Isso permitiu que a temporada continuasse vigorosa, mesmo que, aqui e ali (especialmente em Living+ e um pouco em Tailgate Party), o “vende não vende” da megacorporação dos Roys tenha pesado um pouco, mas nada que não fosse compensando por diálogos e atuações primorosas.

Mais do que em qualquer outra temporada, diria, Armstrong mostrou o quanto Succession é sobre a trinca de filhos de Logan Roy que deseja mais do que tudo suceder o pai. E, igualmente, mais do que qualquer outra temporada, o showrunner foi capaz de nos fazer sofrer por personagens que temos plena consciência serem podres, cada um de sua maneira, em uma família corroída por ambição, dinheiro e poder, basicamente sinônimos. Se ficamos atônitos pela perda do patriarca como se da família fôssemos, a gangorra emocional que se seguiu a isso e que ora coloca um filho na frente da disputa, ora colocava outro, criando aquela nossa vontade natural de “torcer pela vitória” de um deles, mostrou o quanto o trabalho da produção foi irretocável.

Se as melhores séries que existem por aí são mestres em não desperdiçar palavras, ângulos de câmera, tempo de reação dos personagens e assim por diante, a temporada final de Succession passou a ser o novo sarrafo pelo qual todas as demais serão medidas. Em seu conjunto, não há nada fora de lugar no derradeiro ano da série, desde o uso de Colin (Scott Nicholson), o guarda-costas e confidente de Logan, até os figurinos de cada personagem, passando por cenários e, claro, os inigualáveis diálogos. E o melhor é que nada é entregue de bandeja, nada é explicado daquela maneira cansada que as séries – mesmo as melhores – costumam recorrer. Chegou ao ponto, pelo menos para mim, que os 10 ou 15 minutos iniciais de cada episódio era uma corrida mental de aclimatação à narrativa, já que os episódios, em sua grande maioria, já começavam em meio à ação, exigindo calma e concentração constante. E não é uma questão de hermetismo ou complexidade, mas sim, apenas, um estilo de contar história que nunca, em momento algum, pega o espectador pela mão para mostrar como ele deve interpretar e o que ele deve sentir nas mais variadas situações.

E o que dizer do final? Sei que é muito possível que alguns espectadores digam que o que aconteceu era previsível ou que seu filho favorito não ganhou a disputa pelo assento na Waystar-Royco, mas essas considerações são, sinto dizer, infantis. Como já tive oportunidade de afirmar em algumas dezenas de críticas, previsibilidade não é algo intrinsecamente ruim. Muito ao contrário, se bem feito, o desfecho previsível é o único desfecho possível e o final da série, que deixa os Roys a verem navios, era esse único desfecho possível. E, mais especificamente, era necessário – essencial! – que isso ocorre por razões endógenas à família Roy e não, por exemplo, por interferência externa de Matsson. A percebida traição de Shiv, obviamente causada talvez primordialmente por sua vontade – igual à dos irmãos – de suceder o pai como CEO da empresa, tinha como base também o reconhecimento de que Ken não poderia ser o grande líder corporativo, algo que, por seu turno, cria uma perfeita movimentação circular da narrativa que remete a história diretamente à morte do garçom na primeira temporada da série, durante o casamento da própria Shiv.

Sobre a “torcida” por esse ou aquele filho, ela é natural e um ás na manga de Armstrong, diria, pois ele manobrou os roteiros justamente para humanizar monstros e, de quebra, torná-los nossos “amigos”. Se não torcêssemos por alguém, se não tivéssemos nosso preferido, o problema estaria conosco. A infantilidade que disse existir é quando não compreendemos que, se um dos Roys “ganhasse” o jogo do trono, a série se trairia e a temporada não seria o que acabou sendo. Succession é sobre a tragédia dos Roys, sobre o pai que passou para os filhos não o seu legado positivo, mas tudo o que ele tinha de pior, o que não era pouco e que eles, por seu turno, nunca souberam – nunca quiseram – se desvencilhar.

Já disse antes, mas vou repetir: Jesse Armstrong e equipe estão de parabéns pelo que eles entregaram nesta temporada de Succession. Se dezenas de séries compassadamente ao longo das décadas foram elevando o nível qualitativo da televisão mundial, Succession, neste ano de despedida, desbravou e alcançou um outro patamar. Agora é aguardar pela próxima maravilha televisiva que desbancará os Roys desse invejável posto, pois ela com certeza virá.

Succession – 4ª Temporada (EUA – 26 de março a 28 de maio de 2023)
Criação: Jesse Armstrong
Direção: Mark Mylod, Becky Martin, Lorene Scafaria, Andrij Parekh, Shari Springer Berman, Robert Pulcini, Andrij Parekh
Roteiro: Jesse Armstrong, Tony Roche, Susan Soon He Stanton, Lucy Prebble, Jon Brown, Ted Cohen, Georgia Pritchett, Will Arbery, Will Tracy
Elenco: Brian Cox, Jeremy Strong, Sarah Snook, Kieran Culkin, Alan Ruck, Matthew Macfadyen, Nicholas Braun, J. Smith-Cameron, Peter Friedman, David Rasche, Fisher Stevens, Dagmara Dominczyk, Justine Lupe, Alexander Skarsgård, Justin Kirk, Hiam Abbass, Harriet Walter, Hope Davis, Jóhannes Haukur Jóhannesson, Eili Harboe, Natalie Gold, James Cromwell, Zoe Winters, Scott Nicholson, Larry Pine
Duração: 649 min. (10 episódios)

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