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Crítica | Succession – 4X06: Living+

O batismo de Kendall.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas. 

Na comparação – e apenas assim – com os demais episódios da derradeira temporada de Succession, Living+ mostra de leve e pela primeira vez o problema de se retirar Logan Roy prematuramente da história. Continuo achando um ato de extrema e bem-vinda ousadia por parte de Jesse Armstrong e Connor’s Wedding continua sendo um dos melhores episódios já feitos na História da Televisão, mas a grande e esperta jogada do showrunner tinha o óbvio ônus de dificultar o que viria pela frente. Honeymoon States veio para mostrar que a série sem o patriarca não perderia qualidade e Kill List, com sua radical mudança de ares e foco em Lukas Matsson, deixou evidente que Armstrong tinha um plano sólido.

Ele tem um plano sólido, corrigindo, pois não tenho dúvidas disso. Living+, porém, me deixou a impressão de que vimos uma leve “empurrada de barriga” no ritmo narrativo, com uma mais do que interessante rearrumação das cartas do baralho, não tenham dúvida, mas mesmo assim algo que me pareceu menos do que uma escultura de Michelangelo, o padrão de tudo o que veio antes na temporada. Meu ponto é que, em qualquer outra série, o episódio em questão seria provavelmente o ponto alto da temporada, mas, aqui, o patamar é outro e toda a construção do caminho para o desastre na apresentação de Kendall Roy para ele dar a volta por cima apesar da canhestra tentativa de sabotagem – insuflada por Shiv – por parte de Matsson soou artificial demais, um pouco fora da curva da usual sutileza dos roteiros da série.

Tenho consciência, porém, que essa é uma análise pelo valor de face do episódio e Succession não pode ser encarada apenas assim. Meu incômodo persiste, mas não é algo que detraia do magnífico conjunto apresentado em que o jogo jogado é um de vitórias e derrotas, pontos fortes e pontos fracos de cada um dos três irmãos Roy que desejam o poder no mundo corporativo. Ken, por exemplo, só chega à sua vitória porque ele se deixa levar pelo seu delírio sobre o pai tê-lo escolhido para ser o grande sucessor do império multimídia. Seu “desafio ao capitalismo” em que números não são apenas números, mas acabam sim sendo apenas números jogados em uma planilha na base do “porque sim” apenas para ele continuar seu plano de melar a compra de sua empresa pela GoJo ao inflar o preço até que, ele espera, o sueco não possa cobri-lo, é um desvario quase cômico em que ele se imagina em um set hollywoodiano com casa de subúrbio, nuvens artificiais e tudo o mais que ele determinar com sua regra de que ninguém pode dizer não a ele. Trata-se de um retrato cáustico do sistema como um todo, claro, mas também uma condenação de Ken que, mesmo em uma apresentação que começa apontando para o desastre, mas que culmina em sucesso, mostrando que às vezes ele pode sim manter o controle, parece querer indicar, lá no fundo, que tudo o que ele faz é pantomima, é esconder seu descontrole atrás de uma jaqueta de piloto de caça.

E basicamente o mesmo acontece com Roman. A versão dele do pai é o de um Logan Roy explosivo, que faz o que quer, quando quer, mesmo que Roman não perceba que seu pai nunca foi verdadeiramente assim, até porque ele não chegaria ao ponto que chegou se fosse. Com isso, nós o vemos em uma egotrip que o faz demitir Joy simplesmente porque ele pode e, depois, como se isso não bastasse, demitir Gerri pela segunda vez em apenas uma semana (ou algo assim), novamente em uma pantomima, escondendo sua dor atrás de latidos altos, mas sem nenhuma mordida. Aliás, Rome é outro que é manipulado por Shiv a se afastar do irmão, perdendo, com isso, sua oportunidade de brilhar no palco do Dia do Investidor como co-CEO. Sua frustração, torturando-se com um vídeo do pai, é o exato oposto do auto-batismo de Kendall em Malibu (só pode ser Malibu, pois os Roys não iriam a qualquer praia em Los Angeles…), ainda que as duas ações sejam claramente demonstrativas do que eles são, na verdade: sombras do falecido Logan Roy.

Quem não é sombra do pai é Shiv, porém. Ela saiu vitoriosa ao final de Kill List e, agora, apesar da surpresa da virada de Ken, repete o feito com seu jogo manipulador que conta até mesmo com jogo de mordidas com o marido, jogo esse que ela usa para transmitir uma fragilidade programada. Não que eu ache que ela não tem sentimentos por Tom, vejam bem, mas Shiv parece estar acima desse sentimentos “humanos” e, mais ainda, ela tem absoluta consciência disso, a ponto de eu desconfiar até mesmo do choro programado dela (coincidência ou não, esse é também um elemento narrativo, só que de outra maneira, claro, da recente e ótima Falando a Real). Eu disse que Shiv não é a sombra do pai, mas isso não quer dizer que ela basicamente não atue nas sombras nesse ponto da história. Ela é a marionetista por trás dos homens que a cercam e sua manipulação do status quo é um dos vários grandes acertos da temporada. Fica a dúvida sobre até que ponto ela é capaz de ir, mas diria que se tem alguém capaz de calçar os sapatos de Logan Roy, essa pessoa é ela.

Sim, eu comecei dizendo que Living+ é problemático, mas eu fui cuidadoso em deixar bem claro que o episódio é apenas – ironicamente em relação ao título – menos do que perfeito na comparação com os que vieram antes. Mas a perfeição tem diversos níveis a ponto de eu achar que essa temporada deveria ter uma escala própria de avaliação que refletisse melhor cada um desses níveis. Bem, o que realmente importa é que, mesmo com uma quase invisível rachadura no mármore de Carrara, o derradeiro ano da série continua impossivelmente firme e forte.

Succession – 4X06: Living+ (EUA – 30 de abril de 2023)
Criação: Jesse Armstrong
Direção: Lorene Scafaria
Roteiro: Georgia Pritchett, Will Arbery
Elenco: Brian Cox, Jeremy Strong, Sarah Snook, Kieran Culkin, Alan Ruck, Matthew Macfadyen, Nicholas Braun, J. Smith-Cameron, Peter Friedman, David Rasche, Fisher Stevens, Dagmara Dominczyk, Alexander Skarsgård
Duração: 62 min.

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