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Crítica | Supergirl

por Ritter Fan
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Imagine por um momento que você é um ator ou atriz consagrado e que, nessa qualidade, recebe um telefonema de seu agente indagando se teria interesse em participar da promissora adaptação de Supergirl, o primeiro filme de super-heróis da História do Cinema protagonizado por uma mulher. Imagine que sua reação inicial é hesitantemente positiva, muito mais porque gostou dos cifrões oferecidos e porque tem boas lembranças dos dois primeiros filmes do Superman com Christopher Reeve (o terceiro não havia sido ainda lançado na época dessa ligação hipotética).

Agora, imagine que, diante de sua concordância em estudar o assunto, você recebe em casa uma versão do roteiro do filme para que possa estudar e decidir se, afinal, gostaria ou não de seguir em frente. Você devora todo o roteiro em algumas horas, abre um sorriso largo e imediatamente liga de volta para seu agente com esfuziante “sim”, que nunca vira nada igual e que seu papel certamente será uma magnífica adição à sua filmografia.

Pois bem, caros leitores. Algo parecido com a situação fictícia (e exagerada) acima aconteceu não uma, não duas, mas sim três vezes durante a escolha do elenco de Supergirl. O último filme dos Salkind dentro da mitologia do Superman conseguiu atrair três grandes nomes do Cinema mundial: as americanas Faye Dunaway e Mia Farrow e o britânico Peter O’Toole. Esses três nomes viveram personagens inesquecíveis em filmes como Bonnie e Clyde – Uma Rajada de Balas, Chinatown, O Bebê de Rosemary, O Grande Gatsby, Lawrence da Arábia e Lord Jim e, mesmo com toda sua experiência no ramo, aceitaram participar da mais completa atrocidade que é a primeira versão live-action de Supergirl, cortesia de um roteiro idiotizante de David Odell, que ainda nos brindaria com Mestres do Universo, em 1987.

A lei das probabilidades determinaria, possivelmente, que um ator do naipe dos acima cairia na armadilha, talvez por estar em estado de necessidade ou algo periclitante assim. Mas três? Realmente alguém deve ter feito ofertas que eles não puderam recusar, se é que me entendem…

Pois sim, Supergirl é um acinte cinematográfico. Um filme que não é somente ruim ou daqueles que são tão ruins que acabam sendo divertidos, mas sim um descalabro calamitoso que revolta qualquer espectador com o mais incipiente senso crítico. Essa é uma daquelas obras inexplicáveis que passou pelo crivo de provavelmente dezenas de pessoas, todas concordando com a ignomínia colocada no papel e levantando o polegar em um gesto de aprovação provavelmente acompanhando de um sorriso e de olhos já imaginando o tanto de dinheiro que iriam fazer com ele.

Pode ser que existam almas bondosas que tentem defender essa tragédia de proporções bíblicas, mas creio que mesmo aqueles que conseguirem perdoar essa obra com base em afirmações de que ela tem tom camp ou que é “assim mesmo” ou, pior ainda, é “só entretenimento”, terão que reconhecer que estamos diante de algo escrito pelos proverbiais macacos perante máquinas de escrever: alguma hora, alguma coisa coerente sairia. Mas nem isso é verdade, pois Supergirl é tudo menos coerente.

Primeiro, apesar de se passar na mesma continuidade dos filmes do Superman de Reeve, algo que o roteiro se esforça em repetir dezenas de vezes, não há qualquer tentativa de se explicar onde está Argo City, a cidade kriptoniana onde vive Kara Zor-El (Helen Slater), a loira burra que brinca com uma bolinha giratória super-poderosa que simplesmente dá vida ao lugar e a perde quando ela erroneamente manipula uma varinha de condão de acrílico que o parvo do Zaltar (Peter O’Toole, que vergonha!), em tese um brilhante cientista que mais parece um pavão lunático, lhe dá. Embarcando em uma nave que estava dando sopa por ali, a corajosa, mas completamente idiota jovem de repente se materializa, já com o uniforme colorido de Supergirl e uma pulseira localizadora da bolinha de nome complicado que não vou me dar ao trabalho de escrever aqui, em um lago(!!!) nos arredores de Chicago.

Ah, nesse meio tempo, aprendemos, durante um bucólico piquenique à beira desse mesmo lago, que Selena (Faye Dunaway, que perdeu pontos comigo depois desse papelão…) é uma aprendiz de feiticeira que, obviamente, deseja dominar o mundo. Quando ela recita essa frase (porque sim, ela a fala), a tal bolinha literalmente cai em sua sopa e Selena imediatamente sabe para que ela serve e a usa para amplificar seu controle sobre magia negra ou algo do gênero, o que lhe permite desde “trazer a pessoa amada” até conjurar um monstro invisível para não gastar efeitos especiais.

A essa altura do campeonato, com algo como 15 minutos de projeção – o que significa que faltava ainda 1h50′ para o negócio acabar – eu subitamente me lembrei porque eu só havia assistido a esse filme uma vez na minha vida, no cinema, quando de seu lançamento por aqui e nunca mais cheguei perto dele. Só nesse tempinho, as imagens do que eu em breve reveria inundaram minha mente de uma vez só e meu horror cresceu exponencialmente. Lembrei que Kara do nada decidiria arrumar uma identidade secreta e que ela se transformaria em uma estudante de cabelo preto como em um passe de mágica, que ela por coincidência passaria a estudar onde o braço-direito da vilã é professor e dividiria o quarto com a irmã de Lois Lane, que ela já saberia que Clark Kent era a identidade secreta de seu primo Superman e que uma montanha mágica com um castelo no topo seria o cenário da luta final, depois que Kara desse uma passadinha lá na inescapável Zona Fantasma de onde ela quase não faz esforço algum para fugir.

Além disso, em uma decisão narrativa que, se tomada hoje em dia, faria com que todas as feministas do mundo cometessem hara-kiri coletivo, a maior razão para Selena e Kara saírem no tapa não o desejo de dominação mundial da vilã ou a tentativa de recuperar a bolinha poderosa por Kara, mas sim uma absolutamente risível e patética disputa por um homem musculoso e com cara de galã de novela das oito que as duas desejam ardorosamente. Ou seja, Supergirl foi reduzida a uma adolescente de cabeça vazia que se derrete pelo primeiro cara bonitão que passa na frente dela. Pelo menos o Superman estava passeando do outro lado da galáxia quando sua prima resolveu visitar seu planeta adotivo, caso contrário ele morreria de vergonha e comeria um hambúrguer de kriptonita para não ter que viver com essa imagem mental…

O saldo de Supergirl? Simples. O’Toole e Dunaway concorreram aos Framboesa de Ouro nas categorias de melhor ator e atriz, os Salkind venderam os direitos cinematográficos sobre o universo de Superman para a Canon Films depois de gastarem 35 milhões com o filme contra uma bilheteria americana de pouco mais de 14 milhões (lembram-se do resultado dessa venda, conhecido como Superman IV?), Helen Slater, apesar de jamais ter deixado de trabalhar, é basicamente conhecida somente por seu tenebroso papel aqui e, finalmente, uma super-heroína só viria a protagonizar outro filme em 2004 e novamente com resultado desastroso.

Ou seja, Supergirl é uma espécie de teste para cinéfilos. Se, depois de assistirem essa pérola, seu amor por filmes permanecer intacto, considerem-se testados e aprovados com louvor. No meu caso, perdi diversos pontos de Q.I. e demorarei alguns meses para conseguir assistir a algum filme com Faye Dunaway, Peter O’Toole ou Mia Farrow sem cair na gargalhada histérica seguida de um choro copioso em posição fetal.

Supergirl (Idem, Reino Unido/EUA – 1984)
Direção: Jeannot Szwarc
Roteiro: David Odell
Elenco: Faye Dunaway, Helen Slater, Peter O’Toole, Hart Bochner, Mia Farrow, Brenda Vaccaro, Peter Cook, Simon Ward, Marc McClure, Maureen Teefy, David Healy
Duração: 125 min.

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