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Crítica | Superman ’78

Nostalgia boa!

por Ritter Fan
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Não é nenhum segredo que, provavelmente hoje mais do que em outras épocas, a indústria do entretenimento tem se valido da nostalgia para reempacotar e revender seus produtos, investindo relativamente pouco em novas franquias e novos personagens, evitando começar do zero e preferindo usar a estrada mais viajada infinitas vezes. Se é algo que dá certo, é compreensível essa abordagem, ainda que muitas vezes frustrante, já que, por diversas vezes, a nostalgia não é um elemento a mais e sim todo o sustentáculo de uma obra, tornando-se uma verdadeira muleta.

Usando essa mola propulsora, em agosto de 2021 a DC Comics decidiu reviver duas das mais célebres adaptações audiovisuais de seus super-heróis na forma da HQs que continuam as histórias do cinema. Primeiro foi Batman ’89 que volta ao universo do Homem-Morcego criado por Tim Burton, e, alguns dias depois, Superman ’78, com a minissérie do Azulão vivido por Christopher Reeve no clássico longa de Richard Donner tendo se encerrado antes. Não é uma estratégia nova, sei muito bem, já que, com muito sucesso, a mesma editora investiu em novas histórias baseadas na séries de 1966 do Batman e de 1975 da Mulher-Maravilha, mas resgatar filmes tão clássicos assim para dar novas vidas a eles ainda era algo a ser feito.

Em uma daquelas coincidências trágicas, o lançamento da primeira edição de Superman ’78 se deu no mês seguinte ao falecimento do grande Richard Donner, pelo que a nova história do Superman fica sendo, também, uma bela homenagem ao cineasta que não só ganha uma página inicial na primeira edição para celebrá-lo, como determinadas famosas crianças que ele imortalizou nas telonas dão as caras na última edição, em um daqueles momentos em que o leitor deixa escapar aquela lágrima furtiva. Mas a melhor homenagem de todas é que o roteiro de Robert Venditti parece capturar com exatidão o espírito do longa-metragem setentista que, ao mesmo tempo que nos fez acreditar que um homem poderia voar, abriu as portas para as adaptações de HQs de super-heróis que vemos até hoje.

Venditti cria uma história simples, que poderia muito bem ser o roteiro de Superman II (ou Superman III), mesmo considerando a tecnologia da época, e que parte de um retcon interessante que retorna ao preâmbulo cataclísmico em Krypton, com Jor-El e sua esposa Lara, depois de lançar o filho ao espaço em direção à Terra, preparando-se para morrer quando eles, juntamente com toda a cidade de Kandor, são levitados, miniaturizados e “engarrafados” pela entidade robótica que se autodenomina Brainiac e que tem como objetivo impedir a extinção de  espécies cujos planetas estão próximos da destruição. O que segue, a partir daí, é a chegada do vilão à Terra, mais especificamente Metrópolis, claro, para verificar se a humanidade está ou não próxima a destruir o planeta e concluindo negativamente, mas com uma exceção: Superman. A presença do kryptoniano, ali, é tida como uma anomalia por Brainiac, que parte para eliminar o que ele interpreta ser uma ameaça à Terra.

O conflito é clássico é leva com bastante fluidez a ótimos momentos, começando com uma aliança hesitante entre o Superman e Lex Luthor, que foi solto em condicional, para descobrir o que ou quem é Brainiac e, claro, o retorno do filho pródigo aos braços de seus pais biológicos, em uma emocionante reunião. E Venditti escreve tudo isso usando “as vozes” de Mario Puzo e demais roteiristas de Superman – O Filme e a sensibilidade de Donner. Cada linha de diálogo, cada sequência de ação remete o leitor ao clássico longa, carregando todas as suas qualidades para as páginas dos quadrinhos, quase que como uma pegada Era de Ouro, em que a simplicidade e atmosfera camp imperam. A todo momento eu me pegava imaginando como seria incrível ver essa história no cinema, mas com a tecnologia de outrora, não esse dilúvio de CGI que temos hoje em dia…

No lado da arte, Wilfredo Torres tinha um dilema. Ele, provavelmente, recebeu ordens da editora para não usar as imagens exatas dos atores originais para evitar reclamações judiciais, mas ao mesmo tempo precisava manter-se próximo às fisionomias de Reeve, Margot Kidder, Gene Hackman, Marlon Brando e Susannah York para não alienar os leitores que, claro, esperavam justamente isso. Tenho para mim que o desenhista encontrou o equilíbrio exato, certamente lembrando o elenco – algo em que é ajudado pelos diálogos precisos de Venditti -, mas mantendo seus traços simples o suficiente para de certa forma capturar apenas a respectiva “aura” dos atores e atrizes. Como o leitor já começa a leitura tendo em mente esse e aquele ator, de certa forma essa sugestão acaba forçando a vermos mais proximidade nos traços do que eles realmente tem. Muito sinceramente, eu até prefiro que haja uma distância saudável, pois o uso das fisionomias muito próximas ao do elenco poderia ser uma distração grande demais que quebraria a imersão da narrativa.

Por outro lado, se os traços simples de Torres ajudam com os rostos, eles prejudicam um pouco no detalhamento dos quadros, especialmente os segundo e terceiro planos. Tudo o que vemos e tudo o que realmente importa está no primeiro plano, claro, mas o artista deixou seu foco quase exclusivamente aí, o que retira da HQ aquela qualidade que esperamos de uma obra deste porte. Por diversas vezes, os quadros parecem se repetir, apenas com o diálogo sendo alterado, com Torres, por vezes, esquecendo-se do macro para ficar apenas no micro. Já nas cores, o trabalho de Jordie Bellaire é excelente por saber ressoar, com as limitações óbvias dos quadrinhos, a paleta de cores do filme de 1978 e como ela seria para essa “continuação”.

Superman ’78 é, por enquanto, apenas uma minissérie, mas ela não só é material para um filme retrô do Superman – talvez com Brandon Routh mais uma vez no papel – como também uma divertida e nostálgica leitura que mostra muito claramente que Robert Venditti teve um carinho enorme na redação do roteiro e uma profunda compreensão do que é esse Superman dos anos 70. Quem sabe a DC não se anima e deixa o roteirista trazer outras histórias passadas neste belíssimo universo, talvez até costurando-as com as do Batman ’89? Nostalgia como muleta é péssimo, mas como legítima base de inspiração é algo lindo de se ver e ler.

Superman ’78 (EUA, 2021/22)
Contendo: Superman ’78 #1 a 6
Roteiro: Robert Venditti
Arte: Wilfredo Torres
Cores: Jordie Bellaire
Letras: Dave Lanphear
Capas: Wilfredo Torres, Jordie Bellaire
Editoria: Andrew Marino
Editora original: DC Comics
Data original de publicação: 24 de agosto de 2021 a 25 de janeiro de 2022
Páginas: 149

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