Home FilmesCríticas Crítica | Superman: Red Son (Entre a Foice e o Martelo)

Crítica | Superman: Red Son (Entre a Foice e o Martelo)

por Luiz Santiago
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Bem… esta animação não é exatamente uma adaptação. É uma versão aproximada da excelente minissérie Entre a Foice e o Martelo (2003), um elseworld da DC que gerou muita expectativa quando foi anunciada a sua transposição para as telas, mas que nos trouxe, como base narrativa, a recriação da birra política típica do início da Guerra Fria. E pra começar, vai a pergunta nevrálgica de tudo isso: por que diabos os produtores convidaram J.M. DeMatteis para escrever o roteiro de uma animação com esse tema?

A linha central do texto, claro, apega-se ao original, embora sem muitos detalhes de origem. A cápsula de Krypton cai na União Soviética e é lá que cresce Somishka, o garoto que se tornaria o Superman. Acompanhamos a trama a partir de 1946, numa cena que em moral e sentimento, serve para introduzir alguns conceitos curiosos para o protagonista, ideias retomadas pelo roteirista na parte final da história, quando ele é confrontado com seus métodos políticos dentro do espectro ditatorial.

Sim, a abordagem de DeMatteis é cultural e politicamente esperada, mas é curioso o quanto ele ensaia algumas saídas da dicotomia comunismo X capitalismo, o quanto reflete alguns interessantes problemas atuais na forma como explora certos momentos (a construção do Muro de Berlim, a revelação de Diana sobre sua sexualidade e toda a ideia de “alien”, claramente refletindo sobre a xenofobia), mas a essência do roteiro nega muita coisa do original — que também tem suas falhas, mas funciona muito bem no todo –, especialmente na forma de amarrar as questões políticas com as questões super-heroicas. E é aí que o negócio de “mocinhos individualistas e bandidos coletivistas” termina por minar a força da história, reduzindo-a à um briguinha anacrônica dos tempos pré-1991.

O ato que tem uma melhor exposição dos temas políticos aliado ao desenvolvimento dos personagens (Superman, Batman, Mulher-Maravilha, Luthor, Lanternas Verdades) é o que mostra a estabilização das grandes conquistas do Império Soviético nessa realidade alternativa e a discussão sobre os métodos que o Super-Comunista utilizou para chegar aí. Como discute-se posteriormente, seu caminho é diferente do de Stálin, mas o peso de sua mão e a forma como lida com as dissidências políticas termina no mesmo balaio, só que com um resultado não letal — o que acaba sendo relativo, já que lavagem cerebral é também um tipo de morte, visto que se tira a liberdade de escolha, pensamento e ação livre do indivíduo. Vejam o tanto de premissa interessante para o roteiro fincar os pés e criar um poderoso conflito, não só político, mas também heroico, com o aproveitamento máximo dos principais personagens em cena. Infelizmente, isso acontece bem pouco na história.

O confronto com o Batman foi o mais frustrante de todos. Os diálogos, a luta, o caminho para o desfecho, tudo isso é ruim nessa sequência. Para não dizer que não sobra nada, salvam-se o uso de cores para o covil (o que não é lá um grande elogio, já que tudo é mergulhado em vermelho e a arte ali precisava ser simples, porque estamos falando de um esconderijo) e a dublagem, que é decente em toda animação, especialmente de Jason Isaacs, como Superman, mas ainda assim não há nada memorável. A mesma coisa se repete no derradeiro bloco, com um pouquinho mais de ânimo da direção (é, Sam Liu…) na oposição entre Brainiac, Super e Luthor, mas no fim parece que falta alguma coisa. O espectador espera uma continuação mais fluída para a batalha, um complemento mais impactante de uma sequência de diálogos ou mesmo uma ponte interessante (até emotiva, por que não?) entre o momento de crise e a partida do Superman com a nave do Coluano, mas não temos nada disso. O diretor nos dá de “presente” uma memória afetiva narrada em off, fazendo o Super-Vermelho lembrar-se de seus valores… Mais anticlimático impossível.

Argumentos de que adaptar obras de cunho político é difícil, especialmente nesse mundo dos super-heróis, são válidos, mas isso não significa que o roteiro não poderia ser bom, não poderia criar o conflito com uma base forte de desenvolvimento nos dois lados da moeda em vez de reafirmar o velho ping pong da Grande América, mãe da liberdade, justiça e da glória financeiras. Especialmente porque isso fica parecendo discussão de samambaia em rede social, transportada para a tela, começando no fanboyzismo e não chegando a lugar nenhum além de sua própria ideia. É o tipo de exposição narcísica de uma temática que torna tudo chato, já que o espectador se dá conta de que até os conflitos que pareciam legais no começo servem à logica nós X eles e não à lógica do “isso vai ser usado para contar uma boa história de oposição de forças“…

Bem, é o que temos para hoje, infelizmente. E para os que gostam de dizer isso, já podem acrescentar mais uma chacotinha em sua lista pessoal: “o comunismo não funcionou nem na animação do Superman!“.

Superman: Red Son (EUA, 25 de fevereiro de 2020)
Direção: Sam Liu
Roteiro: J.M. DeMatteis (baseado na obra de Mark Millar, Dave Johnson e Kilian Plunkett)
Elenco: Jason Isaacs, Amy Acker, Diedrich Bader, Vanessa Marshall, Phil Morris, Paul Williams, Greg Chun, Phil LaMarr, Jim Meskimen, Sasha Roiz, William Salyers, Roger Craig Smith, Jason Spisak, Tara Strong, Anna Vocino, Jim Ward, Travis Willingham, Winter Ave Zoli
Duração: 84 min.

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