Home QuadrinhosArco Crítica | Surpreendentes X-Men Vol. 3 #1-12: Superdotados e Perigoso

Crítica | Surpreendentes X-Men Vol. 3 #1-12: Superdotados e Perigoso

por Anthonio Delbon
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Começar a ler quadrinhos em meados dos anos 2000 não era tarefa fácil. Em meio às grandes sagas da Marvel e com a ausência daquela edição #1 que empolga qualquer iniciante, dessas que tem a cada dois anos hoje em dia, o importante era ter disposição de procurar e pesquisar, ainda que a internet também não fosse esse mar de opções convidativo. Foi nessa convicção que busquei na banca mais próxima a HQ mensal dos X-Men, finalmente tentando entrar de cabeça no grupo de heróis que cresci vendo na Fox Kids. Eis que me deparo com uma estilosa X-Men Extra, com Colossus estampando a capa. Foi minha primeira revista dos mutantes.

Quase uma década depois de ter largado tal edição por ter entendido nada do que se passava, terminei a leitura dos Surpreendentes X-Men de Joss Whedon e descobri o ouro que tinha guardado embaixo da cama. Sucesso de crítica e de venda, mesmo com atrasos do excelente artista John Cassaday, esse é um dos runs merecidamente mais aclamados da história dos alunos de Charles Xavier, contando com vinte e quatro edições que trazem de volta o espírito da equipe dos anos de ouro de Chris Claremont e John Byrne, desde os novos uniformes até os detalhes de roteiro, fan services puros para os mais atentos e conhecedores das histórias clássicas.

Surpreendentes X-Men empresta seu título de dois outros volumes que o antecederam nos anos 90, mas segue cronologicamente os Novos X-Men de Grant Morrison e Frank Quitely, também muito elogiados, ainda que cercados de polêmica no início do novo milênio. O contraponto mais claro que Whedon e Cassaday fazem aos seus antecessores é o colorido dos uniformes mutantes, retomando uma característica clássica que naqueles anos, graças ao couro preto que Bryan Singer empregara em seus filmes, vinha se perdendo. Ainda que com uniformes mais espalhafatosos, como todo fã gosta de ver, Whedon mantém o tom realista em sua jornada utilizando-se do seu principal talento: escrever as interações entre personagens.

Quem não o conhecia por Buffy, a Caça-Vampiros, nem nunca ouviu falar da espetacular e saudosa Firefly meu trabalho favorito dele – certamente notou o poder de Whedon nos dois primeiros dos Vingadores, na Marvel. Uma sala fechada com os heróis discutindo, antagonizando com elegância e ritmo admirável, é o que basicamente o diretor e escritor fez com os X-Men quase uma década antes de dirigir Robert Downey Jr. e Chris Evans. E, claro, não poderia faltar nossos heróis saindo na mão para resolver algum problema entre eles mesmos.

A equipe da vez, seguindo o que fora deixado por Grant Morrison, inclui Ciclope, Fera, Emma Frost, Wolverine e Kitty Pryde. Não é exagero dizer que a última é a protagonista escolhida pelo autor. Desde sua volta à escola, em homenagem brilhante que a dupla criadora faz à Uncanny X-Men #168, desenhada por Paul Smith, percebe-se que ela será o fio condutor do leitor. Ao focar em Kitty no desenrolar dos seus quatro arcos, Whedon também acerta em cheio ao utilizar Wolverine como um magnífico coadjuvante, de um modo a sempre deixar um gostinho de quero mais, sem exagerá-lo como fizeram em tantas HQs e filmes.

A bem da verdade, o roteiro capricha em todos os personagens. Essa dinâmica herói/professor que pontua os melhores momentos das doze primeiras edições, Ciclope é mostrado como o líder forte que sempre foi – a ponto do próprio Logan reconhecer – Fera encarna a dualidade monstro-homem, em um jogo de descontrole que Whedon dá amostras do que virá a ser um ótimo arco para o personagem – e com um design felino que particularmente é meu favorito na história do personagem – Emma Frost é uma presença inspiradora e ambígua, mas importante pelo seu romance controvertido com Scott, e Kitty, como já dito, é a cara da equipe.

Nos dois primeiros arcos abordados nessa crítica, a responsabilidade de ser um X-Men, como figura pública e simbólica para a comunidade mutante, toma papel importante quando uma cura é desenvolvida – pode ser clichê, mas é um clichê conduzido nas mãos de um mestre de sutilezas no roteiro. Ao mesmo tempo, utilizando-se de Ord, um vilão alienígena aparentemente genérico, Whedon coloca na equipe os moldes de um time de super-herói, ao ponto de irem deter um monstro na cidade e se encontraram com um Quarteto Fantástico surpreso por ver os mutantes fazendo tal tipo de atividade.

Ora na sala dos professores, com venenosos diálogos, ora em uma franca pancadaria, a narrativa vai gerando conflitos, se aprofundando nas angustias de cada personagem e demonstrando o tamanho do poder de cada um, com um equilíbrio, de fato, whedoniano. A presença de Jean Grey no relacionamento de Scott e Emma, o pragmatismo de Logan em relação ao racionalismo de Hank McCoy, e, principalmente, o arco de Kitty Pryde, emocionante sem ser melodramático, trazem a fundo o poder de todos e da Lince Negra, especificamente como personagens. No caso de Kitty, é algo que já se desenhou em clássicos como Dias de um Futuro Esquecido e que voltava em 2004 com tudo. Não à toa Whedon fala o seguinte sobre o final da edição #4, em entrevista à Wizard da época:

Achei que isso era o mais importante de tudo. Kitty nunca pareceu tão linda, vulnerável ou perfeita. (…) Foi um momento pungente.

Além de entender o que tem em mãos, criar uma dinâmica realista entre tais ícones e cercar sua obra de homenagens incluindo temas tradicionais e dilemas existenciais, Whedon introduz nos seus Surpreendentes X-Men marcantes personagens como Hisako Ichiki, a mutante Armadura que logo se juntará ao time, Olhos Vendados, outra mutante, de suma importância nos arcos vindouros, e Perigo, “vilã” do segundo arco que, para não incidir nos spoilers, traz uma complexa relação com um dos X-Men mais importantes da mitologia mutante.

Realismo e entretenimento com pitadas reflexivas ditam o tom dos X-Men de Joss Whedon. Na ausência de um escopo enorme e de crossovers marqueteiros, o diretor de Os Vingadores traz uma visão extremamente crível, humana e sólida, que ganha um forte fôlego com a arte também realista e texturizada de John Cassaday, certamente um dos melhores artistas de seu tempo. Trata-se de uma obra realizada com tanto esmero que faz o fã se perguntar por que uma equipe de tanta importância e potencial raramente é tratada com o devido carinho.

Surpreendentes X-Men #1-12 (Astonishing X-Men, EUA, 2004)
Roteiro: Joss Whedon
Arte: John Cassaday
Cores: Laura Martin
Letras: Chris Eliopoulos
Editora: Marvel Comics
Páginas: 22 por edição

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