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Crítica | Tartarugas Até Lá Embaixo, de John Green

A luta para sobreviver.

por Felipe Oliveira
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Desde o lançamento de A Culpa é das Estrelas em 2012, John Green estava há pouco mais de quatro anos sem publicar um novo livro, até que em 2016, o tio verde revelou em um vídeo que estava sentindo uma enorme pressão para escrever — com o intitulado Tartarugas Até Lá Embaixo saindo apenas em 2017. Depois de muito tempo, valeu a pena esperar por uma novidade, pois, diante uma das obras aparentemente mais simples de Green, o autor se apresentou de forma pessoal e arrebatadora aos seus leitores.

Ainda que tivesse uma estrutura típica de narrativas adolescentes e familiar ao estilo de Green em pavimentar suas histórias, o autor quis no até então seu último livro, dialogar com o seu leitor de maneira delicada. Aza Holmes era uma adolescente de 16 anos que, convencida pela sua melhor amiga Daisy, se inclinara a resolver um mistério sobre um bilionário desaparecido: quem de fato encontrá-lo ou ajudar com uma pista relevante, receberia a recompensa de 100 mil dólares. Esse contexto servia apenas como um plano de fundo do livro, um mecanismo fugaz ao tema que debatia através da personagem central que sofria de TOC e ansiedade, sendo o foco da abordagem o dilema da jovem em lidar com sua saúde mental. 

Aos poucos, ficava evidente que o mistério posto em Tartarugas Até Lá Embaixo era só uma forma de Green em manter por perto um pouco do seu estilo, principalmente após um longo intervalo na escrita, o que justificava também de ser um arco em segundo plano, pois, o que o leitor se discorria entre páginas era acompanhar a dolorosa luta de Aza contra ela mesma. No final do primeiro capítulo, Green trazia uma frase que com certeza definia a maior mensagem do livro: “Qualquer um pode olhar para você, mas é muito raro encontrar quem veja o mesmo mundo que o seu”, o que bem, era o que resumia um dos maiores conflitos de Asa: ser compreendida sem julgamentos e sem magoar e incomodar a quem ama.

O foco apresentado sobre o TOC de Aza relacionava-se em como a personagem se sentia a respeito de bactérias e germes e como isso influenciava na manifestação da ansiedade: o medo, a insegurança, os pensamentos intrusos e indesejáveis que conseguem afetar totalmente um dia e torná-lo um desastre; a inquietação, o desespero, a incapacitação, a preocupação e muitas outras sensações provenientes de compulsões opressoras. Para quem sofre do transtorno ou pode ter se deparado com pequenos indícios sem saber e ou talvez conheça alguém que sofra facilmente deverá se identificar com Aza e se encantar pela forma detalhista com que John Green descreveu todo o sufocamento que a personagem vive com a narrativa em primeira pessoa e o raciocínio da personagem sendo suprimido pelos pensamentos invasivos. Nesse sentido, o autor conseguiu, mais uma vez, apresentar uma narrativa familiar, mas eficiente em se comunicar com os leitores.

Assim como era e é   uma verdade para Green que sofre do transtorno desde a infância, e pelas suas palavras nos agradecimentos no livro, a obra foi uma forma dele descrever o que passa  é também para Aza, e é aí que se encontra a maior luta da personagem, no que ela descrevia: a sua mente é como um espiral de pensamentos que se afunilam sem parar conceito que se concentra na comparação proposta no título do livro. Nesse caminho, Green também abordou os impactos gerados para quem sofre da doença: por mais que Aza tente parecer uma pessoa normal, fazendo coisas que pessoas não extremamente ansiosas e compulsivas fariam, se encontra ainda mais presa em si; como se estivesse aprisionada numa caixa sem poder explorar outros espaços.

Outro aspecto importante, foi como Green descreveu como a doença não afeta apenas quem sofre, como também as pessoas próximas, e para isso usou da figura materna de Aza um dos maiores exemplos de quem quer ver Aza melhorar e sofre com esse desejo sua amiga Daisy, uma representação de quem quer compreender, mas acaba se machucando nesse trajeto, ainda mais por amar Aza   e Davis um exemplo da dificuldade de Aza não conseguir namorar alguém. Além disso, somava-se como Green abordou situações extremas e delicadas para relatar o ciclo sufocante na mente vítima do transtorno falando também sobre sensações, desconfortos e culpa e usar de todos os arcos, por mais que parecessem manjados, em favor da trajetória de Aza. Sem deixar esquecer, típico do autor, foi acrescentar o humor devidamente combinado ao tom do livro, e desenvolver personagens sempre marcantes e carismáticos, como também o cenário conhecido de Indianápolis.

Tartarugas Até Lá Embaixo se tornou o livro mais pessoal de John Green para o seu leitor até mesmo para quem quiser entender como o transtorno funciona, aqui vai uma boa recomendação ; íntimo, envolvente e por vezes assustador, trazia um retorno maduro do tio verde. Aza se sentia presa no espiral que é a sua mente, sem ter como se encontrar e saber como começou, mas a comparava com tartarugas empilhadas: pensamentos em cima de pensamentos que se afunilam sem parar. “Quem dera eu conseguisse ficar fora de mim. Minha mente é uma prisão“. Dessa forma, era como o ciclo interminável poderia ser descrito, servindo o objetivo maior do livro de compartilhar uma história sensível, mas também acolhedora.

Tartarugas Até Lá Embaixo (Turtles All the Way Down – EUA)
Autor: John Green
Editora: Intrínseca
Tradução: Ana Rodrigues
Ano: 2017
Páginas: 272

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