Home TVTemporadas Crítica | Ted Lasso – 3ª Temporada

Crítica | Ted Lasso – 3ª Temporada

Uma prorrogação mal jogada.

por Ritter Fan
4,2K views

  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas.

A terceira – e em tese última – temporada de Ted Lasso tinha tudo para completar uma trilogia excepcional sobre algo tão prosaico e infelizmente esquecido – e até desdenhado – quanto a gentileza e empatia humanas. Com uma primeira temporada cativante que se desenvolve em uma segunda ainda mais completa, a expectativa era que o humor refinado e a emoção genuína da obra co-criada e estrelada por Jason Sudeikis como o improvável técnico de um time colegial de futebol americano sendo alçado ao cargo de técnico de um time de futebol na Inglaterra inicialmente como uma forma de a dona do time se vingar do ex-marido se mantivesse intacta na direção de um encerramento da mais alta qualidade, pelo menos no mesmo nível dos anos anteriores.

No entanto, apesar de haver excelentes momentos de humor e cenas realmente emocionantes, o terceiro ano da série inexplicavelmente sofre de um caso de inchaço e fragmentação que transforma seus 12 episódios em um novelão açucarado que não sabe muito bem para aonde quer ir e como abordar os dramas de seus personagens. É visível que a temporada sob análise foi vítima do enorme e instantâneo sucesso da série que valeu à equipe de produção e ao Apple TV+ – merecidamente – uma infinidade de prêmios e os elogios universais da crítica e do público, levando a episódios longuíssimos (notem como a minutagem total da série mais do que dobrou desde a temporada inaugural) que esticaram e diluíram as tramas que, por seu turno, ganharam um caráter irritantemente episódico, com quase cada capítulo abordando um assunto especifico e, com isso, quebrando a organicidade de tudo o que havia sido feito antes.

Nem tudo se perde, porém, e a linha narrativa que podemos chamar de principal, originada da temporada anterior, é muito bem conduzida justamente porque ela não segue o padrão mais protocolar do restante das histórias. Falo, claro, da saída do doce e humilde Nathan “Nate” Shelley (Nick Mohammed) do Richmond para ser técnico do West Ham United, time comprado pelo vilanesco  Rupert Mannion (Anthony Head), com sua conversão em um homem rancoroso e perdido em meio às suas emoções contidas. Nate, com isso, acaba sendo o único personagem do núcleo masculino a ganhar efetivo desenvolvimento, com sua jornada de redenção ocorrendo quase que integralmente por sua compreensão – observando seu chefe – do que ele estava se tornando e não por fatores externos como momentos eureka de realização pessoal ou de grandes confrontações.

Ironicamente, Ted Lasso torna-se um personagem de uma nota só que não tem mais a oferecer para a série como um todo a não ser uma interminável sucessão gigantesca de lições de moral, frases de efeito e momentos fofos que, muito sinceramente cansam e não pelo que ele fala não ser interessante ou verdadeiro ou merecedor de contemplação, mas sim porque seus diálogos parecem literalmente extraídos de livros de autoajuda. E não, antes não era assim. Nas duas temporadas anteriores, a gentileza de Ted Lasso era orgânica ao personagem e seu drama pessoal que envolve o divórcio da esposa e a distância de seu filho, assuntos que retornam no terceiro ano mas sem a mesma relevância, era inserido nesse contexto, informando e comentando o próprio personagem e não transformando-o em um técnico cujo superpoder é ter a frase exata e a história perfeita para lidar com cada situação com que se depara.

Ainda bem que o lado feminino da temporada ajuda a compensar o masculino, que fica preso à mesma coisa só que de forma diferente. A Rebecca Welton de uma ainda mais radiante e esplendorosa Hannah Waddingham completa sua jornada e entende sua função sem precisar que alguém a explique para ela. E, guardadas as devidas proporções, o mesmo vale para a Keeley Jones de Juno Temple que, apesar de uma não muito inspirada gangorra de eventos, o que inclui até mesmo um caso com sua investidora Jack Danvers (Jodi Balfour), acaba chegando a um bom equilíbrio que reflete o de sua mentora Rebecca.

O restante do elenco vive um emaranhado de personagens de pano de fundo que oferecem as histórias episódicas abordadas lentamente demais ao longo de capítulos específicos dedicados a elas. Temos um comentário sobre o tratamento de imigrantes ilegais, outro sobre identidade e homofobia, mais um sobre estrelas de futebol desconectadas da realidade e reverenciada por fãs e assim por diante, criando uma estrutura clássica de sitcom em uma temporada que deixou para trás qualquer resquício dessa real possibilidade ao começar a fazer uso de episódios de uma hora de duração. Todo o ritmo que havia antes – e que contava com abordagens episódicas em conjunção com outras que povoavam toda a temporada – desaparece no terceiro ano, transformando-a em uma jornada árdua de acompanhar.

E, se alguém achar que estou sendo duro com a temporada é que meu objetivo é justamente esse. Ted Lasso, em seus dois primeiros anos, era uma série e, em seu terceiro, é outra completamente diferente, apenas com os mesmos personagens. Pela janela foram as bem-vindas frugalidade e pureza de uma série sobre a bondade humana estruturada para ser exatamente isso e, em seu lugar, a produção criou quase que um monstro de Frankenstein, ou seja, uma obra cheia de pedaços de histórias costuradas em um conjunto nada harmônico que se arrasta lentamente pelo lodaçal de ofertas de séries… genéricas que existe por aí. Mesmo assim, como disse, inegavelmente há belos e engraçados momentos em meio a essa perda de identidade que fazem a experiência valer a pena, ainda que dê saudades do que um dia a série foi.

Ted Lasso – 3ª Temporada (Idem – EUA, 15 de março a 31 de maio de 2023)
Desenvolvimento: Bill Lawrence, Jason Sudeikis, Joe Kelly, Brendan Hunt
Direção: MJ Delaney, Destiny Ekaragha, Matt Lipsey, Erica Dunton, Matt Lipsey, Declan Lowney
Roteiro: Leann Bowen, Sasha Garron, Bill Wrubel, Brett Goldstein, Jamie Lee, Brendan Hunt, Phoebe Walsh, Keeley Hazell, Dylan Marron, Chuck Hayward, Jane Becker, Joe Kelly, Jason Sudeikis
Elenco: Jason Sudeikis, Hannah Waddingham, Jeremy Swift, Brendan Hunt, Nick Mohammed, Brett Goldstein, Juno Temple, Sarah Niles, Phil Dunster, Toheeb Jimoh, Kola Bokinni, Billy Harris, Stephen Manas, Moe Jeudy-Lamour, Cristo Fernández, David Elsendoorn, Charlie Hiscock, Mohammed Hashim, James Lance, Annette Badland, Adam Colborne, Bronson Webb, Kevin Garry, Anthony Head, Elodie Blomfield, Ruth Bradley, Harriet Walter, Maximilian Osinski, Ruth Bradley, Andrea Anders, Edyta Budnik, Katy Wix, Ambreen Razia, Jodi Balfour, Rosie Lou, Spencer Jones, Sam Richardson, Karen Johal, Nonso Anozie, Becky Ann Baker
Duração: 660 min. (12 episódios)

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais