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Crítica | Teerã – 1ª Temporada

por Ritter Fan
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Criada por Moshe Zonder, roteirista que escreveu toda a 1ª temporada de Fauda, em parceria com Dana Eden e Maor Kohn, a série israelense Teerã, distribuída mundialmente pelo Apple TV+, não é lá particularmente interessante em seu desenvolvimento, mas é curiosa especialmente pelo cuidado e respeito que revela em relação ao Irã, inimigo mortal de Israel. Lidando com uma história fictícia de espionagem que estruturalmente lembra a vista na minissérie O Espião, a série trabalha duas narrativas vagarosamente convergentes, uma muito mais interessante que a outra.

A menos cativante, ironicamente, é a principal, em que Tamar Rabinyan (Niv Sultan), uma jovem mulher judia nascida em Teerã, mas criada em Israel e que é agente do Mossad, volta à sua cidade natal como espiã infiltrada para hackear a rede de defesa aérea do Irã de forma a permitir um ataque cirúrgico de Israel. Ainda que a premissa seja boa e a construção da infiltração funcione muito bem, com o espectador já jogado em meio à ação em um episódio inicial que sabe utilizar corretamente as “fintas” narrativas para parecer que conta uma história, somente para realmente enveredar por outro caminho, o problema desse lado da série é que tudo o que ocorre a partir do efetivo início da missão parece ser uma sucessão de coincidências e conveniências que quase não dependem de Tamar e, pior, em muitos casos colocam a competência da agente em jogo com alguns erros banais de alguém em completo desespero e boas doses de despreparo.

Por outro lado, felizmente, o antagonista, se é que posso chamar assim, é muito bem construído e permanece interessante por toda a duração da temporada. Faraz Kamali, vivido pelo experiente Shaun Toub, é o chefe de investigações da Guarda Revolucionária e é apresentado não como um vilão unidimensional capaz de qualquer barbaridade para impedir que os planos de Tamar cheguem à fruição. Muito ao contrário, seu enquadramento como marido ainda apaixonado por sua esposa doente depois de tantos anos é refrescante, especialmente considerando que sua história começa de maneira substancialmente independente, com uma viagem do casal para Paris de forma que ela possa ser operada que acaba sendo parcialmente frustrada por Faraz ser obrigado – na verdade ele escolhe a duras penas – a ficar em seu país para lidar com o possível caso, ainda em seu nascedouro, que o levaria à uma caçada incessante à agente do Mossad.

Em nenhum dos dois lados da temporada, vale ressaltar, há super-agentes infalíveis que pulam de telhado em telhado em Teerã e que são capazes de atirar sem falhas ou hackear sistemas de computador em questão de segundos. Percebe-se o cuidado dos roteiros em criar dificuldades mundanas e realistas para todos os envolvidos, com o problema sendo Tamar parecer uma agente que teve algo como uma ou duas semanas para se preparar para a missão (o que é improvável e, portanto, sacrifica um pouco da verossimilhança da obra), enquanto que Faraz age com a calma e a inteligência que vêm com a experiência de muitos anos trabalhando fervorosamente para uma teocracia ditatorial em que ele realmente acredita.

E é por isso que eu disse que salta aos olhos o cuidado e respeito ao Irã vindo de uma produção israelense. Não há qualquer tentativa de retratar Israel como um país cujas ações são sempre corretas e moralmente aceitáveis da mesma forma que a Guarda Revolucionária não é encarada como um exército de fanáticos que agem ao bel-prazer de um líder divino. Claro que a realidade dos fatos está lá e é mostrada muito claramente na temporada, notadamente a estrutura pesadamente patriarcal que mantém as mulheres vários degraus abaixo da “superioridade” masculina escondidas debaixo de lenços e de funções menores, sempre supervisionadas por um homem e a forma como a liberdade de expressão é sumariamente tolhida da forma mais violenta e definitiva possível, sem nada que se assemelhe a um processo legal. Faraz, no entanto, tem seu código de honra e sua moral inabaláveis, mesmo tendo que recorrer a métodos que consideraríamos inaceitáveis (mas que aceitamos quando o “herói” de um filme faz) para alcançar seu objetivo.

A comparação tanto da interpretação de Shaun Toub, como do desenvolvimento de seu personagem com a de Niv Sultan e sua Tamar cria um abismo sensível entre as duas linhas narrativas que são mantidas paralelas quase que ao longo da integralidade dos oito episódios. Faraz, mesmo em posição de poder e em tese representando o inimigo, consegue ser muito mais cheio de nuanças que Tamar, que mais parece caminhar de acordo com o que a maré permite, mas sempre levando em conta que a maré, no caso, não parece algo natural, mas sim uma sucessão de eventos convenientes – mas que são também inverossímeis considerando que estamos falando em tese de uma agente muito bem treinada – que mal conseguem manter a personagem respirando acima da linha d’água.

Teerã tinha material para ser, provavelmente, um ótimo longa-metragem, mas, infelizmente, a escolha do formato serializado levou à manutenção inorgânica da história macro por mais tempo do que o necessário, sem realmente conseguir manter o equilíbrio entre as duas narrativas convergentes que se propõe a contar e, ainda por cima, abrindo espaço para uma 2ª e potencialmente desnecessária temporada. Mas, como a esperança é a última que morre, quem sabe não há uma correção de rumo no eventual segundo ano?

Teerã – 1ª Temporada (Israel – 2020)
Criação: Moshe Zonder, Dana Eden, Maor Kohn
Direção: Daniel Syrkin
Roteiro: Moshe Zonder, Omri Shenhar
Elenco: Niv Sultan, Shaun Toub, Menashe Noy, Shervin Alenabi, Navid Negahban, Liraz Charhi, Qais Khan, Reza Diako, Dan Mor, Arash Marandi, Shia Ommi, Danny Sher, Moe Bar-El
Duração: 381 min. (oito episódios)

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