Em um momento crucial de Tempo de Guerra, o soldado Erik (Will Poulter), acuado e ferido dentro de um esconderijo iraquiano, tenta desesperadamente coordenar sua extração por rádio. Perguntado sobre sua localização, sua mente, nublada pela adrenalina, pelo medo e pelo ruído ensurdecedor da batalha, falha. Sua resposta ecoa como a essência do filme: “Nos procure onde tem uma nuvem de fumaça e sangue”. Tempo de Guerra não se propõe a contar uma história convencional de combate, mas a nos lançar, sem bússola, no turbilhão sensorial e psicológico do campo de batalha.
A premissa é deliberadamente minimalista. Seguimos um pequeno grupo de soldados americanos que, após uma operação noturna, se vê encurralado em uma casa comum em território inimigo. O que começa como um ponto de apoio rapidamente se transforma em uma prisão de concreto sob cerco implacável. O objetivo imediato deixa de ser estratégico e torna-se visceralmente primitivo: sobreviver até a extração, enquanto feridas abertas clamam por cuidados médicos e a pressão externa aumenta minuto a minuto.
O verdadeiro protagonista de Tempo de Guerra, e sua conquista mais notável, é o som. Os diretores Ray Mendoza e Alex Garland e sua equipe de som realizam uma obra-prima de design e edição sonora que transcende o mero realismo para se tornar a linguagem primária da experiência do filme. Como os soldados dentro da casa, os espectadores ficam cegos para o exterior. O ambiente externo da casa é desenhado exclusivamente pelos ruídos que permeiam as paredes: passos distantes que podem ser amigos ou inimigos, o ranger suspeito do concreto, o súbito silêncio que precede o inferno.
O nível de detalhe impressiona. A mixagem pontua o atrito das roupas, a respiração ofegante e controlada, o clique metálico de uma arma sendo armada, o leve amassar de uma garrafa de água, os latidos de cães distantes. A “normalidade” prestes a rasgar pelo terror súbito de explosões, tiros e gritos dilacerantes. Efeitos como o som abafado da própria respiração após uma explosão próxima (simulando o zumbido pós-traumático) ou os gritos de dor que “poluem” e distorcem a mixagem são inovações não apenas técnicas, mas narrativas cruciais. Até a abertura, com soldados vibrando com um clipe musical, serve para humanizar momentaneamente e, astutamente, educar o ouvido para o contraste brutal que se seguirá.
Esta sinfonia do caos é meticulosamente coreografada pela direção de Alex Garland e Ray Mendoza, que evolui em sintonia com a escalada da tensão. A calma relativa inicial é marcada por planos mais abertos, câmera fixa e montagem ponderada, permitindo mapear o espaço. À medida que o cerco se aperta e a desorientação aumenta, a linguagem visual se fragmenta. Steadicam flui inquieto pelos corredores, a câmera na mão transmite o pânico e a urgência, planos sequência nos arrastam para o centro do furacão sem cortes que ofereçam alívio. A câmera não observa; ela sofre com os personagens. A direção serve, acima de tudo, para sustentar e amplificar a experiência sensorial proposta pelo som.
Paradoxalmente, onde reside a força de Tempo de Guerra, está a possível fragilidade da obra. Mendoza e Garland demonstram uma maturidade feroz ao manter o foco absoluto em seu objetivo central: a imersão sensorial na desorientação e no horror tático da guerra contemporânea. A direção evita desvios narrativos ou desenvolvimento convencional de personagens. Não sabemos seus nomes completos, suas histórias profundas, ou mesmo o propósito estratégico maior de sua presença ali. Conhecemo-los apenas pelo seu desempenho funcional e suas reações ao estresse extremo. Isso acaba por limitar também a capacidade do elenco.
Essa objetividade radical é admirável em sua integridade artística, um antídoto ao sentimentalismo bélico de produções estadunidenses. No entanto, essa mesma frieza, esse esvaziamento deliberado de contexto humano mais amplo, pode, para alguns, tornar a experiência distanciada após o impacto sensorial inicial passar. Quando o virtuosismo técnico é o único pilar, o filme arrisca-se a ressoar como um exercício, por mais brilhante que seja, em detrimento de um significado emocional ou político mais duradouro.
Tempo de Guerra é um mergulho claustrofóbico e desumanizante na mecânica do caos, uma obra que nos deixa tão perdidos e atordoados quanto Erik diante do rádio. Não há o arco humano, apenas uma missão a ser cumprida. A frieza narrativa e a objetividade não são falhas, mas escolhas estilísticas coerentes para um filme que busca capturar a essência desumanizante do combate moderno. Garland e Mendoza não nos contam uma história de guerra; eles nos colocam dentro de uma.
Warfare (EUA, 2025)
Direção: Ray Mendoza, Alex Garland
Roteiro: Ray Mendoza, Alex Garland
Elenco: D’Pharaoh Woon-A-Tai, Will Poulter, Cosmo Jarvis, Kit Connor, Finn Bennett, Taylor John Smith, Michael Gandolfini, Adain Bradley, Noah Centineo, Evan Holtzman, Henry Zaga, Joseph Quinn, Charles Melton
Duração: 95 min
