Home FilmesCríticas Crítica | Tempo (2021)

Crítica | Tempo (2021)

por Kevin Rick
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M. Night Shyamalan é provavelmente o diretor contemporâneo que mais desafia seu público em relação a como vemos seu trabalho qualitativamente. De obras-primas a bombas colossais, o cineasta indiano sempre anda na linha entre genialidade estilizada e autoindulgência, sofisticado e cafona (muitas vezes propositalmente, como muitas pessoas falham em perceber). Logo, a maior característica da sua linguagem cinematográfica é o confronto, seja de seus vários temas, diversificados gêneros ou estilos de narrativa anormais. É nesse enfrentamento do autoral que temos um dos artistas mais originais da atualidade, criando em seu mais recente filme, Tempo, um experimento que reúne vários elementos da sua filmografia.

Assim como ocorre em Fim dos Tempos, Shyamalan, baseando-se na HQ Castelo de Areia, de Pierre Oscar Levy e Frederik Peeters, coloca a natureza contra seus personagens em uma história que acompanha duas famílias envelhecendo rapidamente em uma praia pitoresca, da qual o grupo de pessoas não conseguem escapar. Do mesmo modo que acontece em alguns filmes do diretor, como Sinais (fazenda), Vidro (asilo) e A Vila (vilarejo), a trama se desenrola dentro de um microcosmo, só que, aqui, o próprio ambiente exerce o papel de monstro, tal qual realiza-se no já referido Fim dos Tempos, mas, claro, em uma locação contida.

Dessa forma, tem-se a prisão natural como molde do thriller ambiental, no qual Shyamalan utiliza a falta de espaço como uma das suas melhores experiências ativas, característica embutida na mise-en-scène do cineasta. Os longos planos sem cortes que acompanham a praia de cima para baixo à medida que acontecimentos se desenvolvem e escalonam, cheio de rotações e enquadramentos que jogam com a perspectiva e reações dos personagens, criam a ótima experiência do pânico reforçado por incertezas. Notem como o diretor sempre mantém a revelação de mudança de idade com shots que escondem os rostos ou então close-ups para evidenciar rugas, enquanto o horror mais impactante é sempre evidenciado, em um bom equilíbrio de mistério do desconhecido com baque visual. Além disso, a montagem é bastante eficaz em aliar esse distúrbio narrativo com a opressão da praia, sempre inserindo cenas das barreiras naturais com a montanha – que, aliás, Shyamalan constantemente filma em zooms-in e out para destacar a reclusão – e as águas batendo com violência na costa.

Como seu ambiente desempenha o ofício de antagonismo intangível, Shyamalan busca no horror corporal a ênfase imagética para a experiência de terror da mortalidade. Aliás, é um filme que se constrói muito bem na unificação do mistério da incerteza da narrativa com a forma de pesadelo fabular em constante movimentação, a cada instante sobrepondo o estranho com algo mais estranho. Dentro disso, é possível ver uma espécie de construção de “horror patológico”, como acontece em Fragmentado, no qual doenças são justapostas como artifícios para o desenvolvimento da contínua experiência de deterioração, seja da mente, do corpo ou das emoções.

Além disso, Shyamalan recorre a outros temas habituais de seus filmes, como o drama familiar e o uso de circunstâncias extremamente fantásticas para forçar os personagens em momentos de revelação pessoal. Dessa forma, Tempo ganha esse viés humanista, passado muito bem pela forma minimalista com que o diretor filma seus personagens com planos próximos e até intrusivos em conversas íntimas, assim como o teor reflexivo do tema (mortalidade) em relação a dramas familiares colocados em questionamento e resolução em alta velocidade dado as circunstâncias extremas do lapso temporal da obra. Em contraponto, o texto não faz isso muito bem, em diálogos rasos e melodramáticos, além de um humor desconexo, que, em contrapartida, funciona como conexão do adoecimento como recurso do terror (especialmente em relação a um personagem específico), mas que, juntos dos diálogos expositivos, proporcionam algumas quebras de tensão ao longo do filme.

Mas a grande problemática do filme reside no seu ato final, que não é exatamente um plot-twist per se, mas um desenvolvimento que recebe alguns indícios (raros e fracos) ao longo do filme, que culminam em uma resolução que é, em um primeiro instante, a quebra de experiência do mistério com a definição de especificidades do fantástico, mas que acaba sendo, negativamente, uma quebra de contexto do desconhecido. Assim, prejudica-se toda nossa experiência anterior. Shyamalan busca explicar elementos e ligar pontos em uma ruptura de proposta incompleta, seja a tentativa sem graça de metalinguagem ou a ideia de exposição absurda para confronto com público (como acontece em Vidro, com seu tema da fé, mas que aqui recebe um caráter incongruente de desenvolvimento por ser súbito e não temático), mas, principalmente, a mudança de concepção dos eventos para além do fabular que diminui a catarse pretendida.

Dessa forma, Tempo, até quase seu desfecho, é um filme que beira à excelência de Shyamalan, manifestando todas as qualidades do cineasta em uma experiência que traz várias temáticas e escolhas do diretor em filmes anteriores com uma nova roupagem. O cineasta equilibra sua forma ativa em uma jornada de sensações visuais com a desesperança e o pavor dessa situação extremista personificadas no ótimo horror corporal com o instigante thriller da incerteza e ambiguidade deste evento, enquanto dilui seu discurso sentimental da meditação da vida, mas, infelizmente, também carrega alguns cacoetes do diretor. O final representa esse lado mais, digamos, presunçoso de Shyamalan, que decide inserir um bloco pela imprevisibilidade pobre, quebrando, logo na resolução, todo o vínculo da fascinante experiência anterior. Ainda assim, há muito o que gostar na obra de um artista que recusa qualquer parâmetro para sempre evocar o autoral em uma das suas formas mais puras e essenciais. Indubitavelmente, Arte.

Tempo (Old) — EUA, 29 de julho de 2021
Direção:
 M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan (baseado na HQ Castelo de Areia, de Pierre Oscar Levy e Frederik Peeters)
Elenco: Gael García Bernal, Vicky Krieps, Rufus Sewell, Alex Wolff, Thomasin McKenzie, Abbey Lee, Nikki Amuka-Bird, Ken Leung, Eliza Scanlen, Aaron Pierre, Embeth Davidtz, Emun Elliott, Alexa Swinton, Gustaf Hammarsten, Francesca Eastwood, Nolan River, Lucas Faustino Rodriguez, Kathleen Chalfant, Mikaya Fisher
Duração: 108 min.

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