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Crítica | Tenet (Com Spoilers)

por Kevin Rick
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Tenet

Dentro da linguagem do cinema, em resumo, um grande resumo, podemos dividir a experiência cinemática superficialmente de duas formas, com a primeira sendo uma contemplação mais objetiva do que a história quer contar, qual o intuito do roteiro, qual a mensagem transposta, qual o propósito narrativo, sendo basicamente uma observação direta do enredo. Já a segunda, é a experiência sensorial com a obra, firmando quais as sensações que o filme foi capaz de transmitir ao espectador, contudo, não falo apenas de sentimentalismo, mas sim da totalidade emocional que a Sétima Arte tem o poder de transferir, seja medo, felicidade, tristeza, excitação, diversão, etc. Sempre que falo/escrevo sobre um filme, tento avaliar esses dois aspectos da linguagem fílmica, indo à vertente que o cineasta quis conduzir com mais foco, como, por exemplo, David Lynch que tem um estilo surrealista, não havendo qualquer diminuição qualitativa de seus trabalhos por não conterem uma narrativa coesa, ou então Aaron Sorkin, que sustenta um caráter racional, utilizando histórias reais. É dentro desse miolo que me encontro com certa confusão para explicitar o que Christopher Nolan quis fazer com Tenet, e termino por ver a obra dessa exata maneira, uma confusão do próprio cineasta em exibir os elementos fílmicos que quer alcançar, ainda assim, entregando uma boa e fascinante experiência cinemática.

Digo isso, pois geralmente Nolan sabe manusear de forma sublime o absurdo, seja científico ou heroico, dentro de uma linha narrativa fundamentada em críticas e/ou perspectivas da sociedade, e da própria questão de ser humano. Todavia, o Nolan que acabei de descrever não é o cineasta lendário, mas sim seu irmão, Jonathan Nolan. O roteirista teve participação em grande parte da filmografia do Christopher Nolan, e já fazendo um adendo com sua série Westworld, continuamente evoca os temas existenciais numa narrativa extraordinária, seja o caos nos dois últimos filmes da trilogia Batman, o arco familiar emocionante em Interestelar ou a obsessão em O Grande Truque. Pode-se fazer o argumento que Christopher teve tratamento nestas questões, porém, note como sempre que ele não trabalha com Jonathan, seus filmes vão na direção mais visual dentro da premissa fantástica, como em A Origem e, principalmente, Dunkirk. A proposta de Tenet é exatamente essa, então porque o filme ficou aquém de seu potencial? Bem, acredito que Nolan negligenciou abraçar por completo a experiência sensorial que claramente quer transpor à audiência.

A trama principal do filme, esquecendo-se da narrativa temporal, é simples até sua essência. Temos um vilão canastrão – Kenneth Branagh é espetacular como o antagonista unidimensional – que tem posse de um poder destruidor global, e um protagonista, o Protagonista (John David Washington), que quer detê-lo para salvar o mundo. Incorporado no mote, temos a organização temporal homônima que dá suporte ao personagem de John David Washington, o dispositivo catastrófico,  o sidekick Neil (Robert Pattinson) e até a donzela em perigo, Kat (Elizabeth Debicki) – ainda que, felizmente, o longa não a mantém nesse clichê. O roteiro da película, sem o teor científico, parece a construção de um filme mais ou menos do 007. É com isso em mente que me junto ao time de críticos da habilidade do diretor em criar personagens profundos e diálogos instigantes. Nunca tive problema com essas questões tão marteladas por aí, mas, aqui, é demasiadamente óbvio a dificuldade do cineasta em compor arcos pessoais interessantes e conversações que não pareçam soap opera. Na verdade, a ideia geral que o filme passa é que toda a narrativa dos personagens é apenas uma desculpa para o diretor deleitar-se com a premissa inventiva da entropia, e de certa forma é isso mesmo, um blockbuster com um núcleo raso dentro de uma concepção absurda. O problema é o descaso do Nolan na construção de qualquer empatia nos momentos que a ação para e o elenco principal pode respirar e dialogar, pois, assim que Tenet começa a falar, ele vacila.

Para que nos importemos com o conflito em seu cerne e nos empenhemos em sua resolução, não deveríamos nos importar com alguém, pelo menos uma pessoa, na tela? Como você pode criar suspense em um mundo onde ninguém tem personalidade? O mais próximo que Nolan chega de criar um personagem é Katherine/Kat, mas ainda que sua motivação parece ser salvar seu filho, o roteiro mal se preocupa em mostrá-la com ele. Simplesmente temos que aceitar seu amor materno como um dado adquirido. Sator tem um vislumbre de uma história traumática, mas não a chance de se tornar totalmente desenvolvido. A ambiguidade do Protagonista junto do misterioso Neil estabelecem uma dinâmica divertida, até lembrando buddy cops em alguns momentos, e também gosto bastante do desenrolar narrativo do personagem de Robert Pattinson, com a surpresa final de seu sacrifício proporcionando o primeiro momento tragicamente emocionante do longa, mas ambos também sofrem da comunicação super expositiva e frases de efeito imprestáveis. A humanidade do filme é destruída por seu diálogo mas, felizmente, sobra o visual.

As sequências de ação são fenomenais, iniciando-se com a cena da ópera em uma abertura ousada, na qual a câmera de Nolan retrocede a ação para definir a cena e, em seguida, girando dentro e ao redor do ato, entre os espectadores, músicos e lutadores, conseguindo escolher um propósito no frenesi. Ainda mais extraordinário é uma sequência envolvendo um avião inteiro dirigindo em um depósito, filmado primeiro de baixo para apreender a magnitude do evento e, em seguida, de cima para capturar toda a insanidade da façanha. Como sempre, a combinação de efeitos especiais de Nolan com a bravura da vida real é perfeita e aceleradora, concebendo algumas cenas de derreter a mente onde o comum se choca com o impossível. Aliás, todo o trecho da luta consigo mesmo do John David Washington é uma das mais inventivas cenas de ação corporal que já vi no Cinema. Ela não é excitante ou de tirar o fôlego como um combate corpo a corpo coreografado, mas é de uma observação excessiva os movimentos até meio que anticlimáticos em cena, sendo ainda mais incrível por ser revisitada, posteriormente, de outra perspectiva, revertendo nossas impressões sobre o que estávamos assistindo.

Mas e a tal complexidade? Confesso que as sequências do filme são confusas de acompanhar na primeira visita à obra, mas após ver uma segunda vez, percebe-se como a matéria da entropia não é tão incompreensível. E sei o quanto é injusto construir um texto crítico baseado em uma revisitação de um lançamento, quando muitos não o fizeram, mas é exatamente o que vou realizar. Primeiro que as regras impostas pelo cineasta são continuamente quebradas ao longo da fita, com a falta do uso de máscaras na entropia invertida e a visualização errônea de eventos opostos, mas, sinceramente, não me importo com essa ruptura de alguns princípios. A questão é como a revisitação transforma todos os acontecimentos episódicos confusos em uma linha coesa, oferecendo a perspectiva da exteriorização sensorial que Nolan quer transpor, já que, agora, compreende-se o quebra-cabeça da narrativa. Dessa forma, o espectador pode deixar de tentar entender os eventos em ação e realmente absorver a experiência como um todo, que é o verdadeiro intuito do diretor. A dificuldade que notei na revisão é que, por mais complexo que a narrativa seja, especialmente à primeira vista, o cineasta nunca abraça o conceito ilógico por completo para realmente criar a obra que a cientista nos diz: “Não tente entender, sinta”.

Primeiramente que não gosto muito dessa ideia de “não entender”, mas compreendo o objetivo fílmico de apresentar uma obra estilizada e visualmente estonteante. Todavia, existe uma falta de ímpeto do cineasta para assumir o absurdo no teor pragmático oferecido quando a entropia não está em ação. Isso acontece pela já citada rasa evolução dos personagens e o pobre diálogo, remetendo-se à falta de Jonathan Nolan, constituindo um roteiro desconexo, ora fantástico e surreal, ora drama pessoal mal construído. Essa falta de equilíbrio de gêneros dentro da linguagem da película quebram a imersão tão esperada pelo diretor. É tudo muito interessante no conceito, mas a falta de substância tira o investimento do espectador na história. Ainda assim, Tenet é um divertido e deslumbrante blockbuster de ação sci-fi.

Tenet (Idem – EUA, 2020)
Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Christopher Nolan
Elenco: John David Washington, Robert Pattinson, Elizabeth Debicki, Dimple Kapadia, Martin Donovan, Fiona Dourif, Yuri Kolokolnikov, Himesh Patel, Clémence Poésy, Aaron Taylor-Johnson, Michael Caine, Kenneth Branagh
Duração: 150 min.

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