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Crítica | Teorema (1968)

Quando o cinema nos deixa pequenos.

por Fernando Campos
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Poucos filmes intimidam tanto um crítico quanto Teorema, de Pier Paolo Pasolini. Não por ser inacessível ou frio, mas porque é tão grande, complexo e refinado em sua forma de apresentar ideias que qualquer tentativa de resumi-lo parece insuficiente. São raras as obras que nos deixam menores diante de sua grandeza, mesmo entre aquelas que chamamos de obras-primas. Curiosamente, é exatamente disso que Teorema trata: o que fazemos quando nos deparamos com algo ou alguém de outra esfera, outra dimensão, algo que desmonta a nossa existência.

O filme se passa em Milão, onde a vida de uma rica família burguesa é completamente transformada quando um misterioso visitante (Terence Stamp) chega à mansão. Silenciosamente, ele seduz a empregada, o filho, a mãe, a filha e, por fim, o pai. Após a sua partida tão repentina quanto a sua chegada, ninguém consegue continuar vivendo como antes. Cada um é empurrado para um caminho diferente, em uma espiral de autodescoberta, desespero ou transcendência que revela os vazios de suas existências anteriores.

Muitos procuram a crítica após assistir a filmes como este em busca de respostas, do quebra-cabeças solucionado. Contudo, o maior valor de Teorema está em nos convidar a perceber o filme individualmente. Alguns veem ali um tratado religioso, outros um estudo sobre o desejo freudiano, outros uma crítica feroz ao consumismo burguês. Pasolini cria uma fórmula aberta, um teorema, que cada espectador resolve de forma única.

O fio condutor que conecta essas camadas é o sexo. Aqui, a sexualidade não é apenas um tema; é o método. O contato com o divino se dá por meio do corpo, do desejo, do toque. Antes da chegada do visitante misterioso, a casa burguesa onde a história se passa parece estéril, filmada na introdução tons de sépia. Com sua presença, cores quentes invadem o espaço, a sensualidade se impõe, e a trilha de Ennio Morricone adota um jazz que aquece cada cena. Se Deus nos fez de carne e osso, Pasolini pergunta: não seria através da carne que o divino também se manifesta?

Os personagens, antes distantes e frios, encontram sentido no toque, no desejo, no prazer. Porém, a obra também sugere que esse contato divino é insustentável dentro dos moldes do acúmulo e da rigidez burguesa. A mansão, inicialmente símbolo de conforto, se transforma em prisão. Após o encontro com o visitante, cada personagem reage de maneira diferente, buscando escapar ou transformar suas vidas, mas sempre com um sentimento de melancolia profunda, como se o contato com a verdade os deixasse incapazes de continuar vivendo suas vidas de antes.

Pasolini, sempre crítico ao consumismo e à superficialidade da sociedade, constrói em Teorema um manifesto sutil e ao mesmo tempo devastador. O divino não tolera o acúmulo, o luxo vazio, a frieza do privilégio sem propósito. O verdadeiro luxo, sugere o diretor, está na mente e no espírito, na capacidade de contemplação, de entrega, de conexão com o outro. O visitante lê, contempla a arte, aprecia a natureza, seduz com gentileza. Não é o acúmulo que liberta, mas a consciência do que realmente nos faz bem.

A tragédia da obra está em como cada personagem reage a essa revelação. A liberdade do material se transforma em falta de sentido; o contato com o divino destrói as bases do mundano. Cada reação bizarra dos personagens reflete a incapacidade de sustentar a liberdade que tanto ansiavam. No fundo, Pasolini nos convida a uma reflexão: por que fazemos o que fazemos? Precisamos de tudo o que acumulamos? Buscamos o acúmulo para preencher vazios que se tornam cada vez maiores?

Perceba quantos questionamentos. Talvez, a crítica soe dispersa. Mas Teorema não é sobre respostas. O filme entrega perguntas, um enigma que cada espectador precisa resolver. Por isso, ele permanece tão especial, brilhante e diferente de outras obras. Ele exige participação ativa. Nossa interpretação não é apenas um exercício, mas parte integrante da narrativa. Como um teorema matemático que precisa ser resolvido pelo aluno, o filme exige que cada um complete a fórmula com sua própria vivência e inquietação.

Se Teorema incomoda, é porque, assim como uma pergunta sem resposta, ele nos obriga a confrontar nossas limitações, medos e desejos. No fim das contas, isso diz mais sobre quem assiste do que sobre quem fez o filme.

Teorema – Itália, 1968
Direção: Pier Paolo Pasolini
Roteiro: Pier Paolo Pasolini
Elenco: Terence Stamp, Silvana Mangano, Massimo Girotti, Anne Wiazemsky, Andrés José Cruz, Laura Betti, Ninetto Davoli
Duração: 95 min

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