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Crítica | Terapia do Medo

por Leonardo Campos
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A ampliação dos horizontes no desenvolvimento de filmes de terror brasileiros é um caminho sem volta. Já nos adequamos aos formatos, criamos estruturas das mais diversas e comprovamos a capacidade estética de nosso sistema de produção no que diz respeito aos fantasmas, exorcistas, assassinos slashers, casas assombradas, dentre outros estilos. O que falta, neste momento, é o estabelecimento de algumas adequações dramáticas para que o alcance do grande público torne possível o interesse por maiores investimentos nesta área profícua, canalizadora dos nossos medos sociais mais profundos. Manter a atmosfera do “cinema de gênero” é muito importante para não perdermos a força artística dos filmes deste movimento suntuoso de nosso cinematográfica recente, mas acredito ser necessário ter cuidado com a estrutura hermética na construção de situações dramáticas que podem ser menos cifradas para atender demandas maiores de público e da crítica especializada, mantendo-se mais visível e, consequentemente, conhecido. Dirigido por Roberto Moreira, cineasta que também assume o roteiro, escrito em parceria com Luciano Patrick, o terror lançado na Netflix demonstra que estamos no caminho certo, mas precisamos fazer ajustes nas escolhas narrativas para manter esse olhar ampliado mais atrativo para todos.

Com Terapia do Medo, os envolvidos precisavam ter pensado um pouco mais nestas questões. Não podemos dizer que é um filme de alta complexidade intelectual, tipo aquelas narrativas feitas para circular nos feudos de determinadas universidades que insistem em manter os conhecimentos adquiridos com suas pesquisas dentro de um esquema de consumo exclusivamente acadêmico. A narrativa por Cléo Pires, agora só “Cléo”, funciona bem, entrega uma atmosfera curiosa e instigante, mas a tentativa de emular elementos de vários subgêneros do terror acaba por atrapalhar a história e reforçar numa única palavra chave o ingrediente principal de sua concepção: a falta de foco. O filme traz o tom fantástico das histórias de casas assombradas, juntamente com o mitológico mistério que envolve a relação entre gêmeas idênticas, além de incutir luto, um assassinato sangrento, segredos sombrios envolvendo manipulações científicas, dentre outras referências que são elegantes para aqueles que contemplam a estética, mas também se importam com os aspectos dramáticos que compõem o filme de maneira geral. Em linhas gerais, um grande filme, sem foco.

Na trama cheia de reviravoltas e clima constante de terror, acompanhamos a trajetória das gêmeas Clara e Fernanda, jovens que tiveram as suas vidas modificadas após mudanças estruturais na família e no tempo da narrativa, atuam como jogadoras de vôlei. A dupla sempre manteve um padrão bacana, mas atualmente passam por uma crise, pois Clara, como nós espectadores testemunharemos, tem tido visões perturbadoras, fantasmagóricas, contemplação sobrenatural que a fará ser a responsável pelo sinistro de trânsito que ceifará a vida de seu namorado enquanto fazem uma travessia sinuosa por uma estrada cheia de perigos. Ela sobrevive, catatônica, sem responder a nenhum procedimento tradicional da medicina. A sua irmã mantém contato com o Dr. Bruno (Sergio Guiné), homem que por meio de métodos hipnóticos, pode ser a opção para a melhora do quadro de Clara. O que elas não esperavam, por sua vez, era o mergulho numa experiência que desperta uma entidade aparentemente maligna/vingativa. Regressões, experimentos insere outros elementos do terror no enredo: a “excentricidade” do cientista. Será um processo de ajuste de contas e redescobertas para todos os envolvidos, menos para o namorado de Clara, homem que morre e seus desdobramentos não ganham nada na narrativa a não ser a nossa certeza sobre o seu nome integrar dados estatístico sobre mortes no trânsito.

Como já mencionado, os aspectos estéticos em Terapia do Medo não deixam a desejar em momento algum. A direção de fotografia de Felipe Reinheimer funciona adequadamente, construindo momentos com câmera subjetiva que nos permitem entrar nas angústias das personagens interpretadas por Cléo, o design de som supervisionado por Eduardo Santos Mendes colabora com a paisagem sonora já eficiente de Alexandre Guerra, assertivo na composição da textura percussiva que mantém o filme num clima de constante tensão, elementos que associados ao trabalho cuidadoso de Tulé Peak na direção artística, permitem que a produção entregue ao espectador um virtuoso exercício da linguagem cinematográfica, menos intenso por causa do potencial desperdiçado diante da letargia dos acontecimentos. Elegante, o lado dramático do filme perde impacto por tentar ser cifrado e misterioso demais e acabar sendo básico, apesar de surpreendente, em seu desfecho que envolve fortes questões de gênero, final que merece aplausos e nunca esteve diante da previsibilidade. É um rompante de energia para uma narrativa que do meio ao encerramento, havia perdido a sua força e se tornado uma instalação de imagens deslumbrantes para o olhar do espectador na espera por algo que o desperte da letargia.

Terapia do Medo — Brasil, 2021
Direção: Roberto Moreira
Roteiro: Luciano Patrick, Roberto Moreira
Elenco: Cléo Pires, Sergio Guiné, Luma Oquendo, Kiko Bertholini, Lourenço Metri, Valentina Safatle
Duração: 90 min.

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