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Crítica | Termas Romanas (Thermae Romae)

Da Roma antiga ao Japão contemporâneo.

por Luiz Santiago
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Entre fevereiro de 2008 e abril de 2013, a mangaká Mari Yamazaki trabalhou em uma obra que acompanhava um antigo arquiteto romano durante o reinado do imperador Adriano (Publius Aelius Hadrianus, 117 – 138). Responsável por projetar casas de banho na capital do império, Lucius Modestus está em um momento ruim de sua criatividade: ele não consegue mais ter boas ideias para uma terma. Um dia, enquanto mergulha em um desses banhos, ele acaba sendo sugado e viaja no tempo, saindo em uma casa de banho japonesa nos anos 2010. É a partir dessas viagens que ele começa a ter novas ideias para construir termas inovadoras em Roma e ganhar prestígio do imperador.

O roteiro de Shôgo Mutô começa fazendo uma boa contextualização para o público, mostrando a relação do povo romano com as casas de banho (e para os curiosos: há sim um grande cuidado da produção como um todo, especialmente da direção de arte, em representar de forma historicamente correta muitas coisas de Roma no início dos anos 100) e aproveitando-se do excelente choque cultural de Lucius ao ter contato com com essa cultura quase dois mil anos à frente da dele. As comparações que o personagem faz (e as expressões do ator Hiroshi Abe caem como uma luva nesse tipo de comédia), a maneira como essa visão do futuro é aplicada no passado e o que isso acaba resultando para ele são excelentes caminhos cômicos que tornam a primeira parte do filme aquilo que ele tem de melhor.

Um dos elementos interessantes que a obra aborda é o absurdo da viagem no tempo através de banheiras, e o texto não cede à necessidade de explicar isso de forma alguma. Nesse sentido, faz bem à obra não saber os detalhes que permitem essa viagem, mantendo a atenção do espectador naquilo que é necessário, ou seja, o desenvolvimento e as crises de Lucius como arquiteto após ter contato com a “tribo das caras achatadas“. Para a nossa tristeza, porém, o roteiro se distancia progressivamente dessa linha, deixando o humor dessas descobertas de lado e adotando uma trama mais bagunçada, mais entregue a um absurdo que não tem amparo narrativo, e é justamente o ponto em que a obra começa a cair de qualidade. Quando a jovem mangaká (a piscadela metalinguística, nesse caso, é muito legal, especialmente no final do filme) faz a viagem até Roma e quando os idosos da pousada de sua mãe também conseguem fazer essa passagem, o filme encontra os seus maiores problemas.

Uma coisa é explorar o absurdo a partir de um foco capaz de gerar situações interessantes, num padrão construído desde o início da obra, como no caso das viagens de Lucius para o Japão contemporâneo. Outra coisa é realizar essas viagens no sentido contrário, sem o mesmo tipo de abordagem cuidadosa ou intenção clara, e pior, fazendo isso com mais de uma pessoa! A atenção do logo se dissipa e o enredo então passa a um princípio vazio de comédia e de outros valores dramáticos como trabalho comunitário e afins. Isoladamente, essas coisas até podem funcionar, mas como aparecem na metade do filme, após a criação de um caminho que é abandonado por outra coisa, fica difícil fazer sentido. O outro ponto que até agora não entendi por que foi adicionado, é o do cantor de ópera que aparece como “guia musical” das viagens de Lucius.

Sempre que há um ingrediente simbólico, metafórico ou nonsense em uma obra que já abraça essas coisas, muita gente tende a defender qualquer cena simplesmente porque “faz parte da proposta ser estranho e não precisa de explicação“. E a resposta para esse pseudo-argumento é: depende. O que não precisa ser explicado são os princípios que não fazem parte essencial da obra e não interferem em sua compreensão, servindo como base diante da qual o próprio roteiro depende para existir. No presente caso, é a viagem no tempo e espaço através das termas que não necessita de explicação. Não faz sentido a adição de outro ícone (o cantor de ópera) dentro da mesma premissa, até porque ele não tem nada a ver com a base fílmica ou o com princípio da tal viagem no tempo (ao menos no que a direção de Hideki Takeuchi nos mostra. Não faço ideia de como isso é abordado nos mangás, embora isso não seja importe em absolutamente nada aqui, porque estamos analisando a adaptação cinematográfica).

Termas Romanas faz uma interessante mescla de ficção científica bizarra com ficção histórica, mantendo um bom nível de detalhes históricos nos figurinos, na geografia da cidade, na política romana durante o reinado de Adriano e até mesmo em alguns detalhes biográficos desse imperador, como o fato de ele ser imensamente interessado em arquitetura e de ser bissexual. Sua paixão por Antínoo e a depressão em que mergulha após a morte do jovem é, inclusive, parte importante da fita na construção do personagem. Os desvios que a direção faz do meio do filme para frente põem a perder muita coisa boa que se tinha construído até então, mas não a ponto de inutilizar toda a experiência fílmica. O sucesso da obra foi tanto, que garantiu um segundo filme e, anos depois, uma nova adaptação em animação realizada pela Netflix (Thermae Romae Novae, lançada em 2022). A premissa da obra é definitivamente chamativa. Mas o problema de conceitos meio malucos como este é, desde sempre, a execução que acaba perdendo o foco, para nossa consternação.

Termas Romanas (Thermae Romae) — Japão, 2012
Direção: Hideki Takeuchi
Roteiro: Shôgo Mutô (baseado no mangá de Mari Yamazaki)
Elenco: Hiroshi Abe, Aya Ueto, Kazuki Kitamura, Riki Takeuchi, Kai Shishido, Midoriko Kimura, Katsuya, Bunmei Tobayama, Yoshiyuki Morishita, Yoshikazu Ebisu, Satoru Matsuo, Mark Chinnery, Masachika Ichimura
Duração: 108 min.

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