Terra da Máfia foi inicialmente pensada como uma série derivada de Ray Donovan antes da obra se tornar uma produção original. No entanto, os conceitos da gênese do projeto certamente estão em cena, com uma narrativa que acompanha Harry Da Souza (Tom Hardy), um fixer da família criminosa britânica dos Harrigans, comandada pelo patriarca Conrad (Pierce Brosnan) e a matriarca Maeve (Helen Mirren), em uma premissa e um protagonista similares ao seriado protagonizado por Liev Schreiber. As semelhanças param por aí, já que o cenário, o estilo de direção e o andamento da trama são diferentes da longeva produção da família Donovan. Inclusive, diria que Terra da Máfia é mais semelhante ao catálogo da Paramonut+ dominado pelos universos de Taylor Sheridan, com dramas de macho: muita violência, homens tradicionais, melodramas familiares e um modelo antiquado de vida, baseado em matar ou morrer, dívidas de sangue e a velha Lei de Talião com o proverbial olho por olho, dente por dente.
Se a máfia britânica que estamos acompanhando é do antigo testamento, então todos são maníacos sedentos por poder e controle. Isso fica evidente no início da temporada, em que Eddie Harrigan (Anson Boon), neto de Conrad e filho de Kevin Harrigan (Paddy Considine), decide esfaquear abruptamente um cara qualquer, momento em que Harry precisa consertar a situação. Isso é um mote constante da temporada, em que a família Harrigan faz algum ato hediondo ou um negócio ilegal que dá errado, momento em que o protagonista precisa entrar em ação para resolver as lambanças dos seus chefes. Hardy entrega uma boa performance estoica e imponente de um indivíduo que é sempre o mais esperto da sala, mas também é subalterno e, por alguma razão, extremamente leal.
Por outro lado, o restante do elenco é completamente pirado. Mirren personifica uma matriarca maquiavélica e dissimulada que quer ver o circo pegar fogo, enquanto Brosnan traz uma atuação perversa e ameaçadora com o imprevisível Conrad, que faz o que quer, quando quer. Outros membros da família e antagonistas seguem a mesma toada, num grupo de personagens exagerados e hiperbólicos. Existe um certo humor ácido nesse tom de pessoas violentas quase caricaturais, algo apropriado para a direção de Guy Ritchie, que toma as rédeas das câmeras em dois episódios com seu estilo mórbido de comédia visual do submundo do crime (o diretor é até tímido, eu diria, sem suas montagens vertiginosas e jogos de câmera selvagens, mas definitivamente vemos sua linguagem na série). Não acho que a obra encontra por completo o equilíbrio entre drama, tensão e ironia, mas dá para se divertir em momentos específicos com o grupo colorido, bem como elementos dramatúrgicos que chamam a atenção, com destaque para o arco do meu xará em sua viagem a um passado traumático.
Visualmente, é um seriado competente. Não temos exatamente muita ação no sentido de porradaria e tiroteios, mas da fotografia soturna, os cenários depressivos de uma Londres que parece sempre de ressaca de uma chuva pesada, os figurinos sofisticados e diversas locações belíssimas, temos uma série bem produzida e bem dirigida que te coloca dentro da atmosfera desse universo criminoso. É, infelizmente, o roteiro pouco afiado e derivativo que segura a produção de alçar prateleiras melhores das séries de crime, com clichês do gênero sendo mal usados – chefes pirados; herdeiros idiotas; bombas em carros; mulheres submissas (tirando Maeve); policiais corruptos; etc, etc – em uma trama cansada. Percebo isso principalmente na maneira que o tempero principal da temporada – uma guerra entre os Harrigans e o gângster Richie Stevenson (Geoff Bell) – se torna um jogo confuso de pessoas fazendo atos aleatórios de violência, com boa parte da narrativa se mostrando pouco inteligente, repetitiva em determinados trechos e personagens que são mais arquétipos do que verdadeiramente figuras com personalidade e presença.
À medida que a temporada avança, é notável como o enredo mostra suas limitações, escalonando o conflito com tangentes desnecessárias de outras facções convenientemente aparecendo ou então de uma repetição exaustiva dos Harrigans fazendo crueldades atrás de crueldades, o que acaba sendo a essência da obra, que não entrega algo mais profundo e envolvente do que isso – não esperem estudos de personagem, reviravoltas bem pensadas ou uma narrativa meticulosa. Ainda assim, dá para se divertir com uma Helen Mirren rindo sempre que arquiteta alguma manipulação terrível ou então um Pierce Brosnan no topo do ego masculino em seu império de cadáveres (a cena final do personagem sendo aplaudido por prisioneiros e adorando cada segundo é hilária), sendo que os recortes com Harry consertando os erros da família são os melhores trechos de uma temporada inicial que ligeiramente capta a atenção da audiência em uma história de crime familiar e comicamente perversa com uma produção visual competente e um elenco dedicado. Quem sabe a narrativa alça melhores ares em uma possível segunda temporada.
Terra da Máfia (Mobland) – 1ª Temporada | EUA, 2025
Criação: Ronan Bennett
Direção: Guy Ritchie, Anthony Byrne, Daniel Syrkin, Lawrence Gough
Roteiro: Ronan Bennett, Jez Butterworth
Elenco: Tom Hardy, Pierce Brosnan, Paddy Considine, Joanne Froggatt, Lara Pulver, Anson Boon, Jasmine Jobson, Mandeep Dhillon, Daniel Betts, Helen Mirren, Geoff Bell, Janet McTeer, Jordi Mollà, Toby Jones
Duração: 470 min. (dez episódios)