Inovador em sua mixagem de subgêneros do cinema, Terror no Rio, dirigido por Matthew Holmes, marca uma significativa adição ao gênero de filmes de tubarões, trazendo uma nova perspectiva, mesmo não sendo uma grande narrativa, daqueles bem memoráveis. Ambientado na Austrália de 1946, a produção combina elementos de suspense, crime e aventura, apresentando uma história que se desenrola em um cenário ribeirinho inusitado. A trama central gira em torno de uma equipe de mergulhadores profissionais em situação financeira problemática, contratados para localizar os conteúdos misteriosos de um automóvel afundado na noite anterior ao processo de contratação dos serviços em questão. No entanto, o que deveria ser uma missão de resgate torna-se uma luta desesperada pela sobrevivência quando se deparam com uma fêmea de tubarão-touro altamente agressiva, com média de 4 metros, criatura que se torna não apenas uma ameaça à vida dos mergulhadores, mas também uma metáfora da violência e traição humanas, simbolizadas pela gangue criminosa que os contrata. Provavelmente grávida, a fêmea de tubarão apresenta uma absurda agressividade, mas os contratantes não estão muito preocupados com os seus prestadores de serviços. O que eles querem é o conteúdo ilícito naufragado no rio de águas barrentas, ambiente perigoso que se torna o principal cenário da narrativa que em seus 85 minutos, se esforça para entregar uma trama envolvente.
Interessante como Holmes, na posição de diretor que também assume o roteiro, ao lado de Gregory Moss, entrelaça a narrativa dos tubarões com elementos do noir, habitual na estética e na caracterização dos gângsteres. Os antagonistas, vestidos em ternos elegantes e chapéus de abas largas, representam não apenas o crime, mas também a desumanização e a ambição desmedida que permeiam a sociedade que pelo contexto apresentado, está situada em um mundo de mudanças, catalisadas pelo desfecho da Segunda Grande Guerra Mundial. Essa escolha estética contrasta fortemente com a figura desorganizada dos mergulhadores, que, apesar de suas habilidades, são levados a participar de um jogo mortal, construído pelas imagens da direção de fotografia eficiente de Peter Szilveszter, acinzentada e focada em demonstrar que estamos diante de uma história “envelhecida”, isto é, de “época”. Acompanhadas pela textura percussiva de Angela Little, também assertiva em sua composição musical, as imagens de Terror no Rio conseguem disfarçar o orçamento limitado para se ter um tubarão aparecendo constantemente, mas o uso da barbatana cortando a superfície e algumas aparições da criatura calcada em nosso imaginário desde o clássico de Spielberg permitem o filme funcionar.
Um ponto de destaque no filme é a habilidade com que a ambientação australiana é utilizada. Com locações ribeirinhas que proporcionam uma beleza natural contrastante com o horror iminente, o cenário se transforma em um personagem próprio, acrescentando uma camada de complexidade à história. O rio, com suas águas traiçoeiras, é trabalhado pelos realizadores como um espaço cenográfico eficaz que ao invés de se limitar a um ambiente subaquático claustrofóbico, expande a narrativa para incluir a interação dos personagens com o vasto espaço ao seu redor. Tudo isso demonstra um grande esforço dos envolvidos no projeto em entregar uma narrativa interessante. Melhor que qualquer um desses terríveis filmes contemporâneos com tubarões lançados como piadas e paródias em torno de um subgênero rentável, Terror no Rio peca apenas por ter um ritmo menos empolgante que o necessário, mesmo com seu curto tempo de duração. Funciona como entretenimento, tem traços de reflexão, mas perde a oportunidade de ser ótimo para ser apenas bom. Nesta trama, o antagonista é o próprio homem. Há alguns flertes com misoginia e racismo no roteiro, haja vista dois personagens oprimidos pelos contratantes logo no comecinho da história, mas não é nada que se aprofunde.
Ademais, Terror no Rio me colocou diante de uma pergunta constante ao analisar cada lançamento sobre o animal mais recorrente no horror ecológico: afinal, por que os filmes de tubarão ainda são tão populares? Os filmes de tubarões assassinos ocupam um lugar peculiar na cultura popular, e sua produção parece inabalável, apesar da evidente baixa qualidade de algumas produções. Desde o icônico e já mencionado Tubarão, 1975, o subgênero se consolidou como um fenômeno, atraindo audiências com sua combinação de suspense, terror e curiosidade acerca das criaturas marinhas. Mas por que esses filmes continuam a ser feitos? Um dos principais motivos é a atração intrínseca que os tubarões exercem sobre o público. Esses predadores marinhos são frequentemente associados a perigos, mistérios e a imensidão inexplorada dos oceanos. O medo do desconhecido é uma poderosa motivação humana, e os tubarões, com suas presas afiadas e natureza predatória, encarnam esse medo primitivo. Mesmo em produções de qualidade inferior, as promessas de sustos e adrenalina conseguem atrair espectadores que buscam emoções fortes. Além disso, filmes de tubarões oferecem uma fórmula simples e eficaz que pode ser facilmente reproduzida.
Os roteiros geralmente seguem uma estrutura básica: um grupo de personagens se depara com um tubarão assassino, conflitos surgem e, eventualmente, uma ou mais pessoas tentam enfrentar a criatura. Essa simplicidade permite que até mesmo produções de baixo orçamento consigam lucro. Os avanços tecnológicos também desempenham um papel significativo na produção desses filmes. Com a popularização de efeitos visuais acessíveis e softwares de edição de vídeo, cineastas independentes e estúdios menores conseguem realizar produções que, embora possam parecer amadoras, ainda proporcionam alguma dose de entretenimento. O importante é que a proposta do filme consiga manter a atenção do público, e nesse sentido, a combinação entre efeitos do tubarão e cenas de terror é uma receita que, mesmo com baixos orçamentos, pode trazer bons retornos financeiros. Por fim, a presença de tubarões em filmes também se insere em uma tradição cultural maior que explora a relação entre humanos e a natureza. O chamado “ser humano contra a natureza” é um tema recorrente na História da arte, onde o homem se vê confrontado por forças externas que desafiam sua eficácia e segurança. O tubarão, como símbolo desse antagonismo, permite explorar questões filosóficas sobre vulnerabilidade, sobrevivência e a necessidade de enfrentar os próprios medos.
Terror no Rio (Fear Below/Austrália, 2025)
Direção: Matthew Holmes
Roteiro: Matthew Holmes, Gregory Moss
Elenco: Hermione Corfield, Jake Ryan, Jacob Junior Nayinggul, Arthur Angel, Josh McConville, Maximillian Johnson, Clayton Watson, Will Fletcher, Kevin Dee, Tom Beaurepaire, Sam Parsonson
Duração: 85 min.