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Crítica | Tesla (2020)

por Luiz Santiago
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Uma das frases mais famosas do cinema foi proferida por Maxwell Scott, o personagem de Carleton Young no inesquecível O Homem Que Matou o Facínora. Ao ser questionado pelo personagem de James Stewart se publicaria ou não uma certa reportagem, o interlocutor respondeu: “This is the West, sir. When the legend becomes fact, print the legend“. E pelo bem, pelo mal, dentro ou fora da ficção, essa frase tem se mostrado uma verdade inquietante. Nos cinemas, qualquer tipo de ficção histórica abraça esse tipo de pensamento. E não poderia ser diferente. O único compromisso que a ficção cinematográfica tem é o de nos fazer sonhar acordados, portanto, modificações da História do mundo ou da vida de quem quer que seja é perfeitamente possível e aceitável na Sétima Arte (ou em qualquer outra). Quem quer lições de História e espera veracidade documental numa ficção em imagem-movimento parece que vive em 1895 e ainda não entendeu como funciona o cinema. Ou para quê ele foi criado.

Digo isso para sepultar de imediato as possíveis reclamações pseudo-historiográficas sobre “inverdade dos fatos” que o roteiro do diretor Michael Almereyda traz em Tesla (2020), mais uma produção que pretende lançar luz sobre a já lendária disputa entre Nikola Tesla e Thomas Edison pelo melhor tipo de condução de correntes elétricas. Safras recentes no cinema (A Batalha das Correntes, 2017) e na televisão (Nikola Tesla’s Night of Terror, 2020) fizeram seus recortes, escolhas e apontamentos históricos a respeito desse embate, que agrada ou desagrada espectadores pelos mais diversos motivos, desde o tipo de representação que fazem dos dois homens até a representação de suas ideias. Isso faz parte da relação do indivíduo com a obra. Neste conto de Almereyda, porém, há um convite para que essas cobranças sejam ao menos parcialmente deixadas de lado. Tesla não tem vergonha de se assumir como incomum…

… assim como era o inventor que o filme se propõe retratar. O esqueleto dramático aqui não é tão diferente daquilo que a História convencional nos conta sobre os protagonistas, porque a proposta do filme não é a de uma história alternativa ou de uma fantasia. Mas a forma de narrar esses eventos recebeu um tratamento diferente. Como disse antes, o filme não tem vergonha de se assumir como incomum, e incorpora uma porção de ingredientes oníricos ou anacrônicos para demonstrar os sentimentos de Tesla, bem como o resultado, em nossa Era, da expansão, melhoria e utilização de suas invenções. É um filme-diálogo que utiliza da narração (também assumidamente didática) para criar uma ponte, uma aproximação, um cruzamento de tempo e espaço incomuns nesse tipo de obra, dialogando com as muitas ideias de mesmo calibre concebidas pelo biografado.

Num primeiro momento, essa narração revela-se uma intervenção curiosa, quebrando a quarta parede e incorporando o método de pesquisa no Google à percepção histórica dos dois homens, numa espécie de aceno para o “publique-se a lenda“. No processo de dramatização dos eventos da vida de Tesla, vemos essa lenda ser construída com uma interação entre diferentes tipos de imagem (cinema, artes plásticas, fotografia) e demonstrada através de distintos tipos de tela, tornando a obra também um pequeno experimento formal, que infelizmente é pouco a pouco pisoteado pela insistência num tipo muito expositivo de narração. Se no início, a proposta era interativa, irônica, cômica, à medida que o filme avançava a escolha do diretor foi por uma exposição simples, apenas contextualizadora, sem nada de interessante ou relevante para apresentar, posto que o que vemos ali poderia ser abstraído pelo espectador através da imagem ou ser sugerido por ela de forma verdadeiramente bem-sucedida.

Em contrapartida, o que não perde qualidade no filme e faz jus à sua proposta é a bela fotografia de Sean Price Williams (Bom Comportamento), pintando de forma deliciosamente teatral a trajetória de Tesla, caminho igualmente seguido pela direção de arte, que alterna tablados à medida que a história se torna mais exigente, mais artística ou mais próxima de um sonho, de uma lição, de uma hipótese (as cenas com Sarah Bernhardt ou quando Tesla fala de um “possível sinal de Marte” são bons exemplos disso). Desses momentos, o único que eu verdadeiramente desgosto é o sonho em que Tesla canta Everybody Wants to Rule the World. A mensagem da canção condiz com a intenção das invenções do protagonista, mas o deslocamento dessa cena frente ao restante é tamanho, que parece uma mímica de mal gosto inserida no filme. Sem contar que é o pior momento de Ethan Hawke, e vejam que eu não necessariamente amo a performance dele no restante da fita, mas este é certamente o fundo do poço.

Proposta vivaz, personagem cativante e uma grande base para exercício de “publicar-se a lenda“, Tesla funciona como uma constante variação entre a possível verdade do passado, o ponto de vista emotivo e onírico do inventor e o presente que desfruta de tudo o que foi criado a partir do aprimoramento de suas ideias. É um projeto que tenta capturar o funcionamento de uma mente genial. E ao menos em alguns aspectos de percepção e experimentação da realidade, consegue ser bastante feliz no que faz.

Tesla (EUA, 2020)
Direção: Michael Almereyda
Roteiro: Michael Almereyda
Elenco: Ethan Hawke, Eve Hewson, Eli A. Smith, Josh Hamilton, Lucy Walters, Luna Jokic, Kyle MacLachlan, Dan Bittner, David Kallaway, Karl Geary, Ebon Moss-Bachrach, Nicholas Wuehrmann
Duração: 102 min.

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