Home QuadrinhosArco Crítica | El Morisco ou O Senhor do Abismo (Tex #101 a 103)

Crítica | El Morisco ou O Senhor do Abismo (Tex #101 a 103)

Tentando retomar a glória do Império Asteca.

por Luiz Santiago
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Aventura que se segue à comemorativa Forte Apache (edição #100 da série regular do Águia da Noite) El Morisco é um arco que acabou sendo bem mais conhecido por O Senhor do Abismo, especialmente porque é com este nome que foi realizada a adaptação cinematográfica dessa história, trazendo um problema central que mistura elementos sobrenaturais e resquícios e corruptelas da História Asteca, expondo os protagonistas a um perigo que vai além de bandidos comuns com suas traições, agilidade no gatilho, bombas e afins. O interessante é que o roteiro de Gianluigi Bonelli não começa apontando para algo épico ou indicando que a coisa tomaria um rumo tão diferente como tomou; ou seja, passamos de uma busca de armas destinadas ao Exército e que foram roubadas antes de chegarem ao Forte, para um ambiente místico e interessantemente politizado.

O texto também traz referências da primeira aparição do Bruxo Mouro nos quadrinhos de Tex, a aventura Formigas Vermelhas (A Herdeira de Montezuma), de onde vem igualmente uma certa linha política na fala dos extremistas indígenas mexicanos. Sabendo-se herdeiros de uma cultura nativa muito antiga, eles passaram a se organizar em torno de um líder que faz uso de uma arma misteriosa (capaz de literalmente secar o ser vivo que for atingido) e de um culto não menos assustador, que no fim das contas, pretende tomar as terras conquistadas pelos homens brancos e restaurar a glória do Império Asteca. É a típica aventura de extremistas com visões dominadoras e bem pouca noção da dificuldade para se alcançar objetivos tão imensos. O roteiro, todavia, não trata isso como se fosse a coisa mais absurda do mundo.

Em diversos diálogos e passagens do arco, o leitor percebe que Gianluigi Bonelli considera como válidas uma parte das reclamações que esses nativos possuem em relação ao caráter expansionista, violento e dominador do homem branco naquela região (e esta crítica das entrelinhas é, evidentemente, mundial, valendo para todos os povos do nosso continente americano e também para a África, a Ásia e a Oceania), mas também coloca a linha civilizacional no ponto em que essa exposição dos oprimidos cai em alianças com bandidos do Oeste dos Estados Unidos e do México, que dentre outras coisas, desemboca em mais violência, planos igualmente dominadores através da força e práticas como as do assalto aos lotes de armas destinados ao Exército — caminho pelo qual uma trama inicialmente tão típica do cotidiano do ranger faz uma curva e acaba num weird western.

Embora eu não ache muito interessante as cenas no covil de El Dorado, na última edição do arco — por não trazer momentos de ação verdadeiramente engajantes, como acontece, paralelamente, no bloco de Tex — e entenda que o roteiro estende demais todo o terceiro ato do arco, não tem como não ficar tenso com os enfrentamentos entre nativos, mexicanos e as forças da lei. Pode-se argumentar que são muitas coincidências num único espaço, o que é a mais pura verdade, mas para quem já é veterano no gênero, chega um ponto em que ficamos muito mais condescendente com esse tipo de coisa. E é sempre bom lembrar que este clichê narrativo não é exclusivo dos quadrinhos da Bonelli, mas também se vê no cinema de faroeste e nessa literatura como um todo.

Das conveniências dessa aventura, a que eu realmente não gostei foi a chegada milagrosa de Tigre e Kit na caverna do sacerdote que extraía as pedras assassinas do seio da terra, numa região de leve atividade vulcânica. Já as outras — inclusive a chegada dos rurales na batalha final — estão dentro de uma esfera aceitável, no meu ponto de vista, principalmente porque tiveram um correto tratamento de tempo e expectativa para que acontecessem. Como é comum em sagas mais antigas de Tex, muitas vezes o roteiro desvia-se do foco principal e parece se esquecer completamente de seu intento, o que enfraquece um pouco o argumento do autor, mas no fim, tudo se afunila para o caminho correto. Uma pena não ter mostrado cenas do Bruxo Mouro ouvindo os relatos dos rangers para o que aconteceu na misteriosa caverna ou na comunidade dos nativos. Para um homem como ele, que transita entre a ciência e o misticismo, um relato como esses seria um verdadeiro banquete de informações e positivo espanto.

Tex #101 a 103: O Senhor do Abismo (El Morisco, Sierra Encantada e IlSignore Dell’abisso)  — Itália, março a maio de 1969
No Brasil:
Tex n°40 a 43 (Vecchi, 1974), Tex Coleção n°148 (Mythos, 1999).
Roteiro: Gianluigi Bonelli
Arte: Guglielmo Letteri
Capas: Aurelio Galleppini
331 páginas

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