Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | Tex Graphic Novel #9: O Homem dos Revólveres de Ouro

Crítica | Tex Graphic Novel #9: O Homem dos Revólveres de Ouro

Uma crua história de vingança.

por Luiz Santiago
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Pasquale Ruju parece ser escolhido para determinadas aventuras de Tex justamente porque é um autor que sabe trabalhar “narrativas impiedosas” como poucos. Com uma grande habilidade de concisão narrativa, o roteirista consegue apresentar rapidamente os seus dramas, sempre com braços de desenvolvimento que vão levar os mocinhos para árduas batalhas e perseguições, o que é sempre um prazer para o leitor acompanhar, especialmente porque os enredos de Ruju estão sempre preocupados com um tipo completo de realismo, onde a tragédia atinge não apenas o solitário “homem do oeste“, mas a sua família e outras pessoas mais próximas à ele. Além disso, gosto muito dos contextos que o autor procura trazer em suas produções, e no caso de O Homem dos Revólveres de Ouro, esse núcleo surge muitos anos antes, ainda na guerra de invasão e roubo do território mexicano pelos Estados Unidos.

O ideal do tortuoso, absurdo e infame do Destino Manifesto provocou mudanças grandiosas nas fronteiras dos Estados Unidos com o México e, historicamente, estamos falando de um grande conflito que por quase dois anos (abril de 1846 – fevereiro de 1848, que é o período que dura a Mexican–American War) acabariam por massacrar os mexicanos e fazer com que perdessem nada mais, nada menos que 50% de seu território. Esta é, na verdade, a raiz dos males que Ruju utiliza para focar em algo mais pessoal e familiar aqui: o destino dos irmãos do bandido mexicano Juan Gonzales, enforcados pelos diversos crimes que cometeram. Kit Carson, ainda bem jovem, presencia essa execução, mesmo não concordando com ela, e o tempo que se passa até “o momento presente“, ou seja, Texas, pouco depois da Guerra Civil, é o tempo em que o tal Golden Guns se prepara para localizar e começar a matar os rangers responsáveis pela execução dos jovens Gonzales.

Nesse ponto o roteiro trouxe também outro elemento clássico das narrativas de faroeste na literatura e no cinema, mas que também podem ser  vistas em inúmeros dramas latinos que são ambientado em regiões semiáridas (até aqui mesmo no Brasil, nas histórias relacionadas ao Cangaço): a viciosa disputa entre famílias, com “promessas de sangue e vingança” que, por gerações, juram vingar o assassinato de um determinado parente pela família rival (há um bom filme de Luis Buñuel a respeito disso, chamado O Rio e a Morte — fica a dica para quem gosta do tema!). No caso, o autor explora essa sensação apenas do lado de Juan e de seus capangas, que verdadeiramente caçam os americanos por muitos anos, gastando tempo e dinheiro em um plano de vingança que, por pouco, não é inteiramente executado.

Para dar vida a esta narrativa, a Bonelli convidou R.M. Guéra, que não economiza nas ótimas imagens de sofrimento de alguns personagens, de faces iracundas e maldosas e de fascinantes cenas de tiroteio entre rangers e bandidos. Gosto bastante do tipo de detalhes que o desenhista aplica para cenas mais impactantes, detalhes que não valem apenas para coisas que estão em primeiro plano, mas para as principais coisas de toda a página. Chamo a atenção para a cena do primeiro massacre. A arte faz cortes secos entre as cenas, pulando algumas pequenas unidades de tempo, mas não ao ponto de nos confundir visualmente. Essa estratégia de diagramação e narração visual do que o roteiro apresenta consegue criar tensão e gerar no leitor a rápida reação aos momentos de carnificina ou violência vistas do volume.

E quem assina a aplicação de cores é Giulia Brusco, cujo trabalho é verdadeiramente aplaudível! Eu tenho verdadeiro fascínio por trabalhos de coloristas que não têm preguiça de fazer nuances: várias camadas de uma mesma cor que ganha diferentes tonalidades e intensidades em uma mesma cena — observe os blocos em que aparecem águas e, principalmente, a bela cena noturna entre as páginas 11 e 17. Também chamo a atenção para o filtro que ela escolhe para as cenas de flashback e para a paleta do ataque de Tex e Kit ao bando de Juan, começando na página 35 (nessa sequência, inclusive, vale mais uma vez o destaque para a fantástica arte de Guéra e sua exploração dos movimentos em ângulos muito criativos).

Vingança é um sentimento que apodrece o homem. Alguns perdem parte de sua própria vida preparando algo para se vingar de alguém, e quando consegue o que quer, parece não ser o bastante para alimentar o monstro criado por tanto tempo em seu interior. Esta é a sensação que a gente tem nas cenas finais dessa história. Com o adendo de que o vilão é trabalhado como aqueles antagonistas dos slashers americanos, que parecem que nunca vão morrer, mesmo sofrendo todas as quedas e ferimentos que matariam uma “pessoa normal” em qualquer ficção ou realidade. O Homem dos Revólveres de Ouro é a história da preparação de um plano, da morte de muitos homens legalmente inocentes e da decadência patética de um grande vilão.

Tex: L’uomo dalle pistole d’oro (Tex Romanzi a Fumetti #9) — Itália, fevereiro de 2019
Sergio Bonelli Editore
No Brasil: Tex Graphic Novel n°8 (Editora Mythos, novembro de 2019)
Roteiro: Pasquale Ruju
Arte: R.M. Guéra
Cores: Giulia Brusco
Capa: R.M. Guéra
52 páginas

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