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Crítica | Texasville

Continuações infaustas.

por Fernando JG
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Parece, então, que aquela não era a Última Sessão de Cinema de Peter Bogdanovich. Trocadilhos à parte, ele havia de dar sobrevida à história de Sonny e sua turma, ainda que este respiro se desse às custas de uma irregularidade dramática e de um equívoco incorrigível em termos de necessidade. Sem uma justificativa muito plausível que dê sustento à continuação de um enredo que outrora já tinha finalizado, e muito bem, continuações são sempre perigosas. Como Wim Wenders um dia transformou sua obra-prima Asas do Desejo numa peça menor em Tão Longe, Tão Perto, Peter Bogdanovich insiste na ideia de dar sequência à uma história que não precisava disso, afinal, o encerramento de A Última Sessão de Cinema já conclui um arco dramático completamente inteiro, sendo mesmo um dos mais aclamados da década de 70 e da carreira do cineasta. É evidente, enfim, que aqui há um problema de ordem da necessidade, que é aceitável, mas não deixa de ser um erro. Bogdanovich tem suas escusas em dizer que era um projeto pessoal, contudo, não  foi o suficiente para que o filme garantisse a relevância que tem o filme de 1971. 

Assim como The Last Picture Show, Texasville é adaptado do romance de Larry McMurtry e intenta dar sequência às histórias de Duane Jackson (Jeff Bridges), Sonny (Timothy Bottoms) e sua turma. Lá estão todos eles novamente, revivendo enredos, paixões, frustrações… mais de 30 anos após as desventuras do primeiro filme, eles retornam, mas agora numa meia idade avançada, com filhos e questões próprias desse estágio da vida, remoendo lembranças de um passado glorioso e maldizendo um presente que não é dos mais animadores. Texasville pode querer ser ainda mais melancólico, mas é sobretudo mais desinteressante.

O roteiro se obriga a trabalhar o reencontro inevitável, embatendo-se em antigas tramas e antigos conflitos, como amor e amizade. Duane é o protagonista da vez: com 4 filhos, uma esposa que não o ama, um casamento desgastado pelo tempo e uma vontade enorme de reconstruir sua vida, só que da maneira correta. A personagem feminina interpretada por Cybill Shepherd merece alguma consideração, uma vez que estava muito crua e inverossímil no primeiro longa – algo que eu já havia apontado no texto sobre A Última Sessão. Aqui, ela demonstra uma evolução ímpar, maturidade, firmeza na atuação e um compromisso com sua personagem, sendo mesmo uma das melhores interpretações da película. 

O mesmo toque de desilusão e melancolia que envenena toda a atmosfera fílmica em A Última Sessão de Cinema aparece aqui enquanto aspecto de enredo. Os primeiros dez minutos do longa, cujo marasmo cênico expõe uma determinada perspectiva deteriorada da vida, com falas de arrependimento e, finalmente, com reflexões a respeito da crise da meia-idade, colocam em evidência o tom adotado pelo filme. A cidade interiorana, o cinema fechado, a amargura de uma velhice infausta e o tédio fazem parte das temáticas de Texasville. A pacata cidade torna-se uma espécie de metáfora continuada do estado de alma e do ânimo dos protagonistas. Todo mundo está visivelmente desgastado pela imagem da passagem do  tempo. 

Bogdanovich tem um visível problema com ideias de amadurecimento. Para ele, tudo que é mudança gera crise. É uma questão pessoal o fato do cineasta não saber lidar com as concepções e a inevitabilidade do curso da vida, coisa que ele mesmo cansa de dizer por aí. Lidar com o tempo não é fácil e a depender da sensibilidade de cada um, pode machucar deveras. E vai machucar. É por isso que novamente ele propõe uma trama que expõe uma nova crise, isto é, se o diretor lidou uma vez com questões típicas de um coming of age insuperavelmente melancólico, agora, em Texasville, a crise da meia-idade se transforma em algo capaz de gerar profundo sentimento de deslocamento. Contudo, embora tenha um breve tom de pesar, o longa não deixa de ter um “quê” de cômico, de modo que esta película se faz menos densa e intensa do que o seu clássico A Última Sessão de Cinema. Já não é mais ruptura, como aos 18 anos, mas cansaço e fadiga, com personagens insatisfeitos com suas situações atuais. 

Com isso, o estilo fílmico adota um foco narrativo regular, filmando seus protagonistas adultos, numa trama pra lá irregular, que por vezes parece descompromissada. Não sei se a juventude é sensivelmente mais trágica do que a velhice, fato é que aqui quase tudo se torna cômico nas entrelinhas. Me parece que este filme é um tanto desinteressado e que talvez busque se valer da comédia para tirar o peso da trama. Há um non-sense bastante aparente, o que diminui a dramaticidade da obra. Claro, é um filme menor, que utiliza de aspectos narrativos outros, e que se dá ao luxo de negligenciar a rigorosidade que uma vez empregara no primeiro filme, conferindo a este um marasmo que não é nem de longe sutil. Propõe um filme colorido em vez do preto e branco habitual e entrega uma peça com ares de provincianismo. O tédio interiorano. 

Texasville parece ser autônomo mas com o decorrer da trama se nota que ele condensa fortes ligações com seu antecessor, de modo que os fatos que ocorrem no seu arco dramático se ligam com facilidade aos acontecimentos anteriores. O filme parece ganhar pelo fator “curiosidade”, isto é, queremos saber o que houve com eles e em que pé da vida estão. Sem isso, talvez possam parecer chatas as motivações do enredo, que não são nem um pouco cativantes. O longa-metragem pressupõe que já sejamos familiarizados com seus heróis e investe nisso, na suposição. O que posso concluir de Texasville, portanto, é que é um filme imperfeito. 

Texasville (Texasville, EUA, 1990)
Direção: Peter Bogdanovich
Roteiro: Peter Bogdanovich (baseado em romance de Larry McMurtry)
Elenco: Jeff Bridges, Timothy Bottoms, Cybill Shepherd, Cloris Leachman, Randy Quaid, Annie Potts, William McNamara, Eileen Brennan
Duração: 123 min. 

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