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Crítica | That Sugar Film (2014)

por Luiz Santiago
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Primeiro longa-metragem dirigido por Damon GameauThat Sugar Film é um documentário australiano que parte de questionamentos do cineasta sobre uma dieta com a massiva presença de açúcar (frutose) no cotidiano. Em dado momento da fita ele expõe, através de uma explicação cômica atrelada a uma excelente animação, como funciona o processo de digestão do açúcar em nosso organismo, marcando um ponto importante das reflexões sugeridas na obra, ou seja, não importa se estamos lidando com sacarose, xarope de milho com alto teor de frutose ou com as mais diversas variações dadas pela indústria alimentícia: ao digerir esse alimento com uma determinada enzima, nosso organismo separa glicose e frutose, fazendo o perigo permanecer. A obra nos ajuda a tornar plural o olhar para a má alimentação em nosso tempo e ressalta que a gordura não é exatamente a senhora de todos os males.

A concepção do filme parte, na verdade, de um experimento. No momento em que estava filmando a obra, Gameau já estava em uma dieta livre de açúcar há 3 anos, e então, prestes a ser pai e com uma grande quantidade de notícias e dados alarmantes sobre o tema em mãos, resolveu usar o próprio corpo como cobaia. Aqui, o espectador percebe o caráter rigoroso do projeto, o que em termos de valor do documentário — não apenas no tema, mas no caminho utilizado para se chegar às conclusões científicas — torna a obra um bom espaço de discussão, mesmo nas discordâncias, uma vez que o trajeto percorrido teve uma cuidadosa preparação, primeiro com os exames de sangue, depois pela consulta em diferentes especialistas e só então chegando ao estabelecendo da nova dieta.

Um dos problemas frequentes encontrados em documentários com temáticas “onde não exite consenso científico” é o uso solto de justificativas e processos analíticos, boa parte deles feitos para confundir ou encobrir caminhos diferentes de interpretação, o que não acontece aqui. That Sugar Film não só é uma obra criativa, com entrevistas, imagens geradas por computador, esquetes cômico-histórico-didáticos (protagonizados por Hugh JackmanStephen FryBrenton Thwaites), cenas de viagem, inserção de novas telas, processos de consulta médica, música e animações; mas é também um documentário que lida honestamente com o outro lado da moeda, abordando alguns de seus caminhos e entrevistando um dos representantes deste lado, ligado à Coca-Cola e cuja entrevista é um misto de vergonha e marketing muitíssimo bem pago. O diretor poderia trazer mais representantes para comentar o problema e inseri-los de maneira mais firme nos últimos blocos do longa, mas isto é apenas um caminho de construção da problemática, não algo que inutilize ou classifique a obra como uma falácia doutrinadora que quer demonizar o tão delicioso açúcar.

Sendo orientado por sua nutricionista a manter exatamente o mesmo nível de carboidratos por dia (ao longo do processo ele chegou, inclusive, a ingerir menos do que antes), o diretor colocou na dieta produtos SAUDÁVEIS (com a tag light ou diet) contento açúcar, mantendo a média que a maioria da população consome por dia, e isso sem mergulhar nas junkie foods. Apenas com drinques energéticos, chás, estimulantes e “substituidores de refeição”, o documentarista conseguiu aumentar consideravelmente, em três meses de experimento, o seu peso, a circunferência do abdômen, o nível de gordura no fígado, além de desenvolver um estágio de letargia e, talvez uma das coisas mais terríveis que o excesso que açúcar pode trazer, a falta de clareza mental, devido ao descontrole do cérebro ao lidar com os picos de “felicidade” pela ingestão de um produto doce e a espera de outra “dose” (exatamente como um viciado em drogas) para que o estado de euforia volte novamente. O mais interessante é que no processo, o autor também manteve o ritmo diário de exercícios diários. Mesmo assim, os resultados foram catastróficos.

Abordando com cautela as mudanças históricas, colocando algumas propagandas de TV, problematizando a ação de produtos com alto teor de açúcar em comunidades (nativas ou não) e alertando para o vício que o produto causa,  That Sugar Film abre uma porta para que o espectador pense sobre o tema, convidando-nos a entender e a questionar a guerra contra a gordura, iniciada nos anos 1980, e o estabelecimento do açúcar como o “mocinho doce” da história, ainda hoje encoberto por caminhos de pesquisas suspeitas que exibem com orgulho a frase “não há consenso de que faz mal“. Um daqueles filmes “inconvenientes” que nos faz pensar, nos impulsiona a pesquisar dados sobre o tema e nos faz querer mudar alguns dos hábitos alimentares mais comuns que adquirimos ao longo dos anos.

That Sugar Film (Austrália, 2014)
Direção: Damon Gameau
Roteiro: Damon Gameau
Elenco: Damon Gameau, Hugh Jackman, Milla Bakaitis, Richard Davies, Skylar Delphinus, Christina Evans, Stephen Fry, Zoe Gameau, Lisa Gloufchis, Benjamin Hancock, Zelia Kitoko, Isabel Lucas, Jessica Marais, Brenton Thwaites
Duração: 90 min.

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