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Crítica | The Banker (2020)

por Ritter Fan
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The Banker, a primeira grande aposta cinematográfica do AppleTV+, era para ter sido lançado ainda em 2019, mas um escândalo relacionado com um de seus produtores – que desde então teve seu nome removido dos créditos – estourou próximo da estreia e o filme acabou adiado para o primeiro trimestre de 2020, perdendo muito do esforço de marketing para sua divulgação. Mesmo assim, a produção, baseada em fatos reais, merece ser conferida não só pela história em si, que é ao mesmo tempo razoavelmente desconhecida, mas sem dúvida muito interessante e, em vários aspectos, aterradora, como também pela qualidade da obra em si.

Não é que The Banker pretenda alçar voos muito altos, pois não pretende. Ao contrário, sua estrutura é simples, daquele tipo que já vimos dezenas de vezes antes em filmes que lidam com a ascensão e queda de visionários que, com suas ações, ajudaram a mudar o status quo de algo. Aqui, a história aborda a vida de Bernard Garrett (Anthony Mackie), um afro-americano que, em plenos anos 60, tem a ousadia de entrar no mercado imobiliário “destinado para brancos” de Los Angeles e, depois, em parceria com o milionário Joe Morris (Samuel L. Jackson), ingressa no sistema bancário e em sua cidade natal para piorar tudo. Para conseguir seus objetivos, a dupla amealha a ajuda de Matt Steiner (Nicholas Hoult), um jovem branco, para ser “a cara” dos negócios, tornando possível a abertura de portas de, de outra forma, permaneceriam fechadas.

É a trinca principal, portanto, que se torna a verdadeira chave para o filme funcionar ou não. Na verdade, o espectador precisa primeiro “comprar” a atuação de Anthony Mackie como um almofadinha genial e ambicioso que dá o pontapé inicial para um plano ousado de dominação do mercado imobiliário angeleno. Talvez mais conhecido do público geral por seu papel de Falcão no Universo Cinematográfico Marvel, o ator tem na carteira um número grande de papeis que vai além do parceiro do Capitão América e, apesar de nunca ter realmente mostrado grande latitude dramática, ele raramente faz feio. Aqui, ele tem, muito provavelmente, seu melhor papel até agora, construindo um personagem tão sisudo e certinho que ele ganha traços cômicos, mas sem ser engraçado no sentido mais comum da palavra. É um belo de um contraponto para a personalidade (sempre) expansiva de Jackson como Morris, com o estabelecimento de uma química “contraposta”, por assim dizer, muito gostosa de ver na tela. Nicholas Hoult, por seu turno, fica em um simpático meio termo como um homem simples e matematicamente ignorante, mas que, talvez muito rapidamente demais mesmo considerando o treinamento por que passa, torna-se um empreendedor de considerável tino comercial.

Colorindo a quase onipresença dos três atores em tela, há, ainda, a participação aqui e ali de Nia Long como Eunice Garrett, amorosa esposa de Bernard. Apesar de seu papel relativamente tímido em termos de tempo diante das câmeras, a personagem é bem utilizada pelo roteiro que a transforma em uma espécie de calmaria diante do furacão de acontecimentos que povoam a narrativa, além de servir de “grilo falante” para Bernard e, por vezes, como um bom safanão verbal em Joe.

A questão racial é, sem trocadilho, preto no branco, sem rodeios. Começa com a forma superior como o pequeno Bernard, como engraxate, é tratado na sequência de abertura da fita, e permanece constante ao longo de toda sua duração, transitando de comentários discretos e “inocentes” (as aspas são importantes!) de algumas pessoas até atitudes asquerosas e violentas, além do panorama geral dos EUA nos anos 60 que era inacreditável mesmo em estados mais liberais como a Califórnia. Bernard é pragmático, porém, entendendo perfeitamente como funcionam essas engrenagens viciadas do jogo, e faz o seu melhor para jogar o sistema contra ele mesmo em um plano ao mesmo tempo de fundo altruísta, mas, como Joe logo detecta, com um fundo perfeitamente compressível e mais do que justificado de ressentimento e raiva.

A reconstrução de época é outro charme da obra, especialmente no que toca os figurinos do afiadíssimo elenco. Bernard é todo certinho, com todos os vincos de sua calça bem passados, enquanto Joe é espalhafatoso como sua personalidade, deixando Matt como o “cara comum” que oscila entre o totalmente esculhambado e o refinado quando essencial. O cuidado com as tomadas em locação em prédios e casas da década de 60 e que até hoje estão de pé, o uso de automóveis e a decoração de interiores também merecem destaque. No entanto, é engraçado como, assim como a estrutura narrativa padrão da obra, todo o design de produção é correto, polido, mas não de cair o queixo. Por vezes passa até uma sensação de assepsia, com tudo muito arrumado e limpo demais, como espaços que não parecem “vividos”.

Tenho para mim que essa característica de The Banker sem dúvida foi pensada para tornar o filme o mais universal possível, agradando a gregos e troianos. Ao mesmo tempo, porém, isso detrai um pouco do resultado geral, assim como o roteiro que muito mais arranha a superfície dos problemas do que efetivamente arregaça as mangas e põe o dedo nas diversas feridas. É como um panorama geral muito bem feito, mas que não se esforça para se debruçar mais pausadamente sobre a temática principal, preocupando-se muito mais com a sagacidade de seus protagonistas do que com o ambiente segregador em que estavam inseridos.

No entanto, The Banker consegue chamar atenção por sua história, que é de abrir os olhos, e também por seu muito bem escolhido elenco que dá um show do começo ao fim, além da reconstrução de época. Não é um filme ambicioso e nem uma produção particularmente ousada ou inovadora, mas ela sem dúvida tem importante função de relembrar fatos esquecidos, gera discussões e, no final das contas, é entretenimento garantido.

The Banker (EUA, 20 de março de 2020)
Direção: George Nolfi
Roteiro: Niceole R. Levy, David Lewis Smith, Stan Younger
Elenco: Anthony Mackie, Samuel L. Jackson, Nicholas Hoult, Nia Long, James DuMont, Colm Meaney, Michael Harney, Jessie T. Usher, Taylor Black, Gregory Alan Williams, Paul Ben-Victor, Rhoda Griffis, Crystal Coney, Chris Gann
Duração: 120 min.

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