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Crítica | The Beatles: Get Back

Peter Jackson volta para a essência dos Beatles.

por Fernando JG
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Thank you, Michael Lindsay-Hogg, director of this epic. 

Em 1966, os Beatles decidem parar de se apresentar ao vivo, focando apenas nos álbuns de estúdio. Janeiro de 1969 marcava, então, o retorno da banda em dois anos de reclusão, que viria com um novo álbum, o inédito Let it Be. Dirigido pelo levemente megalomaníaco Peter Jackson, Get Back é o documentário que nos situa neste fatídico momento, utilizando das imagens gravadas por Michael Lindsay-Hogg durante todo o mês de janeiro e outras filmagens ainda desconhecidas do público. O que temos nessas gravações é preparação do grupo para um get back triunfal ao fim do mês, com apresentação de show, especial para TV e lançamento do documentário, que destaca a composição das principais canções do projeto. 

Inicialmente, Peter pensava em fazer um filme quando descobriu o material, mas após inúmeras discussões com a produção e pela riqueza do seu objeto transformou tudo aquilo em um documentário dividido em três partes, cada qual com mais de duas horas e meia cada, guiado a partir de uma linha do tempo que começa no início de janeiro e vai até o fim do mesmo mês, variando entre ensaios e a apresentação final. Em determinada medida, Peter Jackson enfoca não apenas a melancolia da ruptura, como outrora fizera parecer outras produções fílmicas sobre a banda, mas demonstra, com tempo de tela, a poderosa harmonia e entrosamento que dá liga ao grupo e com isso entrega um material inédito. 

Pouco a pouco, a câmera-documental tira de cada momento os sentimentos mais propícios e nos faz sentir, de maneira plena, a insegurança, as tensões, as insatisfações, os acertos, as felicidades, entre outros turbilhões de emoções pelas quais o grupo atravessava ali naquela virada dos anos de 1968 para 1969. Ainda falando em sentimentos, é incrível o poder emotivo que o filme exerce sobre quem está do outro lado da tela, e chorar de rir parece ser inevitável em determinadas situações, bem como sentir-se melancólico pelo desenrolar das coisas. Mas isso é porque a câmera atua de modo intimista, captando o essencial da dinâmica entre os integrantes do grupo. As imagens propostas por Michael, e montadas por Peter, mostram-se sempre com intenção conciliadora, como se quisessem afastar da aura da banda as narrativas nocivas que se construíram ao redor deles, evidenciando um outro tipo de relação que não aquela tão propagada pela mídia, que caíam sempre sobre as brigas, os conflitos e suposições sobre drogas. O documentário inverte esta lógica.  

A atmosfera de um Beatles pré-dissolução é captada com precisão e verdade no documentário, e se por um lado desfaz inúmeros boatos que pairam sobre a mitologia da banda, entregando um retrato preocupado com a imagem fiel dos integrantes, por outro, oferece aos fãs e aos desavisados uma peça fílmica completa e comovente, satisfazendo, primeiramente, aos fãs, que entram em definitivo no universo da beatlemania, mas agradando também aos outros, que saem completamente apaixonados e fascinados pelo material assistido, que os permite presenciar situações sublimes como os momentos da criação de obras-primas.

Torna-se inesquecível para a memória coletiva, sobretudo um objeto de valor inestimável, a descoberta de cenas em que, por exemplo, Paul McCartney está tentando achar os arranjos perfeitos para a composição de Don’t Let me Down; ou mesmo quando num impulso criativo tem a ideia para Get Back. A função documental é executada com sucesso. Com isso, é este núcleo duro, típico de uma grande produção, que a direção de Peter Jackson articula no documentário, que transforma um material embaralhado, de quase 60 horas de imagem e mais de 150h de áudio, numa peça de valor incalculável e de um apego sentimental marcante ao longo de um pouco mais de 8 horas de filme. 

É de ordem cronológica, portanto, que são conectados os episódios, e a passagem de um a outro é determinada de acordo com as rupturas e as voltas, que vão ocorrer, dentro da montagem, a cada fim e início de capítulos. Embora os desacordos entre os integrantes estejam presentes no curso do filme, há uma escolha intencional em fazer realçar mais a parceria do que as tensões que levam à separação. Então este é um documentário que não preza jamais pelo conflito, mas pela reconciliação, ou mais, pela construção de uma ideia de que os meses finais da banda ocorrem num clima de tensão, é claro, mas não de conflito. Essa é a imagem geral que fica do documentário de Peter Jackson. 

Neste sentido, a figura de Yoko Ono também é retrabalhada. Se ela era vista como uma das causas do breakup, aqui, o filme faz questão de reafirmá-la como alguém que sempre está acompanhando o grupo com entusiasmo e respeito, e por vezes participando de ensaios importantes. Mesmo assim, não deixa de ser espinhosa a questão ‘Yoko Ono’ no documentário. Apontada desde sempre como o pivô da separação, o cineasta faz questão de mostrá-la numa posição contrária aos boatos, fazendo justiça à sua figura. Contudo, a relação dela com os Beatles é estranha. Há um clima de estranhamento no ar e o entrosamento não é dos melhores. Yoko parece estar invisível entre eles. São raríssimos os momentos em que direcionam uma palavra a ela. Lennon já havia dito que eles a desprezavam e o documentário apenas coloca luz em cima disso. 

O primeiro episódio é bem melancólico, que é quando tudo está em desacordo, os ensaios não funcionam e, enfim, George Harrison sai da banda. Do segundo ao último, as coisas se arranjam. Em termos fílmicos, escolhe-se iniciar de maneira dramática, terminando com um grand finale, como a estrutura de um longa. A ideia de Peter era fazer do Rooftop Concert, que encerra o documentário, o momento catártico; sendo assim, tudo aquilo que o documentário constrói antes torna o icônico show no telhado brutalmente emocionante. No todo, há um valor documental muito grande nesta produção, que consegue colher, com maestria, a personalidade de todos os integrantes. Nem sempre os documentários conseguem pegar o que de melhor seus objetos têm para oferecer – mas aqui, não. Paul McCartney é, de fato, um líder. Percebe-se que sem ele as coisas não andariam. São hilários os momentos entre John Lennon e Paul M., eles têm um entrosamento muito bom que, mesmo não querendo, dá liga para o humor do filme. 

Nota-se que se trabalhou com muito carinho na construção de um retrato afetivo dos Beatles, sendo mesmo inquestionável que Peter Jackson alivia o peso da separação numa produção justa e sincera. Parece que tudo está lá, e basta olhar com atenção para ver o que há nas entrelinhas. O cineasta alivia mas não omite, e a qualquer um é possível ver o que está acontecendo entre o grupo, da harmonia aos desentendimentos. Tão aderente o poder da película que, ao terminar e se passarem as horas, fica uma sensação de saudade, tamanha é a intimidade que é forjada entre nós e eles. Verdadeiro, conciliador e emotivo, The Beatles: Get Back não é só uma aula de como se montar uma peça deste gênero, mas um documentário do qual todo fã gostaria de assistir sobre a sua banda favorita – e acima de tudo um presentão para quem esperava ansioso para vê-los novamente em imagens inéditas e originais. 

The Beatles: Get Back (EUA, Reino Unido, Nova Zelândia, 2021)
Direção: Peter Jackson
Roteiro: Peter Jackson
Elenco: Paul McCartney, John Lennon, George Harrison, Ringo Starr, Billy Preston, Yoko Ono, Mal Evans, Michael Lindsay-Hogg, Heather McCartney, Geoff Emerick, George Martin
Duração: 468 min. (três episódios)

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