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Crítica | The Boys – 3X06: Herogasm

Uma orgia narrativa.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios e, aqui, de todos os quadrinhos.

Vamos cortar essa parte de você como se fosse um câncer. E então, bem, meu garoto, você vai poder ser quem você sempre foi destinado a ser. Puro. Limpo. Como mármore.
– Homelander do Espelho

Ora, ora, quem diria! Sam Raimi, em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, brilhantemente jogou o hype dos espectadores contra eles mesmos ao transformar os Illuminatis em uma espécie de sátira à exasperação dos fãs por ver aquilo que eles acham que querem ver e reclamam quando não veem, e, no mesmo ano, Eric Kripke faz exatamente o mesmo em The Boys com Herogasm, de longe o mais esperado episódio de toda a série por prometer mundos e fundos de sexo pervertido entre super-heróis e entregar somente um “surubinha” consideravelmente discreta que é apenas o pano de fundo para abordagens muito mais relevantes. Afinal, a melhor característica da série baseada nos quadrinhos de Garth Ennis é fazer comentários ácidos sobre o mundo ao nosso redor e reduzir o tão esperado e completamente doentio arco homônimo das HQs em uma festinha que apenas serve de palco para um massacre seguido de uma pancadaria, foi uma jogada brilhante na categoria de rasteiras bem dadas ao fandom cada vez mais mimado que vem se criando por aí.

O episódio representa, para todos os efeitos narrativos, a convergência dos núcleos, algo que, confesso, aconteceu mais cedo do que eu esperava – mesmo considerando que só faltam dois episódios -, mas que, ao mesmo tempo, funcionou muito bem, começando pela efetiva separação dos Rapazes, com Billy e Hughie firmes em sua intenção de usar Soldier Boy, custe o que custar, como arma contra Homelander; MM e Starlight tentando evitar um desastre e Francês e Kimiko lidando com suas terríveis naturezas. E tudo isso enquanto Profundo continua seu projeto de resgate de sua imagem – o vídeo inicial parodiando o de Gal Gadot foi mais um bem dado tapa na cara das celebridades que fazem de tudo, por mais artificial que seja, para criar empatia com seu público -, Trem Bala se debate sobre os eventos do episódio anterior, desesperando-se com a inação da Vought, surpreendendo-se com as palavras duras, mas verdadeiras de Ashley, e inicialmente recusando-se a enxergar sua própria hipocrisia e, claro, Homelander lida com sua espiral psicótica que só foi amplificada por sua tomada de poder na empresa, algo prenunciado pelo sábio Stan Edgar.

Se eu só tivesse espaço para destacar uma sequência no episódio, ela não teria relação alguma com a supersuruba que, evidentemente, só está lá como enfeite, mas sim a cena em que Homelander conversa com ele mesmo ao espelho. Temos, aqui, um magnífico exemplo de alguns poucos minutos que encapsulam perfeitamente um personagem. Vemos um homem dividido entre seu desejo doentio de ser amado e sua capacidade física de se tornar um ditador absoluto para muito além da Vought. Vemos um psicopata matutando sobre seu futuro, sobre seus “dramas”, mas, ao mesmo tempo, é perfeitamente possível vislumbrá-lo como uma panela de pressão próxima de explodir. E isso tudo, claro, com duas intensas e irretocáveis atuações de Antony Starr cada vez mais inspirado, com a direção de atores de Nelson Cragg sobressaindo-se novamente, e um trabalho de montagem quase assustador de tão preciso e assustador.

E mesmo com tudo o que podemos falar sobre o que – ou quem – Homelander representa, com Donald Trump, claro, sendo a correlação mais imediata e óbvia, The Boys vai além, muito além. Afinal, um dos conceitos repetidos ao longo do episódio, mas também visto nos anteriores, é o quanto Homelander é um sucessor de Soldier Boy, mas não apenas o sucessor na categoria de “maior herói da Terra” e sim em tudo o que ambos representam. Com isso, o que Kripke parece querer passar de verdade é que Homelander é, apenas, o problema mais atual de um mundo já há muito tempo doente ou que, mais deprimente ainda, que sempre esteve doente. Soldier Boy foi o que Homelander é e, ao se seguir o raciocínio da série que, infelizmente, imita a vida, um dia haverá outro super nesse universo que será o que Homelander é em uma sucessão interminável de erros sendo cometidos em cima de erros.

E qual é a solução? Ah, muito simples: soltar outro psicopata que não tem também o menor apreço por vidas para eliminar o psicopata-mor usando como arma um terceiro psicopata recém-despertado. Billy Butcher pode em tese ser o herói da história, mas ele só pode encarado dessa forma em comparação aos personagens que gravitam ao seu redor, sendo que a boa e velha corrupção pelo poder parece tê-lo infectado igualmente, como infectou também Hughie, incapaz de se controlar diante da tentação de ele próprio ser instrumento de destruição e, mesquinhamente, poder afirmar para sua namorada que ele se sente “oprimido” por ela ser mais forte do que ele (afinal, macho que é macho não pode ser mais fraco metafórica ou literalmente que sua companheira…).

Falando em psicopatas, e Francês e Kimiko? O primeiro tem seu passado que o condena e, mesmo fazendo de tudo para se redimir, a grande verdade é que ele não consegue sair do ciclo vicioso de morte e destruição que o persegue. Talvez ele sequer saiba como fazer isso. Kimiko que, por sua vez, culpava o Composto V por todas as suas agruras, percebe, depois de liquidar os capangas de Nina, que seu desejo de se convencer de que é intrinsecamente boa não parece tão simples assim. Claro, ela pelo menos percebe as monstruosidades que faz pelo que elas são e sente profundo remorso, o que já a afasta de seu chefe e do arquiinimigo de seu chefe, mas isso não a isenta de responsabilidade, algo que ela também assume, vale dizer. Será muito interessante se ela continuar sem poderes por mais algum tempo para enfrentar esse seu trauma de maneira mais completa e crua, ainda que eu desconfie que o que vem acontecendo com ela seja apenas temporário.

O grande momento climático do episódio, depois das hilárias sequências que colocam o pobre do MM sendo o alvo inadvertido das perversões da supersuruba, e que começa com a cena em que Soldier Boy mais uma vez perde o controle de seu estranho poder e mata seus alvos e basicamente todo mundo ao redor, é outra demonstração do quanto a série sabe ser “super”, mas sem depender de seus notórios exageros. O embate que se segue pode talvez ser considerado por muitos como a “nerfação” dos poderes de Homelander e do próprio Soldier Boy, mas, narrativamente, isso é essencial. Se a cada soco de Homelander o mero deslocamento de ar destruísse uma área equivalente a um estádio de futebol, não haveria série e sim, apenas, um vazio e cansativo espetáculo de CGI (provavelmente ruim). Dessa forma, essa relativização providencial de poderes é da natureza de obras assim, especialmente porque temos que considerar que Homelander foi atacado por três supers, e não apenas um. Além disso, claro, acompanhar como o loiro de bochechas de Don Corleone reagirá a essa derrota e do descortinamento do que é, em essência, um complô para eliminá-lo, tem enorme potencial destrutivo. Afinal, se ele antes já estava próximo de, como ele disse, derrubar a Casa Branca, não sei o que mais pode funcionar como a gota d’água para algo assim efetivamente acontecer. Só se a Starlight resolver colocar a boca no trombone nas redes sociais… ops…

Herogasm parece ser o clímax da temporada, mas, por outro lado, tenho certeza de que ele ainda está por vir. De toda forma, o episódio tão “hypeado” por aí – e pelo próprio serviço de streaming que o abriga – pode até não ter entregue aquilo que parecia prometer entregar, mas, ao não fazer o que era esperado, porque fazer o esperado é, francamente, pouco inspirado, ele soube equilibrar suas linhas narrativas, fazendo-as convergir e criar um um ponto sem volta que parece precipitar o desastre. Como já disse antes, fica até difícil imaginar como a série continuará para além desta temporada, mas não há razão alguma para duvidar da capacidade de Kripke de subverter e também perverter expectativas.

The Boys – 3X06: Supersuruba (The Boys – 3X06: Herogasm – EUA, 24 de junho de 2022)
Showrunner: Eric Kripke
Direção: Nelson Cragg
Roteiro: Jessica Chou
Elenco: Karl Urban, Jack Quaid, Laz Alonso, Tomer Capon, Karen Fukuhara, Antony Starr, Erin Moriarty, Dominique McElligott, Jessie Usher, Chace Crawford, Nathan Mitchell, Colby Minifie, Claudia Doumit, Jensen Ackles, Laila Robins, Cameron Crovetti, Katy Breier, Miles Gaston Villanueva, Katia Winter, Nick Wechsler
Duração: 61 min.

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