Home FilmesCríticas Crítica | The Boys in the Band (Os Rapazes da Banda, 2020)

Crítica | The Boys in the Band (Os Rapazes da Banda, 2020)

por Luiz Santiago
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Acidez com um fundo de esperança“. Este seria o principal termo com o qual poderíamos definir Os Rapazes da Banda. Produzida e distribuída pela Netflix, essa versão de 2020 para a histórica peça de Mart Crowley (que coescreve o roteiro do longa, juntamente com Ned Martel) mantém a essência do original, procura manter-se próxima da linha adotada por William Friedkin no clássico de 1970, mas traz uma boa quantidade de novidades, tanto nos diálogos quanto na apresentação de cenas e principalmente na maneira como Joe Mantello dirige os atores e finaliza o projeto.

Um grupo de amigos reúne-se no apartamento de Michael (Jim Parsons) para comemorar o aniversário de Harold (Zachary Quinto). Por se tratar de um grupo de amigos bem próximos e todos com muita liberdade e pouca preocupação com qualquer tipo de ofensa que possa fazer ao outro (o que não é bom), a festa começa como de praxe, mas se desenvolve como um verdadeiro purgatório, repleta de duras verdades, pura grosseria, falas racistas, homofóbicas, agressão física e toda uma intensa trajetória que parece uma sessão intensa de terapia. Não é o tipo de filme leve sobre um grupo de indivíduos gays reunidos para festejar, mas é aquele tipo de obra que faz um recorte para arquétipos de homens cis, cada um com sua vida pessoal, seus incômodos e preconceitos, sua expressão de gênero, seus segredos e vontades. E boa parte desses sentimentos vêm à tona ao longo dessa parcialmente tóxica reunião, que nessa versão, tem muito mais luz e leveza que o filme de 1970.

O cenário é um dos pontos de mudança aqui, e o elenco — que é o mesmo do revival da peça, ocorrido em 2018 — está claramente muito à vontade nesse ambiente, com a direção de Mantello encaminhando-se mais para o estático teatral, no que é acompanhada, pouco a pouco, pela montagem. Essa menor intensidade sequencial e até simplicidade na decupagem dos planos faz com que o espectador dependa mais da grandeza das performances, dos olhares, dos gestos e consequências desta ou daquela fala de um personagem. Muito rapidamente o filme se mostra intimista, ao mesmo tempo que indica problemas em diversos núcleos. E claro, quando todos se encontram, não demora muito para esses problemas e personalidades colidirem, sendo Alan (Brian Hutchison) uma espécie de intruso catalisador.

Mas a maior diferença de abordagem aqui, fora os adendos que problematizam e repreendem falas e ações que tornaram o filme original datado em alguns aspectos (mais sobre isso adiante), é a maneira como os atores construíram cada personagem. Há, no geral, um tom de leveza, um número maior de risos e uma compreensão mais amigável — se é que podemos definir assim — entre cada um desses homens, se compararmos aos do longa original… e isso faz toda a diferença na forma como a mensagem chega ao público. Em uma iluminação mais acalentadora, trilha sonora mais comedida e retomadas fraternas aqui e ali  para não manter a dura e afiada seriedade em tudo, o elenco navega por uma espécie de morde-e-assopra que às vezes pode ser exaustivo; e se formos usar um critério comparativo, é certamente inferior às sublimes performances do primeiro filme, embora a abordagem de Zachary Quinto para Harold aqui seja uma das mais interessantes em meio a tantas mudanças.

Algumas das críticas feitas ao original acenavam para a falta de um peso compensatório em termos de discurso, de um pedido de desculpas, de um olhar desses personagens para os seus próprios preconceitos e a consequente problematização disso. Nesse aspecto, eu concordo: “O que torna um tipo de conteúdo problemático em um enredo é a forma e o contexto narrativo com que é trabalhado. Se não há uma auto-repreensão, um revés ou um condicional dramático para costurar esse “elemento criticável“, o conteúdo se torna problemático.“. Pois foi claramente consciente desse fator crítico que o texto dessa versão traz o revés para as falas racistas de Michael e Emory (Robin de Jesus) contra Bernard (Michael Benjamin Washington), assim como para outras atitudes dos personagens, tendo ainda o bônus de um “epílogo” inédito, declaradamente retirando a amargura mais forte do original e abrindo várias portas de esperança, compreensão, reatar de laços e mudanças.

Gostei dessa adição. Ela dialoga bem com o pensamento contemporâneo, com a abordagem dramatúrgica que o elenco traz e com a visão de transformação que o roteiro, no fim das contas, sugere. No original isso existe, mas é muito sutil, deixando uma imensa tristeza. Aqui, ficamos apenas com um gosto amargo, mas a câmera mostrando os novos caminhos ao final aquece lentamente o nosso coração — e aqui vale pensar também na dubiedade que o plano geral com Michael correndo pela rua pode representar: uma forma de expiar suas dores e sentir-se livre, ou uma forma de correr para a morte? Talvez a única ponta para a tragédia, a depender da leitura do espectador.

Os Rapazes da Banda traz de volta o período de início da libertação LGBT com um texto ancorado em preocupações e sentimentos de nossa Era, após essa liberdade já conquistada, embora não verdadeiramente garantida. Muitas linhas de discussão podem ser puxadas aqui, da homofobia internalizada ao body shaming, de questões de classe às questões puramente pessoais morais e filosóficas, caindo no medo da velhice, da solidão e da morte. É um filme que discute coisas que poucas pessoas, não importa qual orientação ou grupo pertençam, gostam de falar. Mas são coisas necessárias, especialmente para que o veneno da convivência no dia a dia, em relacionamentos, seja devidamente medido. Um tapa para acordar e um chamado para ser gentil e amar a si e àquele que está em volta.

Os Rapazes da Banda (The Boys in the Band) – EUA, 2020
Direção: Joe Mantello
Roteiro: Ned Martel, Mart Crowley
Elenco: Jim Parsons, Zachary Quinto, Matt Bomer, Andrew Rannells, Charlie Carver, Robin de Jesus, Brian Hutchison, Michael Benjamin Washington, Tuc Watkins, Brian Dole, Mark Thomas Young, Alpha Miknas, Paul Douglas Anderson, Marc Basil, Jack O’Connell
Duração: 121 min.

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