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Crítica | The Chair – 1ª Temporada

por Kevin Rick
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Obras em um ambiente de instituição acadêmica me fascinam. Sejam comédias como Dias Incríveis ou Legalmente Loira, sejam dramas como Sociedade dos Poetas Mortos, filmes/séries que retratam locais estudantis (e aqui não penso tanto em obras/narrativas adolescentes de highschool) conseguem (não todos, obviamente) ser um fantástico espelho de temas sociais que decidam abordar, por se tratarem de um microcosmo sociocultural que representa mudanças de pensamento, choques de gerações e temáticas particulares de seu período em um grupo de personagens em constante aprendizado. Fico ainda mais interessado quando o ponto de vista é mais focado no corpo docente, nos dando uma dimensão conceitual mais complexa com perspectivas de seres humanos que formaram sua base de conhecimento e entendimento social em diferentes décadas, ao mesmo tempo que precisam passar esse aprendizado para uma juventude em transformação e com novas ideias.

The Chair, a série criada por Amanda Peet e Annie Wyman, abraça por completo os pontos que citei anteriormente em uma legítima, realista e surpreendentemente leve história sobre conflitos intergeracionais, mudanças ideológicas e um retrato mordaz da dinâmica social melindrosa do século XXI, no departamento de Literatura da Universidade Pembroke. A trama acompanha a recém-eleita chefe do departamento Dra. Ji-Yoon (Sandra Oh, sempre dona da cena) enfrentando os desafios de tentar equilibrar os desejos de diferentes grupos, sejam professores, alunos, chefes, família ou até mesmo David Duchovny (?) – vejam para entender. O roteiro da obra é um constante turbilhão de situações intrincadas e controversas jogadas na direção de Ji-Yoon, nos fazendo lembrar de circunstâncias do nosso dia-a-dia, sejam pessoais ou repercussões midiáticas, como cultura de cancelamento, militância, feminismo, racismo, sexismo, velhice, conservadorismo, etc.

O ponto forte da série está justamente na abordagem de tantas situações, muitas delas com extrema sutileza em diálogos corriqueiros sobre fralda geriátrica (velhice) ou falas machistas e condescendentes em direção a uma mulher asiática assumindo as rédeas de um departamento acadêmico conservador (sexismo), no qual o tema central da série é basicamente um experimento universitário em dicotomias e relativizações da dinâmica social atual – pensando em países desenvolvidos e grupos sociais mais burgueses, claro. Por um lado, temos um professor chamado Bill (Jay Duplass) que tem um clipe fora de contexto destruindo sua carreira (cultura de cancelamento), e por outro a educadora Yaz Mckay (Nana Mensah) que não consegue sua efetivação como professora na universidade por ser uma mulher negra (sexismo e racismo). Logo, The Chair está sempre caminhando uma linha tênue entre a necessidade do progresso e evolução social que temos desbravado, ao mesmo tempo que toca nos infelizes exageros oriundos de uma geração que consegue ser cheia de ódio cego na sua falta de entender o contexto ou abrir espaço para defesa do acusado.

A série lida muito bem com essas problemáticas a partir de autoridade e (ir)responsabilidade, no qual vemos uma grande inversão de papeis parentais e educacionais ao longo da primeira temporada. Os professores estão sempre à mercê das decisões dos alunos, assim como a protagonista parece estar sempre em uma posição de submissão a sua filha impertinente. Os adultos são velhos que não conseguem mudar sua metodologia para dialogar com uma nova geração, são alcoólatras autodestrutivos, xingam, fazem besteira e se encontram em problemas, enquanto os alunos majoritariamente rígidos têm uma constante postura progressista e libertária, ainda que tóxica em vários momentos. Dessa forma, o corpo estudantil (a juventude) são tanto vilões, como no retrato da péssima cultura de cancelamento na vida do viúvo e carinhoso Bill, também vista na falta de contexto na acusação de Ji-Yoon ter ameaçado e coagido uma estudante, quanto heróis, como no elegante arco de Joan (Holland Taylor, divertidíssima), uma professora que sofreu injustiças nos seus mais de 32 anos de profissão acadêmica por ser mulher ou então da já citada Yaz que merece sua efetivação.

É basicamente uma narrativa que coloca o debate e o progresso de uma geração que anseia por mudança visto em seus lados positivos e negativos da perspectiva de um corpo docente problemático e carismático que precisa navegar em tantas diferenças de pensamento (especialmente os mais velhos). O fato de grande parte do elenco receber seus mini-arcos pintam um belo cenário mais diversificado e cotidiano para o ambiente de trabalho, ainda que, claro, Sandra Oh ganhe os merecidos holofotes. Particularmente, prefiro quando a série foca em conflitos da idade do trio de professores mais velhos, colocando em xeque seus problemas pessoais para atualizar metodologias, encararem aposentadorias e os vislumbres de uma decadência intelectual, com o papel de docentes mais jovens que querem uma oportunidade e veem nos idosos uma teimosia conservadora que atrapalha a educação. É o proverbial de que toda moeda tem dois lados, e a personagem de Sandra Oh é a que mais tenta entender isso como chefe, sendo, ironicamente, a que mais sofre por não “escolher um lado” – como Yaz sempre coloca. Ela se mantém com os alunos ora corretamente progressistas, ora  exagerados? Ela aceita as ordens de seu chefe interesseiro para manter sua posição de mulher em um local de chefia ou faz o que bem entender? Ji-Yoon está sempre na linha tênue temática que The Chair gosta de abordar: perspectivas e contexto; algo necessário nas dinâmicas sociais atuais.

Acredito que The Chair tenha alguns probleminhas de aprofundamento em seus temas por tentar abordar tantos, problemática esta mais evidenciada na falta de espaço para dinâmicas estudantis, e também em como alguns conflitos, principalmente o de racismo para com Yaz, acabam se resolvendo superficialmente. Além disso, notei uma dificuldade em delineamento de tom na obra, que não é devidamente uma dramédia já que a dramaturgia da série é mais satirizada do que realmente algo mais emocional, mas também não consegue se firmar como uma comédia descompromissada por seus temas complicados – por causa disso, muitos piadas não se acentuam muito bem. Ainda assim, vejo mais como problemas de uma temporada que corajosamente quer tocar em vários assuntos e ainda está encontrando sua estrutura, do que necessariamente no cerne da proposta, esta sim muito bem alicerçada.

No mais, a nova série da comandante Sandra Oh se mostra uma pequena joia, que se ainda não é totalmente lapidada, continua sendo brilhante o bastante para chamar atenção. Mesmo que superficial em alguns instantes, The Chair é um inteligente e realista estudo social de choques de gerações, as consequências positivas e negativas do progresso de uma juventude intensa e os questionamentos em torno da autoridade de uma dinâmica social cada vez mais borrada. Entre o maravilhoso pano de fundo universitário, os personagens carismáticos e as temáticas complexas, a Netflix encontrou mais uma curiosa obra para seu catálogo.

The Chair – 1ª Temporada (Idem – EUA, 20 de agosto de 2021)
Criação e showrunners: Amanda Peet, Annie Julia Wyman
Direção: Daniel Gray Longino
Roteiro: Amanda Peet, Annie Julia Wyman, Richard E. Robbins, Jennifer Kim, Andrea Troyer
Elenco: Sandra Oh, Jay Duplass, Bob Balaban, Nana Mensah, Everly Carganilla, David Morse, Holland Taylor, Ji Lee, Ron Crawford, David Duchovny, Ella Rubin, Mallory Low
Duração: 180 min. (06 episódios)

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