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Crítica | The Death & Life of John F. Donovan

Quando o sucesso antecede a queda.

por Fernando JG
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Xavier Dolan tem dois grandes momentos dentro da sua filmografia: um deles é o que diz respeito ao seu melhor texto, o inigualável Mommy; num outro lado, na sua mais recente obra, Matthias & Maxime, o cineasta canadense beira ao seu ápice técnico com uma montagem fílmica que dispensa comentários, além de um texto doloroso sobre a ideia de um amor platônico. The Death and Life of John F. Donovan não ocupa nenhum lugar de excelência, uma vez que o filme tem problemas pontuais, mas perceptíveis, de roteiro. Aqui, ele não desliza tanto em técnica – o que me agrada enormemente pelo fato de que a estrutura do longa não é nada linear e muito bem feita -, o seu erro está na ordem textual. 

É sempre um risco trabalhar com argumentos delicados, que mexem com susceptibilidades, visto que as chances de queda são enormes. É necessário, ao propor um roteiro que toca em determinadas feridas, apostar alto numa organização de texto que dê conta da proposta – e esse roteiro necessita obrigatoriamente estar muito bem amparado por uma direção firme, capaz de conduzir com mão de ferro a ambição do filme. Não sei se é o caso de The Death and Life, já que a película oscila demais, levando a obra para uma instabilidade intensa entre episódios tocantes, como os instantes finais do último ato, e episódios ruins, como o desenrolar dramático no todo. 

O arco da trama gira em torno de um período da vida de John F. Donovan (Kit Harington) um ator de cinema que está em plena ascensão em sua carreira. No entanto, as coisas começam a dar errado quando Rupert Turner (Jacob Tremblay), um ‘little boy’ de apenas 11 anos, obcecado por Donovan, lhe envia uma carta e ele responde de volta. Trocam cartas amistosas ao longo de 5 anos, mas a imprensa descobre essa relação e o acusa de pedofilia, levando-o à queda.

É um roteiro complicado de trabalhar pela própria densidade temática, mas Dolan tem em mãos um elenco impecável para tentar segurar a sua proposta: Natalie Portman, Jacob Tremblay, Kit Harington, Ben Schnetzer, Susan Sarandon e outras estrelas notáveis. Gosto da maneira em que a estrutura fílmica dá corpo à história. O longa inicia-se com a morte, afinal, o título já entrega algo, “morte e vida”, isto é, primeiro a morte, depois a vida. O cineasta começa pelo fim, in media res, para retornar e contar o que houve com Donovan. A principal questão que conduz o curso dramático nos instantes seguintes é: “por que Donovan se matou?”. Não sem um elogio merece passar também o aspecto mnemônico da obra, que se desenrola inteirinha a partir de um relato, que é o relato de Rupert já adulto, contando à uma jornalista o que de fato aconteceu durante aqueles anos em que trocara cartas com o ator de cinema. É, com isso, da perspectiva da criança, agora crescida, que todo o argumento se vale; e é ela quem o absolve da acusação. 

No entanto, existe uma superficialidade insuportável dentro desse texto. É problemático que as histórias sejam tão mal desenvolvidas, não sabemos quando as coisas começam, como se iniciam os contatos, o que se tem de material nessas cartas, quem, de fato, é Donovan, etc. Claro, o tempo inteiro o cineasta demonstra que é tudo um grande mal entendido e que a queda de Donovan é fruto de uma mídia perversa e homofóbica; contudo, apenas sinalizar não basta para que a proposta fílmica seja concluída com sucesso. Pelo próprio curso dramático, percebe-se que faltam elementos descritivos capazes de intensificar e explicar melhor a situação, trazendo corporeidade ao enredo. Além disso, o narrador não agrada com seu excesso de frivolidade. O filme é uma espécie de tragédia, mas não comove jamais. 

Este é um típico coming of age, mas de feição trágica. Estão lá os sempre recorrentes problemas com a mãe, conflitos familiares de todos os lados, busca por liberdade e emancipação, encontros entre sujeitos solitários, problemas quanto ao crescimento, conflitos amorosos, mas, infelizmente, Dolan acaba pecando em pontos fundamentais e parece que o cineasta simplesmente esquece de explicar o desenrolar da principal ação de seu filme, que é a polêmica. Não é a respeito disso que se trata The Death and Life? Então por qual razão não temos mais respostas além da informação das cartas trocadas? Falta profundidade não apenas no roteiro, mas também psicológica. As cenas finais são impecáveis, sobretudo a leitura da última carta, mas um filme não pode se valer apenas de um episódio emocionante como legitimador de toda uma obra. Precisava de mais em todos os atos. 

Devo pontuar, em contraposição à crítica do roteiro, que a dimensão estética da obra se mantém em bom nível. Como um filme pop bem à moda de Dolan, o cineasta concentra jogos de câmera audaciosos, luzes neon e uma trilha sonora contemporânea bem boa. Casando com uma imagem bonita, as atuações de Natalie Portman e Jacob Tremblay fazem valer a assistida. Jacob T. demonstra talento num monólogo forte e cheio de raiva direcionado à sua mãe – ainda que eu ache um texto adulto demais para uma fala infantil, não pela capacidade do ator, mas pelo aspecto da verossimilhança. 

The Death and Life é uma reunião de tudo o que Dolan já havia feito em sua carreira, condensando em um roteiro arriscado, ambicioso e incompleto as suas ideias mais autorais. Sem dúvida, esta é uma direção muito segura de si e nota-se a confiança que tem ao conduzir cada take, mas sem um desenrolar pleno das ações, sobretudo da ação trágica que caracteriza o filme, não há direção que se sustente, por mais firme que seja, mesmo gerando debates de ordem moral. Talvez o cineasta saiba que tenha colocado enchimentos demais em seu argumento na intenção de fazer uma grande obra, e é visível a sua tentativa em fazer um filme que fosse canônico dentro de sua filmografia, não é à toa que ele investe num roteiro deste porte; no entanto, Xavier Dolan esquece-se de focar no que realmente daria força ao seu longa-metragem, sobretudo força dramática, que é o que lhe falta. É, enfim, no filme seguinte, em Matthias & Maxime, como se soubesse das falhas cometidas anteriormente, que Dolan entrega uma peça de roteiro absolutamente completa e emocionante, retificando a fraqueza e a solubilidade de The Death and Life, um de seus menores filmes, ainda que com o melhor elenco até então.

The Death & Life of John F. Donovan (Canadá, Reino Unido, 2018)
Direção: Xavier Dolan
Roteiro: Xavier Dolan, Jacob Tierney
Elenco: Kit Harington, Natalie Portman, Susan Sarandon, Kathy Bates, Ben Schnetzer, Jacob Tremblay, Thandie Newton, Amara Karan, Chris Zylka, Jared Keeso, Emily Hampshire, Michael Gambon
Duração: 127 min. 

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