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Crítica | The End of the F***ing World – 1ª Temporada

por Gabriel Carvalho
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“Eu sou James. Tenho 17 anos. E tenho certeza absoluta de que sou um psicopata.”

As séries de TV britânicas têm um charme único. Embora tenha sido exibida originalmente no Channel 4The End of the F***ing World veio para o resto do mundo pela Netflix, ganhando uma considerável repercussão mais que merecida. Isso se dá pois a história, extremamente surreal, nos conquista desde o seu início, desenvolvendo-se sem perder tempo algum. O próprio trailer da produção já nos oferece um ambiente acolhedor, devido seus personagens, suas histórias e pensamentos desajustados, algo que não muito dificilmente encontra uma relação íntima com nós. The End of the F***ing World representa o jovem desnorteado que não consegue enxergar um porto seguro, nem em si mesmo. Representa o jovem que quer encontrar uma justificativa para ser quem ele é, que assume ser antissocial, esquisito ou até mesmo psicopata para não ter que reavaliar seus próprios comportamentos, que, mais do que afetam as outras pessoas, afetam a si mesmos. Comportamentos que encontram paralelo em respostas muito mais complexas que uma definição de caráter simplista. Porque é fácil dizer que é o fim do mundo. Difícil mesmo é encará-lo todos os dias, em uma constante auto flagelação de sua própria natureza destrutiva (ainda mais para a cabeça fragilizada de jovens) sem saber quando tudo finalmente terminará de uma vez.

Ambos, Alyssa (Jessica Barden) e James (Alex Lawther), ilustrações muito bem feitas de uma juventude instável, são levados para o audiovisual assombrosamente pelos seus intérpretes. Esse é o casal que surgirá do nada, da espontaneidade pura, e uma hora tornará-se o tudo que resta um do outro. Com uma pitada muito bem calculada de iniquidade, o público é conduzido por essa “minissérie” de 8 episódios com 25 minutos cada, criada por Jonathan Entwistle. The End of the F***ing World é curta, mas sabe aproveitar todos os momentos entre os protagonistas, apresentando-os, no primeiro episódio, de formas espetaculares. Enquanto em um primeiro momento os dois não tem química nenhuma um com outro, a relação é construída e intensificada pela sua própria imensidão disfuncional. A beira do precipício, dois jovens completamente estragados pelo presente enxergam o espelho de suas próprias dores ao olhar um para o outro. Um olhar que fica mais visível paulatinamente, mas que torna-se enfim duramente verdadeiro e lúcido. Nos arcos individuais, a personalidade psicopata de James é gradualmente desconstruída até chegar na sua destruição completa e Alex Lawther é definitivamente uma escolha perfeita para isso, vide seu trabalho magnífico em Black Mirror.

Das histórias que cercam os passados da dupla, temos problemáticas realmente confusas, mas que estão longe de serem as coisas mais tenebrosas a serem imaginadas. E não tinham o porquê serem. A mãe de James morreu, é verdade. De uma forma horrível, muito horrível. Mas o garoto nunca esteve sozinho, sempre pode contar com seu pai (o qual, infelizmente, nunca conseguiu se comunicar adequadamente com seu filho). Mesmo assim, ele nunca deixou-o entrar inteiramente em sua vida. O incrível da série é fazer-nos entender o psicológico do garoto, compreender que na cabeça dele aquele mundo está todo acabado desde o dia que sua mãe se foi tragicamente. Depois daquele dia, seu coração não se abriria para mais ninguém no mundo. O único demérito dessa parte da narrativa é a maneira como os realizadores da série entregam um flashback completo de uma situação dolorosamente dramática, a qual estava sendo pincelada minuciosamente ao longo do seriado, de mão beijada, não explorando a temática por completo.

Em um outro plano, no lado de Alyssa, entendemos muito mais facilmente o que se passa com a garota. É desconfortável ver, logo nos primeiros minutos, a relação doentia e abusiva que o padrasto tem com a menina – muito triste também notar a submissão da mãe perante o marido. Instantaneamente torcemos para que a garota fuja de toda aquela podridão. Não mais tardar, assim ela faz, levando consigo James – inicialmente apenas preocupado em matar sua nova “namorada” e, portanto, aceitando passivamente todos os caminhos que ela trilha – e iniciando uma aventura pelo desconhecido. As coisas não poderiam dar mais errado e o acaso definitivamente não protegerá o psicopata e a garota enquanto eles andarem distraídos. Muito pelo contrário, a distração dará margem a consequências de equívocos, não restando mais nada aos dois senão assumirem de vez a via marginal da vida: verdadeiros Bonnie e Clyde, mesmo que nem um pouco envoltos da mesma estima que os protagonistas clássicos do filme de 1967.

Para entendermos mais desses personagens e de seus sentimentos, tanto os que eles já possuem pelo mundo quanto os que ambos vão nutrindo aos poucos um pelo outro, são utilizados para fins narrativos muitos voice-overs. O texto do roteiro é bom e funciona na maior parte do tempo, mas em certas situações é explicitado mais do que se deveria, soando deveras expositivo. Em outras, porém, os mesmos revelam fragmentos da narrativa essenciais para o espectador, seja pelo humor negro que envolve os personagens principais, seja pela realidade crua expressada por meros pensamentos aleatórios. Um dos momentos mais interessantes de ser percebido, e que a direção do episódio usa como tradução de uma aproximação muito forte entre o casal, é quando Alyssa finalmente chega, junto a James, em determinado lugar – que será omitido a fim de evitar spoilers. Um voice-over acontece, mas logo ele é cortado pelo mesmo pensamento sendo transmitido em voz alta para James. Isso significa algo muito forte para os dois personagens, uma conexão intrinsecamente estabelecida, em uma sintonia nunca antes vista anteriormente na série, dada as circunstâncias improváveis que unem surrealmente o casal.

O que dificulta um pouco um apreço integral dessa história de amor sem qualquer apego à tradicionalidade é a inclusão de uma dupla de policias, a qual investiga alguns acontecimentos sangrentos que acontecem durante a temporada. O trabalho de Gemma Whelan Wunmi Mosaku é eficaz, mas quando pensamos na intenção da série, no estudo de personagens que ela quer fazer, apenas não faz sentido que tenhamos tanto foco nas duas. Quebra o ritmo, embora não seja algo mal executado pelo roteiro, o qual se baseia nos quadrinhos de Charles S. Forsman. É apenas algo que não está sintonizado na mesma estação que a trama principal. Fora isso, The End of The F***ing World não poderia ter acertado mais na trilha sonora, a qual se baseia em canções da primeira metade do século passado, o que deixa toda a jornada mais vigorosa, com um aspecto de singularidade vívida, algo que encontra uma ligação poderosa com o que a própria série é factualmente. Pode não ser a melhor narrativa a explorar adolescentes traumatizados, mas certamente tem o quê de memorabilidade que a deixará guardada em algum cantinho da nossa mente, seja pelas músicas ou pela própria trajetória dos personagens. Que bom que a Netflix nos trouxe esse conto exoticamente charmoso!

The End of the F***ing World – 1ª Temporada – Reino Unido, 2017
Criado por: Jonathan Entwistle
Direção: Jonathan Entwistle, Lucy Tcherniak
Roteiro: Charlie Covell, Jonathan Entwistle (baseado nos quadrinhos de Charles S. Forsman)
Elenco: Jessica Barden, Alex Lawther, Steve Oram, Jayda Mitchell, Wunmi Mosaku, Gemma Whelan, Christine Bottomley, Navin Chowdhry, Jonathan Aris, Barry Ward
Duração: 8 episódios de 25 min.

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