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Crítica | The Following (A Série Completa)

por Leonardo Campos
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Edgar Allan Poe é um dos maiores expoentes da literatura mundial. O escritor pode não ser ressaltado durante todas as três temporadas de The Following, mas será o ponto de partida e o encerramento do personagem Joe Carrol, um dos principais catalisadores da onda de crimes que tomará os 45 capítulos exibidos entre 23 de janeiro de 2013 e 18 de maio de 2015. Como toda série de longos 15 episódios por temporada, divididos em 45 minutos cada, as reviravoltas às vezes acabam tornando algumas passagens enfadonhas, outros trechos desnecessários e repetitivos. Nada que nós, acompanhadores de produtos seriados televisivos, já não saibamos.

Mesmo diante de qualquer problema estrutural, a série consegue o seu diferencial diante de tantos produtos audiovisuais que focam na trama policial com investigação criminal. A catalogação atualmente é complexa, tamanha a quantidade de produções que se baseiam no mesmo conflito. Criada por Kevin Williamson, roteirista responsável pelos ótimos filmes da franquia Pânico e pelo interessante derivado Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado, além de um arsenal de séries e outros filmes de suspense e terror, The Following teve boa parte de seus episódios dirigidos por Marcos Siega, presença constante ao longo dos três anos de produção. O cineasta era tão apegado ao seriado que chegou a dizer que “ver alguém dirigir ou seu episódio é como ver alguém dormir com a sua namorada”.

Na primeira temporada somos apresentados ao ponto nevrálgico de tudo: Joe Carrol (James Purefoy), um professor de literatura renomado que, em algumas situações, já ajudou o FBI na resolução de crimes brutais, está preso por conta de alguns crimes inspirados nas principais obras de Edgar Allan Poe. Com seguidores de todas as partes possíveis, fãs que o visitavam na cadeia ou tiveram contato pela internet, o psicopata consegue estabelecer o seu rastro de sangue sem mover sequer uma “arma branca”. Antes de chegar ao atual ponto, preso num imenso presídio, o assassino admirador das obras do gótico Poe deixou todo o caminho de violência trilhado, bem como as estratégias para a sobrevivência do seu culto.

“Na morte, existe amor”. Este é apenas um dos diversos trechos das principais obras de Edgar Allan Poe que são citadas em cenas de crimes, nos diálogos dos protagonistas ou quando o psicopata deseja enviar algum recado para os seus seguidores, cifrados em meio às rimas poéticas e reviravoltas dos contos do escritor canônico. Para bater de frente com Carrol, temos o agente Ryan Hard (Kevin Bacon), home fragilizado por problemas diversos e envolvido com alcoolismo e outros problemas que degeneram a sua existência. Elo do antagonista, Hard precisa unir forças com o agente Mike Weston (Shaw Ashmore), relação firme até a terceira temporada, tendo em vista seguir os passos incertos de Joe Carrol, bem como compreender os mecanismos que engendram o culto.

Claire Mathews (Natalie Zea) é a esposa de Carrol, uma mulher que no passado, teve um caso com Hard, situação que ainda os mantém conectados. Quando Carrol decide contemplar o seu plano de vingança psicológica contra Claire, sequestrando o seu filho, o agente vai manter-se ainda mais próximo da personagem, seu interesse amoroso. Seguindo a linha Jack Bauer, Ryan Hard é o tipo de personagem que morreria para salvar o mundo, mesmo que os seus métodos de execução em cena criminal não sejam muito ortodoxos.

Da franquia que realizou com o mestre Wes Craven, Williamson vai resgatar o clima de “não confie em ninguém”, pois “o perigo está onde menos se imagina”. De acordo com o criador, o seu interesse era “criar um vilão com uma patologia emocional verdadeira”, isto é, “ele manipula os seus seguidores, pessoas de uma geração repleta de vazio emocional, sem habilidades para se relacionar socialmente”. Elegante e magnético, o antagonista vai dar início a um culto diabolicamente arquitetado, algo fácil em nosso atual contexto cultural, repleto de ícones frágeis e pessoas obcecadas pela fama. Williamson alega que “Joe dá a eles a humanidade, pois eles querem se sentir úteis”.

Entre os demais personagens utilizados para dar vazão ao plano mirabolante de Joe Carrol, temos o triângulo amoroso estabelecido por Emma (Valorie Curry), uma garota tão perspicaz que chega a matar a mãe e emparedá-la; Jacob (Nico Tortorella), jovem de classe alta que cresceu cheio de privilégios, mas encontra Joe em um chat e acaba envolvido na teia magnética do antagonista; Paul (Adam Canto), um sociopata com problemas identitários que no passado, foi abusado sexualmente pelos amigos do pai. Há ainda o tenebroso Roderick, um aluno de Carrol, frequentador das aulas de literatura na universidade, além de Charlie (Tom Lipinski), homem dispensado da guerra, com coração cheio de ódio e habilidade para matar, haja vista os crimes presenciados em combate.

Com esse mote e uma série de outros seguidores espalhados pelo país, a equipe de Ryan Hard tenta conter os problemas. Há uma fuga da prisão, com direito a novo lar para o antagonista, questão que culminará na segunda temporada, ano que trará um dos episódios mais assustadores e tensos da série, o ataque aos passageiros do metrô. Em entrevista, o supervisor de efeitos especiais Conrad V. Brink conta que quando questionou os realizadores sobre a quantidade de sangue para as filmagens dos episódios do segundo ano, recebeu a seguinte resposta: “queremos o suficiente para colar nossos tênis no chão”. E é com muito sangue e mortes abruptas que a série se estabelecerá.

Nesta temporada, os envolvidos na produção descobrem a possibilidade de retorno de Joe Carrol, homem que parece não ter morrido no final da temporada anterior, mas pior que isso, seguidores que declamam o seu amor através da criação de outros cultos que se ramificaram como rizomas pela sociedade. Todos em prol de Joe Carrol, mas cada um com a sua modalidade de abordagem.

Em certo ponto parece até uma metáfora para a sociedade contemporânea e suas religiões voltadas ao modelo central, Jesus Cristo, mas cada uma cultuando-a a sua maneira. Na série os pertencentes ao culto de Joe Carrol abordagem segmentos distintos, principalmente quando o psicopata deixa claro que não aprova um dos mais bem organizados clãs que veneram a sua imagem. É neste ponto que a série ganha novas perspectivas, amplia os perigos para os investigadores, quase se perde entre a metade e o final, mas recupera o fôlego dignamente logo depois.

Será nesta temporada que os realizadores demonstrarão como utilizaram o caráter global da internet como algo extremamente perigoso. Joe Carrol continua obcecado por Edgar Allan Poe, ama o seu filho, mesmo que tenha um coração extremamente frio para lidar com as pessoas, age com todo o seu egocentrismo e narcisismo, funcionando como uma versão yan ying ao lado do personagem de Kevin Bacon, numa dinâmica que os produtores chamaram de ação-reação. Ele ensina as pessoas a matar, desiste temporariamente de Poe e segue os ensinamentos da Bíblia, ironizando-as através de versões macabras dos sacrifícios presentes na maior obra literária da humanidade (livro sagrado para alguns).

Com seu ego inflado, Carrol precisará lidar com a mãe de família louca, Lily (Connie Nielsen), seguidora que cobrará o seu preço depois que o seu mentor declarar descrença em seu projeto. Além de ser temido por todo o lado, Joe tornou-se um ícone da cultura pop, com máscaras que reconstroem o seu rosto. No final do segundo ano, Ryan Hard deixa claro: “eu farei novas memórias de uma vida que não inclui você”. Será?

A terceira temporada começa com os personagens em busca de um lugar tranquilo em seus corações. Enquanto alguns buscam vingança, outros querem conforto. Todos estão com as suas mãos sujas de sangue, tal como Joe Carrol. Como aponta um personagem, “as circunstâncias é que tornam as pessoas boas ou más”. Neste caso, em prol da resolução dos conflitos e da captura do “monstro” Joe Carrol e dos seus seguidores alienados, ações politicamente incorretas e excesso de violência fizeram parte da cartilha dos policiais envolvidos nas cenas mais importantes das temporadas anteriores.

Mike continua no FBI e o seu desejo de vingança o persegue constantemente. Max, a sobrinha de Ryan Hard agora é uma agente também, presente nas cenas mais importantes da temporada. Mark, único sobrevivente da família disfuncional do ano anterior continua vivo e com seus distúrbios psicológicos ativados. Theo é o novo antagonista, um homem ciente dos poderes da cibercultura e com uma capacidade de matar de dar inveja aos psicopatas mascarados dos anos 1980. Ele não carrega o ego semelhante ao cínico Joe Carrol, mas traz consigo um efeito devastador por onde passa.

Para dar humanidade ao personagem de Kevin Bacon, temos a carismática Gwen (Zulheika Robinson), uma das boas novidades deste novo segmento. Como sabemos, no final da segunda temporada, o interesse amoro de Hard insiste que eles precisam estar distantes, pois não há um mundo possível que contemple a relação que eles alimentam. Sendo assim, Gwen representa o lado sentimental de Ryan Hard, homem que se tornou ainda mais amargo que os anos anteriores. Tudo bem que a sua sobrinha Max (Jessica Stroup) também o cativa e mantém o seu instinto de protecionismo, mas as constantes investidas contra uma horda aparentemente sem fim de psicopatas seguidores de cultos violentos o tornou um homem abatido. Nenhuma mulher deu certo em sua vida, talvez esta seja a chance do herói se levantar e reviver, principalmente por conta de uma revelação deflagrada no meio da última temporada.

O vilão desta temporada mostra que não está para brincadeira em dois momentos terrivelmente cruciais: ao eliminar a sua família e ao destroçar violentamente o seu mentor. Do meio para o final, Theo bifurca-se pela seara dos clichês menos empolgantes, isto é, a velha vingança, mas ainda assim, torna-se um personagem assustador, tamanha a sua ira diante dos propósitos de eliminação de seres humanos que atrapalham os seus planos.

No dramaticamente forte episódio em que Joe Carrol finalmente será eliminado por injeção letal, Ryan Hard não resiste e decide assistir ao momento de execução do egocêntrico psicopata. Antes de morrer, Carrol recita: “e o corvo disse, nunca mais”. Se Edgar Allan Poe tinha se distanciado da série desde o começo da segunda temporada, esta foi uma brilhante oportunidade de retomada. Com a morte do seu arqui-inimigo, o agente Hard sente que uma parte dele também se foi, tanto é que em alguns trechos posteriores, a onipresença do psicopata será sentida pelo policial em seus momentos de elucubrações.

No final do seu trajeto, Ryan Hard decide seguir um caminho longe das burocracias do FBI, numa espécie de agente fantasma que age por fora e afasta o mal dos que se aproximam da sua família. A série criada por Kevin Williamson não deixa de ter um paralelo imediato com os filmes da franquia Pânico, pois tal como a heroína Sidney Prescott, a trajetória de Ryan neste mundo é incerta, trágica e “amaldiçoada”.

O último episódio atou algumas pontas soltas ao longo das três temporadas, encerrou com a possibilidade de não ganhar continuidade, o que de fato se estabeleceu, haja vista o cancelamento, no entanto, mesmo diante do saldo positivo, a série não conseguiu amarrar outros pequenos detalhes do próprio episódio final, talvez na esperança de que houvesse continuidade. Não chega a incomodar, mas causa leve estranhamento.

Em suma, The Following foi uma série acima da média. Tensa, bem dirigida e montada com eficiência, além de um elenco bem entrosado. A todo instante, os acontecimentos dos episódios e as suas reviravoltas que fariam mal a qualquer pessoa com labirintite, pedem ao espectador a suspensão da crença e o apego aos esquemas de liberdade criativa, pois a quantidade de excessos chega a ser quase desfavorável.

Cenas labirínticas, câmera fluída em total movimento, cinegrafistas que parecem dançar com os personagens. Estas são algumas das características que compõem a narrativa, pacote que vem com os flashbacks e flashfowards constantes, uma trilha sonora repleta de batidas instigantes e design de produção cuidadoso. Mesmo com os problemas apresentados, The Following mais empolga que desanima. É uma série que nos envolve, promove a tensão por seus planos fechados, momentos que às vezes se revelam espaços onde os vilões nos aguardam para os surpreendentes ataques, além de uma montagem que consegue ser didática diante de tanta ação, nos livrando da “estética da tesourinha”, aquelas cenas de ação que não conseguimos visualizar praticamente nada.

Uma obra literária que pode ser interessante para pensar a série é o poema O Corvo, de Edgar Allan Poe, figura que está no começo e no fim do antagonista principal, Joe Carrol. Escrito e publicado em 1845, o poema é consagrado na história da literatura mundial por sua métrica exata, pela notável musicalidade e estilo, numa metáfora ultrarromântica que contempla temas como a inexorabilidade da morte, simbologia que representa o eterno estado de pesar da alma do protagonista literário que, na série, ganha a sua “versão”. Joe Carrol carrega consigo, além de contaminar os demais personagens centrais, algumas características da vanguarda ultrarromântica: a idealização do amor e da morte, a desilusão e o escapismo, o saudosismo, o egocentrismo (um dos principais), o masoquismo, o sofrimento, a morbidez, a negatividade, o cinismo e a autodegeneração, além da obsessão pela morte.

The Following – A Série Completa — EUA, 2013-2016
Criação: Kevin Williamson
Direção: Vários
Roteiro: Vários
Elenco:  Kevin Bacon, James Purefoy, Shawn Ashmore, Zuleikha Robinson, Jessica Stroup, Gregg Henry, Natalie Zea, Annie Parisse, Nico Tortorella, Adan Canto, Steven Monroe, Charlie Semine
Duração: 43 min (cada episódio).

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