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Crítica | The Handmaid’s Tale – 2X10: The Last Ceremony

por Luiz Santiago
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  • Há SPOILERS do episódio e da série. Leia aqui as críticas dos outros episódios.

Chegou um ponto em The Handmaid’s Tale, em que as opiniões que a gente tem sobre a condução de um drama e mesmo sobre o tratamento de determinadas questões de humanidade, são colocadas por terra a cada nova sequência de um episódio, inserindo a série em uma raríssima categoria de obras que conseguem fazer da TV um lugar inovador, em termos de roteiro, pagando, pelo caminho, o preço que isso sempre traz. Sim, porque depois do ranger de dentes de uma parte do público e da debandada precipitada no início da temporada, volta, no 10º episódio, a discussão sobre “violência gratuita contra a mulher” na série, e as linhas de pensamento sobre o quanto isso é necessário ou não.

Eu já discuti elementos relacionados a isso em Baggage Other Women, mas acho importante adicionar algumas perguntas e também olhar da maneira mais simples possível para o que foi esta “última cerimônia” que o título nos fala e ver o quanto isso é importante e faz sentido para o episódio. Pois bem. O olhar mais simples para isso reside em uma única palavra: coerência. Pensando em como a República de Gilead foi construída, nos seus valores, na forma como se tratam as mulheres nessa sociedade, na forma como os homens se colocam diante das mulheres + o drama básico e cotidiano envolvendo todo tipo de tragédias, formas de vingança, separação, tristezas e provações que qualquer pessoa passa em qualquer tempo e lugar, na ficção ou na realidade, pergunta-se: onde está a gratuidade no horrendo e infame estupro a June? E a Emily? Ou a todas as Aias daquele lugar, visto que este é o cerne dessa sociedade?

Alguns espectadores tendem a confundir preferências, medos, nojos e desprezos pessoais como critérios únicos para o que uma ficção deve ou não deve ser. Esta é a única explicação que eu consigo encontrar para as novas vozes de “gratuidade de violência” e “exploração emocional” de June que aqui se levantam. No escopo da 2ª Temporada, tudo isso faz parte do que nos foi apresentado aqui. Notem como o arco de encontro dela com a filha foi construído com cuidado e calma ao longo do caminho. A maneira como isso veio acontecer na série, partindo de um princípio horrendo — aquele tipo de “compensação” da canalhice e crime de alguns homens, que tentam diminuir/apagar sua agressão a uma mulher dando-lhe presentes e sendo subitamente [e por pouco tempo] carinhosos — foi uma forma bem pensada de escancarar mais um tipo de comportamento existente dentro e fora da ficção e, novamente, nada gratuito para a história.

A alegria e o sofrimento da sequência são plenamente justificados e belos, em sua dor. A questão que se levanta é: o que os Paladinos do Happy Ending esperavam que fosse acontecer aí, senão mais um espaço para de lágrimas e mais um motivo — por que não? — para esperança? Será que pensavam que começaria a tocar o Danzón Nº2, de Arturo Márquez, e Luke apareceria em vestes de guerrilheiro, e diria “oh, June, mulher formosa; oh Hannah, fruto meu; montai em meu cavalo branco e vamos cavalgando até o Canadá! Estamos livres! Alegria! Alegria! Vamos criar coelhos e plantar chicórias até o fim dos tempos!”.

O clamor por libertação e felicidade para June e para as mulheres desta série chegou a um ponto em que não se aproveitam mais a construção da história. O final dela, que é onde supostamente as coisas deveriam dar certo, já é exigido no meio do desenvolvimento. Se até no livro o final é dúbio, com pitadas de desesperança, o que imaginavam que a série seria? Agora, isso não significa que a gente não deva se incomodar como humanos ou sofrer com June e as outras mulheres de Gilead. Aqui, por exemplo, a “última cerimônia” carrega diferentes linhas e tons de padecer, assim como diferentes possibilidades para a série a partir dos próximos episódios, sendo cada uma dessas partes trabalhadas com uma precisão cinematográfica pelo diretor Jeremy Podeswa e talhadas com muito rigor pelo roteiro de Yahlin Chang, que cortou ao máximo os diálogos no decorrer dos blocos para que cenas específicas fossem mais carregadas de texto e que isso tivesse um significado muito maior do que em todo o restante do capítulo, vide as conversas amarguradas e estranhas entre Eden e Nick, a provocação de June a Fred e, principalmente, o encontro de June com Hannah.

Notem que as “cerimônias”, desta vez, foram desenvolvidas tanto no sentido eufemista de Gilead, referindo-se ao estupro dos Comandantes às Aias (e isso ocorre com June e Emily, duas “últimas cerimônias” com diferentes fins), quanto nos sentidos metafóricos ou alusivos dentro da perspectiva familiar e dentro da perspectiva cristã, como é de praxe na série, vide o último alarme falso do bebê, o “último” encontro de June com Hannah, o “último” encontro de June com Nick ou talvez um outro último, que pode ter implicações sociais em Gilead, mas ainda não quero desenvolver nada a respeito — esperarei pelo Finale para discorrer sobre possíveis ou já inseridas mudanças no tom do show.

Notem que há uma perfeita alteração de tratamento fotográfico entre a primeira para a última parte do episódio. A angulação sempre opressiva, como o olhar de Deus, de cima para baixo, e mergulhada nos tons típicos do cotidiano de Gilead (cinza, verde e azul), muda para uma decupagem mais ‘humana’, com a câmera constantemente em planos de conjunto, na altura dos atores, e com maior brilho na fotografia, explodindo em branco com June cercada pela neve e por uma floresta. E as ligações religiosas não escapam ao núcleo do texto de Yahlin Chang, assim como todas as suas implicações: “última cerimônia” = “última ceia”; caminho do Gólgota, para o final encontro do Filho (Jesus) com o Pai (Deus) = estrada entre no meio da neve, para o final encontro da Mãe (June) com a Filha (Hannah); promessa anterior de Jesus, de que voltaria = promessa anterior de June, de que fugiria…

A relação com a simbologia religiosa está encoberta de horrores gerados pelo extremismo dessa mesma religião (temática, aliás, frequente na série) e que chega, a meu ver, em seu melhor tratamento no show, até aqui. Resta saber se a “traição de Judas” está representada naquilo que acontece com Nick ou se isso está ligado a uma outra abordagem temática, que deve traçar o caminho para o fim da temporada. Uma certeza temos: as muitas “últimas cerimônias” aqui, foram como ritos de passagem bem escritos, bem dirigidos e interpretados de maneira soberba – até a atriz mirim Jordana Blake dá seu showzinho de atuação! Resta saber para o quê esse ritual está nos levando. Assim, nosso coração não aguenta…

The Handmaid’s Tale – 2X10: The Last Ceremony (20 de junho de 2018)
Direção: Jeremy Podeswa
Roteiro: Yahlin Chang
Elenco: Elisabeth Moss, Joseph Fiennes, Yvonne Strahovski, Madeline Brewer, Alexis Bledel, Amanda Brugel, Ann Dowd, Max Minghella, Ever Carradine, Stephen Kunken, Sydney Sweeney, Rohan Mead, Kristian Bruun, Nina Kiri, Bahia Watson
Duração: 55 min.

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