Neste desfecho de The Handmaid’s Tale, mais uma vez com Elisabeth Moss na direção e com roteiro de Bruce Miller (que escreveu os episódios de estreia da temporada), temos uma adequação da história que, embora não alcance o ápice dramático de momentos anteriores, sustenta a força de sua narrativa ao consolidar os temas que a tornaram uma obra singular. A distopia de Gilead, um regime teocrático que substitui os Estados Unidos em meio a crises de infertilidade e devastação ambiental, serve como pano de fundo para uma reflexão densa sobre autoritarismo, patriarcado e, em diferentes intensidades, sobre resistência. Este último capítulo opta por um caminho introspectivo e reflexivo, priorizando a continuidade da luta em vez de um encerramento explosivo, o que confere à narrativa uma coerência temática, ainda que desafie as expectativas de parte do público, que vai odiar a escolha da produção. Centrar a história na voz de June, narrando os eventos dias após a retomada de Chicago, pode dar a impressão de que “fomos enganados”, mas eu defendo que, para a proposta do roteiro e para não termos sobreposição de eventos explosivos, foi um bom encaminhamento final.
A trama se desenrola após os eventos impactantes de Execution, que marcaram um ponto de virada na série ao eliminar os Comandantes fundadores de Gilead e cravar a retomada de Boston. A decisão de evitar um novo clímax no episódio final, em favor de um ajuste narrativo, mostra uma abordagem ousada que prefere a consistência temática acima de resoluções grandiosas. O texto mantém a essência da série ao explorar as consequências de um regime fascista em crise, sem ceder à tentação de oferecer respostas explosivas ou apoteose em cima de apoteose. As atuações, lideradas por Elisabeth Moss, Yvonne Strahovski e um elenco de peso, continuam a ser um dos destaques da produção, com interpretações que transmitem a complexidade emocional de personagens sequelados por um mundo de violência institucionalizada (sem contar na decisão de Tia Lydia de ficar em Gilead, apesar de tudo…). A direção de Moss, em particular, equilibra momentos de introspecção com a tensão de um regime em declínio, criando uma atmosfera que, embora menos potente que o episódio anterior, faz sentido para a mensagem central da série.
Reforçando a futura busca de June por sua filha, o texto reforça um fio condutor que permeia a série desde o início, enquanto sublinha a resistência coletiva contra Gilead (curiosamente, isso serve como afastamento entre June e Luke, que agora são mais camaradas de luta do que marido e mulher). Mostra-se aí a realidade de revoluções políticas, que raramente culminam em vitórias definitivas, mas avançam em ciclos de luta e renovação. O texto evita simplismos, mostrando que a queda de um sistema não implica a extinção de suas ramificações. As crises sociais permanecem como um lembrete das consequências de negligências sistêmicas, enquanto o fundamentalismo cristão e o extremismo político que estruturam Gilead são apresentados como forças que, mesmo enfraquecidas, deixam cicatrizes duradouras e esporos que podem brotar a cada nova necessidade.
Embora a decisão de estruturar o episódio como uma exposição reflexiva, em vez de um desfecho catártico, possa dividir opiniões, ela inegavelmente se alinha à proposta de The Handmaid’s Tale de priorizar a narrativa como testemunho histórico, quase documental (está no título, inclusive!). O texto conecta os eventos utilizando a narração de June para tecer uma ponte entre o presente distópico e um futuro incerto, mas certamente deixando muita gente com a sensação terrível de que foi enganada. A ausência de um novo mega evento não anula a boa técnica do episódio, mas com certeza se choca com esperanças de que veremos um avanço e um enfrentamento ainda maior, com mais sacrifícios, mortes, dor e esperança como fruto de embates decisivos – perspectiva que, embora não seja a minha, eu entendo perfeitamente e acho, sim, válida.
Ao nos dar adeus, The Handmaid’s Tale deixa um legado que vai além do entretenimento, desafiando o público a confrontar as raízes do autoritarismo e a resiliência necessária para enfrentá-lo. Optando por um tom contemplativo, o episódio sugere que a história de June e de Gilead é apenas uma fração de uma sequência maior de lutas. Embora possa frustrar quem aguardava uma resolução mais exuberante, o Finale reafirma a relevância da obra como um convite à reflexão sobre os perigos dos fundamentalismos e a força de indivíduos que, mesmo diante do risco de vida, partem para a linha de frente. A narrativa, assim, não se encerra, mas se projeta, deixando no público a responsabilidade de imaginar os próximos passos de um mundo em constante reinvenção, assim como no mundo em que todos vivemos.
The Handmaid’s Tale – 6X10: The Handmaid’s Tale (27 de maio de 2025)
Direção: Elisabeth Moss
Roteiro: Bruce Miller
Elenco: Elisabeth Moss, Yvonne Strahovski, Madeline Brewer, Amanda Brugel, Ever Carradine, Ann Dowd, O-T Fagbenle, Sam Jaeger, Samira Wiley, Alexis Bledel, Nina Kiri, Bahia Watson, Cherry Jones, Kenzyn Hoffman, Zoey Stretch, Christopher Seivright, Briar Holtz, Madison Holtz, Harmeet Bhatti, Jordan Hutson
Duração: 57 min.