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Crítica | The Hollow Crown: Ricardo II

por Luiz Santiago
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A História está repleta de reis e rainhas que erraram e tiveram vidas políticas conturbadas. A própria obra de Shakespeare traz à luz diversas versões de vida, ascensão, traição e queda de reis ingleses que se encaixam nesse padrão de erros e suas sempre drásticas consequências. Para Shakespeare, o erro do “homem comum” era menos grave que o erro do “homem político”, este último, de qualquer categoria (incluindo a religiosa), algo que se reflete em absolutamente todos os seus dramas históricos.

Ricardo II foi rei durante 22 anos, e é considerado um dos mais controversos monarcas ingleses, seja por sua inaptidão política, seja pelos seus hábitos cotidianos, alguns deles verdadeiros tabus para a época. Parte das caraterísticas de personalidade e do reinado do soberano podem ser vistas nos diálogos de Ricardo II, uma das melhores visões de Shakespeare para a perda miserável e patética de um reino, a única peça do bardo a abordar diretamente a deposição de um monarca. É também lícito lembrar que Ricardo II é o início de uma tetralogia (a chamada Henriad Tetralogy) de tragédias palacianas, e é seguida por Henrique IV – Parte 1, Henrique IV – Parte 2 e Henrique V.

Com distribuição da BBC2, no ano de 2012, a 1ª Temporada da série The Hollow Crown trouxe exatamente essa tetralogia para as telas, numa leitura notável da obra de Shakespeare e com excelente produção.

Ricardo II, sendo a primeira peça, se torna uma espécie de introdução ao mundo dos Henriques, uma obra que tende, pelo menos no início, ser um contraste entre as boas e más atitudes de um rei (não nos esqueçamos que sua encenação foi feita em alguns momentos como uma incitação golpista na Inglaterra!), mas no final do ciclo dos Henriques mostra como é viciosa a atitude de um monarca empossado violentamente e como seus excessos e recusas podem lhe custar a coroa e até a vida.

A reflexão aqui não é a mesma feita em Ricardo III, ou até na última parte de Henrique VI, quando a morte e a desonra políticas vinham para o monarca através de um longo caminho de sangue que nem sempre era traçado por ele ou tinha seu apoio. As questões aqui estão mais próximas das tragédias palacianas como Titus ou mesmo da histórica Júlio César, quando o caminho fatal está posto desde o início do texto, seja através de acusações ou traições que levarão a um terrível desenlace, seja através de conspirações que encontrarão ecos nos súditos e desembocarão em morte. Embora um espírito tétrico paire em toda obra essencialmente palaciana de Shakespeare, a Henriad Tetralogy é campeã em apontar erros em cascata e as personalidades curiosas e odiáveis que lhe dão vida.

Rupert Goold e Ben Power fazem um bom trabalho ao filtrar certos elementos shakespearianos e dividir o filme em praticamente três partes (um caminho mais ou menos parecido com a divisão dos atos da peça): a apresentação de Ricardo II, seus erros e o levantamento das acusações que vão trazer a reviravolta na história; os eventos que apresentam a decadência de Ricardo II e os bastidores de sua ruína; e por fim, a humilhante deposição, os primeiros momentos de Henrique IV no trono e a morte de Ricardo II. A divisão funciona organicamente e recebe uma impactante diferença de fotografia de um ponto a outro, com predomínio cênico de duas cores muito simbólicas para o que vemos se desenrolar, duas cores que dentre outras coisas simbolizam estados diferentes de uma grave e definhadora doença, de algo em estado de apodrecimento: o amarelo e o verde. Em algumas sequências o cinza assume os quadros, mas as duas cores citadas anteriormente são as mais marcantes em todo o filme e definem dramaticamente muito bem a história contada.

O elenco é um verdadeiro show à parte, algo que é quase lugar-comum para se denominar atores britânicos interpretando Shakespeare. Ben Whishaw se destaca ainda nos primeiros minutos de projeção, dando vida a um Ricardo II que passa de uma delicadeza quase feminina para um angustiante estado de desespero de um rei que não conhecia o significado das palavras caridade e generosidade (a não ser em momentos que atingiam coisas que lhes eram de interesse pessoal).

Ricardo II é um dos dramas históricos mais ricos de Shakespeare ao lado de Ricardo III, dois momentos diferentes da história da Inglaterra banhados de sangue, traições e conspirações mas vividos por pessoas com motivações pessoais e atitudes políticas completamente diferentes.

The Hollow Crown: Richard II (UK, 2012)
Roteiro: Rupert Goold, Ben Power (baseado na peça de William Shakespeare)
Direção: Rupert Goold
Elenco: David Bradley, Richard Bremmer, Daniel Boyd, Peter De Jersey, Lindsay Duncan, Tom Goodman-Hill, Harry Hadden-Paton, Tom Hughes, Ferdinand Kingsley, Rory Kinnear, Isabella Laughland, Finbar Lynch, Rhodri Wyn Miles, David Morrissey, Lucian Msamati
Duração: 141 min.

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