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Crítica | The Last Kingdom – 4ª Temporada

Santo Uhtred, filho de Uhtred e pai de Uhtred...

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas. 

The Last Kingdom é uma série estruturada ao redor do sacrifício e da dor de um único personagem, Uhtred Ragnarson (Alexander Dreymon), um saxão sequestrado por daneses em sua infância que retorna à sua terra de origem para recuperar seu castelo de seu tio traidor. Vivendo entre dois mundos, ele basicamente sofre tudo o que os deuses das duas religiões sempre em tensão da série têm para jogar na frente dele como obstáculo. E, nos dois primeiros episódios da 4ª temporada, quando a fortaleza de Bamburgo, sua por direito, está prestes a cair em suas mãos, ele não só perde a oportunidade de ouro por um casamento de conveniências de roteiro – a chegada milagrosa de seu primo, há muito dado como morto, trazendo consigo um contingente de guerreiros -, como também perde seu grande amigo, e um dos melhores personagens da série, o padre Beocca (Ian Hart).

É, portanto, um começo bastante sombrio que faz o protagonista, sempre seguido de sua meia dúzia de fieis guerreiros e, agora, seu filho Uhtred, retornar com o rabo entre as pernas para o lugar de onde saiu. Mas, claro, tudo está do avesso, com o Rei Aethelred (Toby Regbo), do Reino da Mércia, tendo saído de lá para conquistar novas terras, abrindo o flanco para que os daneses comandados por Cnut (Magnus Bruun) e Brida, agora grávida (Emily Cox) saqueiem e dominem Mércia. Com o Rei Eduardo (Timothy Innes) se recusando a ajudar o país vizinho, sua irmã, a princesa Aethelflaed (Millie Brady) parte ao resgate de seus compatriotas praticamente sozinha. Esse é cenário que Uhtred encontra e é com essa situação caótica que ele precisa lidar.

Como sempre, além dos sacrifícios que o protagonista faz de bom grado (o autocontrole do personagem é admirável, pois só nessa temporada ele teve razão para degolar Eduardo umas 10 vezes), com sorriso no rosto e pelo bem maior, os roteiros o posicionam praticamente como o único ser pensante em meio a um monte de nobres que só sabem bater cabeça. Talvez a exceção seja Aethelflaed, mas, mesmo com o reposicionamento dela como Rainha de Mércia mais para a frente, a personagem ainda carrega o peso de uma caracterização muito ainda presa ao estereótipo da “dama em perigo”, na variação “dama inteligente em perigo” que só Uhtred, seu amante, pode salvar. Confesso que esse artifício que coloca Uhtred acima de todos os demais, sempre certo e sempre zen cansa um pouco e torna tudo muito telegrafado demais.

Estruturalmente, a temporada é dividida entre a ameaça inicial dos daneses que, em seguida, abre espaço para, talvez, a parte mais interessante do quarto ano, que lida com a política interna de Mércia, com a ausência de um herdeiro para ocupar o trono com o vácuo causado pela morte (ou assassinato, para não ficar no eufemismo) de Aethelred. São diversos episódios substancialmente sem ação no sentido clássico da palavra, o que significa que há menos espadas atravessando corpos, mas que trabalham muito bem toda a mecânica palaciana, com o Rei Eduardo, de um lado, querendo impor sua vontade e, portanto, apontar o seu peão no controle de Mércia com base intepretação obviamente errônea da vontade de seu falecido pai de unir a Inglaterra e Aethelflaed de outro, como a voz da razão. Apesar de sempre presente, claro, Uhtred, de certa maneira, fica no banco de reservas por um bom tempo durante esse lado mais político e bem cadenciado da temporada.

Inteligentemente, porém, os roteiros trabalham uma narrativa paralela, com Brida aprisionada e torturada pelos orgulhosos galeses comandados pelo Rei Hywel Dda (Steffan Rhodri) e, aos poucos, o danes Sigtryggr (Eysteinn Sigurðarson) e seu exército chegando para salvá-la. Confesso que não gosto também da conveniência de sua chegada, pois é mais outro personagem que, como o primo de Uhtred, havia sido dado como morto e aparece no momento e hora certas para virar o jogo. Teria sido bem mais interessante se ele tivesse sido trabalhado mais lentamente desde os primeiros segundos da temporada e não aparecido quase que totalmente do nada para resgatar Brida. Por outro lado, Sigtryggr é o tipo de personagem que logo percebemos que não é somente um louco furioso assassino de saxões. Há mais nuanças nele, de certa forma tornando-o o mais Uhtred de todos os personagens da série além do próprio Uhtred, claro. Em contraste, é Brida que é convertida na versão danesa e mortal do Taz, dos Looney Tunes, destruindo tudo ao seu redor em uma espiral de raiva incontida que é um belo show de atuação de Emily Cox.

O banho de loja que a série ganhou com a entrada do Netflix no circuito na temporada anterior continua firme e forte aqui, com uma boa variedade de cenários detalhados e de figurinos representativos das diversas forças diferentes que se chocam na temporada. O tamanho dos exércitos ainda sofre um pouco, porém, particularmente no contingente trazido pelo Rei Eduardo para Mércia que precisamos simplesmente acreditar que é grande o suficiente para dominar a cidade por um tempo, mesmo que só vejamos meia dúzia de soldados fardados. Claro que não tem banho de loja que resolva a completa falta de intimidade de Alexander Dreymon com um negocinho chamado “atuação”, o que inclui aquele absolutamente patético e afetadíssimo sotaque que parece mais exercício de fonoaudiologia e que me faz rir sempre, seguido de minha tentativa de imitá-lo em alto e bom som. E é particularmente curioso como a série continua funcionando apesar de seu ator principal ser péssimo, mas creio que isso se dá pelo quanto nos compadecemos pelo que ele sofre, com sua reação sendo basicamente dar o outro lado da face para baterem.

Igualmente, o banho de loja não resolve algo que afeta a série desde seu nascedouro: a passagem temporal. E não falo aqui de saltos temporais que, como na 3ª temporada, transformou Eduardo criança em Eduardo adulto (ou quase), pois esses são óbvios. Falo de coisas pequenas como o deslocamento de um castelo ao outro, por vezes instantâneo, por outras vezes lento, com Uhtred chegando correndo a pé antes ou juntamente de soldados montados a cavalo e assim por diante. Falta cuidado na montagem nesse quesito, fazendo parecer que os reinos são próximos uns dos outros e que uma viagem de dias não é mais do que um ligeiro passeio a cavalo.

Mesmo com seus problemas e mesmo mantendo a eterna e desavergonhada estrutura de fazer de Uhtred simultaneamente um mártir – um santo, mais corretamente dizendo – e a única pessoa com Q.I. de três dígitos (ok, ok, aceito que sua filha Stiorra, vivida de forma bem convincente por Ruby Hartley e Sigtryggr também chegam nesse patamar), The Last Kingdom continua sendo uma sólida série de pano de fundo histórico no turbulento período de formação da Inglaterra como nós a conhecemos. Agora é torcer para que a 5ª e última temporada – sem contar com o prometido filme ou filmes – encerre a jornada do sofrido protagonista de forma digna.

The Last Kingdom – 4ª Temporada (Reino Unido, 26 de abril de 2020)
Direção: Ed Bazalgette, Sarah O’Gorman, Andy Hay, David Moore
Roteiro: Martha Hillier, Charlotte Wolf, Jamie Crichton, Peter McKenna (baseado em romances de Bernard Cornwell)
Elenco: Alexander Dreymon, Emily Cox, Joseph Millson, Ian Hart, Eliza Butterworth, Mark Rowley, Cavan Clerkin, Arnas Fedaravičius, Jeppe Beck Laursen, Toby Regbo, Millie Brady, James Northcote, Adrian Bouchet, Ewan Mitchell, Timothy Innes, Magnus Bruun, Adrian Schiller, Jamie Blackley, Stefanie Martini, Finn Elliott, Ruby Hartley, Richard Dillane, Dorian Lough, Steffan Rhodri, Nigel Lindsay, Eysteinn Sigurðarson, Amelia Clarkson, Caspar Griffiths, Helena Albright
Duração: 533 min. (10 episódios)

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