Depois da balbúrdia de Através do Vale, era de se esperar que o episódio seguinte fosse um pouco mais de transição e preparação, lidando com as consequências do ataque à Jackson e a morte trágica de Joel. Apesar disso, sei que muitas pessoas não vão gostar da cadência de O Caminho, que, sim, tem alguns problemas que abordarei mais à frente, mas que de maneira geral é um capítulo de fundação importante para o restante da temporada, inclusive na mudança de tom que traz para a história do segundo jogo. O começo do episódio até que lida de maneira direta e imediata com a reação dos personagens, em especial Tommy e Ellie, com destaque para a fotografia de um universo em chamas e para a cena de Ellie gritando no hospital junto de uma edição cruel ao relembrar o golpe final de Abby.
O bloco, porém, é rápido, dando seguimento com um salto temporal de três meses. Por um lado, sinto que a elipse rouba um pouco do sentimento de raiva do momento, do que os personagens passaram ali e do próprio caos que foi estabelecido na semana passada. Mas por outro lado, gosto bastante do encaminhamento dramático que o texto de Craig Mazin cria aqui, dando uma tônica de melancolia e luto que talvez não fosse possível sem o salto temporal. Não vou entrar demais em detalhes e comparações com o segundo jogo, mas o material original é agressivo e mergulha de cabeça na trama de vingança, algo que a adaptação parece querer evitar, pelo menos nesse momento inicial, com um capítulo que é praticamente um funeral, dando tempo para os personagens e a audiência absorverem a perda, bem como para organizarem suas emoções antes de saírem para a selvageria.
Nesse sentido, O Caminho foca bastante na questão da comunidade. Como pessoas se reconstroem depois da destruição e como o dilema entre justiça e vingança ganha a frente temática aqui, com a discussão do grupo realçando a problemática entre o coletivo e o indivíduo, algo que está na essência das situações impossíveis da série, com sugestões dos sentimentos egoístas de Ellie similares aos de Joel que dão início ao seu novo arco, com destaque para a presença de Gail, uma espécie de radar moral que joga pequenas bombas verbais na sua falsa despretensão. Peter Hoar faz um trabalho visual singelo e adequado para o direcionamento dramatúrgico, apresentando um senso de normalidade para Jackson, ao mesmo passo que não nega os diálogos soturnos e complicados do roteiro denso. O diretor chega a propor algo quase minimalista, com destaque para a montagem e para a fotografia belíssima da viagem de Ellie e Dina, uma jornada que, de início, se esquiva de um tom de urgência ou de um drama sombrio para dar palco à vulnerabilidades, piadas e flertes românticos (gosto muito da cena da tenda, desenvolvendo com paciência os questionamentos e sentimentos ocultos das duas).
Entendo que o ritmo dilatado frusta um pouco e até vejo que falta um certo rigor da edição para algumas cenas, mas O Caminho é um episódio bem humano e bem intrínseco em seu olhar para relacionamentos, dinâmicas e laços, seja da comunidade de Jackson, seja entre Dina e Ellie. O escanteamento do terror nem sempre desce comigo, mas a falta de infectados ou de antagonistas humanos aqui não é um problema, até considerando a abordagem narrativa de expansão de universo e preparações com outras facções. Se falta tensão, temos intriga com a apresentação de uma comunidade religiosa que é brutalmente assassinada pelo grupo paramilitar que Dina e Ellie estão perseguindo. Entre um sentimento de desolação e de exploração pelas grandes paisagens do episódio, a jornada até Seattle começa a mostrar suas garras em uma rota de colisão com um perigo bem maior do que a dupla de Jackson acredita ser, no que é um baita episódio de estabelecimento.
Diria que meus problemas com O Caminho são de outra ordem. Primeiro que tenho sentimentos mistos com o trabalho feito com Tommy. Diferente do jogo, Gabriel Luna injeta ternura ao irmão de Joel, o que faz sentido considerando sua posição de líder e o fato do mesmo não ter estado no chalé, mas não sei se compro completamente a passividade do personagem, tampouco a falta que seu papel de catalisador da ação no jogo fará na série (não entrarei em detalhes para evitar spoilers). De qualquer forma, quero ver o que irão fazer com Tommy antes de formar um pensamento completo. Agora, meu problema principal com o episódio é na forma como Ellie é representada como uma espécie de coadjuvante para Dina, com a Isabela Merced roubando completamente os holofotes com seu carisma e sua malícia para preencher a ausência do Pedro Pascal.
Diferente do que parece ser a opinião geral, não acho que a performance de Bella Ramsey seja horrível (nesse episódio mesmo, ela lida muito bem com todas as cenas emocionais), mas o texto de Mazin puxa o tapete dela, que aqui é mais burra, mais infantil e quase sem carisma se perto do que o texto oferece à Merced, que é esperta, tem as melhores frases sarcásticas e ganha a frente da simpatia narrativa na minha visão. Se o restante da temporada quer colocar a produção nas costas de Ramsey – como deve ser -, o roteiro vai ter que suar e veremos se a intérprete consegue entregar. Um detalhe menor é a falta de fisicalidade e de presença de Ramsey se comparada até com a frágil Ellie dos jogos, o que me preocupa um pouco para as cenas de ação (aquela sequência do boxe, por exemplo, é risível…), então me pergunto como a coreografia vai passar isso ao público com um teor verossímil.
Vale pontuar que essas ressalvas são questões mais pontuais e facilmente podem ser resolvidas nos próximos episódios, quando tivermos uma dimensão melhor do papel de Tommy na adaptação e de como lidarão com o arco principal de Ellie. Se o que vemos sendo construído no núcleo de Jackson é um indicativo, podemos ter uma derrocada digna do material de origem no destino selado da protagonista, melhor descrito na frase de Gail: “Algumas pessoas não podem ser salvas”. Um episódio quieto, O Caminho conquista por seu drama íntimo e cadenciado que filtra os temas sobre vulnerabilidade, companheirismo e, claro, egoísmo da série, mas também prenuncia outro caos coletivo pelas mãos da natureza humana que muitas das vezes deixa a crueldade e o rancor vencer, principalmente quando ideias de ódio ganham fardas e símbolos. A jornada de vingança da Ellie está só começando, então para os mais ansiosos, vamos lembrar que quando a tempestade chegar, são episódios importantes como esse aqui que dão base para o clímax.
The Last of Us – 2X03: O Caminho (The Path) | EUA, 27 de abril de 2025
Criação: Craig Mazin, Neil Druckmann
Direção: Peter Hoar
Roteiro: Craig Mazin
Elenco: Pedro Pascal, Bella Ramsey, Gabriel Luna, Isabela Merced, Young Mazino, Rutina Wesley, Kaitlyn Dever, Robert John Burke, Spencer Lord, Tati Gabrielle, Ariela Barer, Danny Ramirez, Catherine O’Hara
Duração: 57 min.