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Crítica | The Morning Show – 2X07: La Amara Vita

Ousadia acovardada.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as demais críticas da série.

Não é uma tarefa simples lidar com um personagem como Mitch Kessler e eu considero um ato de coragem de The Morning Show tentar mostrar o homem por trás do monstro, já que a cultura do cancelamento, hoje, é inclemente, intolerante ao extremo e não quer sequer chegar próxima da palavra redenção. E eu não digo isso de forma a suavizar ou relativizar o que Mitch fez, vejam bem, mas sim para ecoar a pergunta que La Vita Amara – um inevitável jogo de palavras em relação a La Dolce Vita, claro – coloca, ou seja, se existe algum cenário em que uma pessoa assim possa retornar do abismo em que se jogou?

O mero embarque da série nessa discussão precisa ser reconhecido como uma abordagem ousada, que faz pensar se tivermos o necessário sangue frio para isso. Humanizar Mitch e até fazê-lo encontrar um novo amor lá em seu mega luxuoso refúgio no Lago Como, na Itália (na verdade, é na Califórnia e a vila é uma escola alterada digitalmente e inserida digitalmente no cenário deslumbrante que vemos), não é o caminho que se espera de uma série produzida em 2021, mas a discussão que ela propõe ao fazer isso é rica e necessária. Será que temos sequer o direito de simpatizar com o drama de Mitch, que parece genuinamente querer se tornar uma pessoa melhor, sem saber como fazer isso? Será que conseguimos, verdadeiramente, compreender a noção de que seus atos – que culminaram com a morte de uma mulher – podem ser perdoados?

Não é de forma alguma fácil responder essas perguntas. Na verdade, não é fácil até mesmo ouvi-las e meramente concordar em pensar nelas para evitar respostas de supetão baseadas no que os outros esperam ouvir e não naquilo que realmente pensamos sobre o assunto. O roteiro que a showrunner Kerry Ehrin escreveu com Scott Troy leva Alex para a mansão de Mitch com o objetivo de extrair dele uma declaração formal – pouco importa se mentirosa – de que os dois nunca transaram, tudo para ela poder combater, egoisticamente, o livro bombástico sobre o TMS que está próximo de ser lançado. Alex é uma mulher a beira de um ataque de nervos, alguém que acha que sua vida inteira será destruída se uma revelação dessas vier à tona e ela está absolutamente certa nesse pensamento, exatamente porque, para todos os efeitos da percepção pública, Mitch é a própria encarnação do coronavírus, contaminando tudo o que toca ou tocou.

No entanto, talvez para a surpresa da própria Alex, a relação entre os dois é mais profunda e mais complexa do que isso. Se pensarmos bem, como poderia ser diferente, não é mesmo? Os dois figuraram como co-âncoras de um programa de TV matinal por cinco dias na semana por quase duas décadas, construindo uma conexão maior do que apenas de colegas de trabalho e que Alex, dançando com Mitch, explicita bem claramente ao revelar seu desejo de ter engravidado dele. Sim, Mitch é um canalha e sim, Alex é egoísta até a raiz do cabelo, mas a presença de um diante do outro revela o homem e a mulher que são por trás das calhordices, talvez até refletindo uma época em que os dois não eram assim.

E o ás na manga da produção é o próprio Steve Carell que, talvez no melhor papel dramático de sua carreira, nos faz ver o Mitch que talvez pudesse ter existido um dia e que, mais talvez ainda, pudesse retornar se lhe fosse dada a chance. E, com isso, voltamos à pergunta que não é de forma alguma se ele merece uma chance, mas sim como fazer – o que fazer, talvez – para desbravar um caminho de retorno a algum semblante de normalidade. Se ele fosse preso, cumprisse a pena e saísse do encarceramento, ele estaria diante de uma tabula rasa? Se ele entregasse toda sua fortuna para as famílias de quem ele prejudicou, ele poderia ser merecedor de perdão coletivo? Se ele mostrasse esforços genuínos, ao longo de décadas, para mudar, teria direito a morrer sabendo que foi aceito de volta no seio da sociedade? Como disse, não é fácil responder a essas perguntas, mas o exercício é válido.

O grande problema do episódio é que, apesar de o roteiro saber explorar o assunto, acaba encontrando uma saída fácil demais que beira à preguiça. Matar Mitch Kessler – a teoria quase sempre correta de que “sem corpo, sem morte” não tem cabimento em uma série com essa – é o equivalente a parar uma discussão acalorada com um sonoro “não quero mais falar sobre isso!”, sem realmente ter a coragem de ir a fundo no assunto. Há a possibilidade de a questão ser trabalhada postumamente? Sem dúvida, mas eu, muito sinceramente, duvido que ela seja, até porque, de novo, é muito cômodo tirar o cancelado da equação, o que automaticamente distancia as considerações da sociedade sobre ele, na base do “ele teve o que mereceu”.

E não ajuda em nada que um suspense barato seja criado ao redor de sua morte, primeiro com um quase acidente automobilístico de Alex – e que nós sabíamos que não aconteceria, logicamente – e, depois, com o retorno ao mesmo artifício, só que agora com os dois paralelamente e, de repente, criando um desespero suicida em Mitch que não estava ainda maduro o suficiente para ser usado. Em outras palavras, como vem acontecendo constantemente nesta temporada, assuntos sérios acabam, de uma forma ou de outra, tendo tratamento raso, mesmo que La Amara Vida tenha o privilégio de ser razoavelmente profundo na forma como o relacionamento de Mitch e Alex – e também de Mitch com Paola, não podemos esquecer – é abordado em seu miolo.

La Amara Vida poderia ser o começo real de uma conversa poderosa e difícil, mas acaba sendo também seu aparentemente fim, pelo menos no que se refere a Mitch Kessler. O detestável personagem teve um tratamento admirável pela produção, somente para ser desperdiçado em seguida, como que para encerrar o assunto e deixar o personagem de vez para trás. The Morning Show pareceu escolher a estrada menos viajada, somente para interromper a viagem da maneira mais conveniente possível. Uma pena, mesmo que a reflexão que fica seja válida e profícua.

The Morning Show – 2X07: La Amara Vita (EUA – 29 de outubro de 2021)
Criação: Jay Carson (baseado em obra de Brian Stelter)
Desenvolvimento: Kerry Ehrin
Direção: Mimi Leder
Roteiro: Kerry Ehrin, Scott Troy
Elenco: Jennifer Aniston, Reese Witherspoon, Billy Crudup, Mark Duplass, Néstor Carbonell, Karen Pittman, Greta Lee, Desean Terry, Hasan Minhaj, Steve Carell, Valeria Golino, Holland Taylor, Tom Irwin, Will Arnett, Patrick Fabian, Julianna Margulies, Joe Tippett
Duração: 51 min.

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