A terceira temporada de The Newsroom chega como um epílogo condensado: apenas seis episódios que precisam amarrar tramas, revisitar personagens e oferecer algum tipo de encerramento para a utopia jornalística de Aaron Sorkin. Se a primeira temporada celebrava o idealismo e a segunda desmontava tudo isso com o fiasco de Genoa, a terceira mergulha em dois dilemas contemporâneos do jornalismo: a velocidade caótica da informação produzida por cidadãos conectados em tempo real e o peso ético do vazamento de documentos sigilosos. Não por acaso, a temporada estreia com a cobertura do atentado da Maratona de Boston e se encerra com uma história de whistleblowing que ecoa diretamente o caso Edward Snowden. Sorkin, como sempre, escreve menos sobre o passado do noticiário e mais sobre seu futuro ou, melhor, sobre as encruzilhadas éticas que definem se ainda haverá jornalismo como serviço público.
O primeiro episódio é talvez o mais incisivo da série ao retratar a avalanche de desinformação produzida nas redes sociais nos minutos e horas após uma tragédia. O roteiro, aqui, parece antecipar com clareza as discussões que só se tornariam comuns anos depois: a dificuldade de filtrar boatos, a pressão por noticiar antes de confirmar e a fragilidade da credibilidade jornalística em tempos de velocidade total. Maggie e Elliot em Boston funcionam como o braço prático dessa tensão, enquanto Will e Mac refletem sobre como sustentar padrões mínimos de checagem em um ambiente em que a concorrência parece ditada por tweets e postagens anônimas. É a temporada dizendo: depois do erro de Genoa, não basta sonhar com o jornalismo ideal, é preciso resistir ao colapso da verdade em tempo real.
O outro eixo, o do vazamento de documentos sobre atrocidades em Kundu, coloca Neal no centro de uma crise que expõe as fronteiras entre denúncia legítima e crime de espionagem. A decisão de Sorkin de fazê-lo desaparecer da trama por boa parte da temporada é discutível, já que a ausência do personagem mina o peso emocional do conflito e sua participação na história, mas o dilema permanece forte: até que ponto jornalistas podem proteger suas fontes sem se tornarem, eles mesmos, cúmplices de crimes contra o Estado? Will preso por desacato é a culminação dramática desse dilema, em uma escolha narrativa que acho muito forçada e exagerada, mas Jeff Daniels mais uma vez sustenta o personagem com gravidade e rouba todas as cenas em que aparece.
Se a crítica estrutural à desinformação e ao autoritarismo é contundente, a temporada também dedica espaço ao desgaste interno. A compra da ACN pelo jovem bilionário libertário Lucas Pruit traz à tona a ameaça do “jornalismo como produto de usuários”: apps de celebridades, métricas vazias e conteúdo como mercadoria digital. É um comentário mordaz sobre a transformação do jornalismo no século XXI, e Charlie Skinner, cada vez mais o guardião de uma ética em extinção, é colocado como antagonista direto dessa visão. Sua morte, no penúltimo episódio, funciona como metáfora transparente sobre a velha guarda, que acreditava em credibilidade como norte, dando lugar a um futuro em que até mesmo uma redação premiada precisa se reinventar em meio à lógica dos cliques.
Nos bastidores, Sorkin ainda encontra tempo para fechar arcos pessoais. Mais uma vez, penso que o roteirista sofre com melodramas ruins, como a trama sem graça de Don e Sloan se consolidando como casal improvável, ou então a já meio irritante Maggie finalmente amadurecendo na sua relação com Jim. Temos também o seguimento do pedido de casamento de Will a Mac e a gravidez anunciada, que, mesmo trazendo uma substância pessoal necessária ao grande protagonista, ainda carrega uma abordagem de concessão melodramática. Acho o texto de Sorkin bem desinteressante quando saí da redação para o íntimo nessa temporada, mas, claro, ainda é necessário essas pontuações para que a história não fique tão robótica.
O episódio final, centrado no funeral de Charlie, mistura presente e flashbacks para reforçar a trajetória de cada personagem e reafirmar a missão original da série: lembrar que jornalismo é, ou deveria ser, um serviço público. É um fechamento consciente da natureza do seriado e, de fato, uma resolução eficiente. A imagem final, de uma nova edição do News Night indo ao ar, ecoa a primeira temporada, mas agora com uma camada de melancolia: a luta pela verdade não termina, mas tampouco garante vitória. É apenas o trabalho, repetido noite após noite.
A terceira temporada de The Newsroom não tem o fôlego narrativo da estreia nem a ousadia trágica da segunda, e pesa a mão ainda mais em apelos emocionais de romances aguados, mas encontra uma sobriedade madura na parte temática e no encerramento. Ao colocar em pauta o impacto das redes sociais na apuração, os limites do sigilo jornalístico e a corrosão empresarial da mídia, Sorkin não apenas dramatiza dilemas éticos, mas também antecipa um cenário que se tornaria cada vez mais real e urgente nos anos seguintes (leia-se, hoje). Ao mesmo tempo, oferece aos personagens um desfecho digno, com relacionamentos amarrados. Talvez não seja a temporada mais eletrizante, mas é a mais honesta em reconhecer que o jornalismo, como a própria série, é feito de batalhas diárias, de vitórias efêmeras e de derrotas inevitáveis, com a ótima constatação de que informar em tempos de cinismo é lutar contra a corrente.
The Newsroom – 3ª Temporada | EUA, 2014
Criação e desenvolvimento: Aaron Sorkin
Direção: Alan Poul, Paul Lieberstein, Anthony Hemingway, Greg Mottola
Roteiro: Aaron Sorkin, Jon Lovett, Deborah Schoeneman
Elenco: Jeff Daniels, Emily Mortimer, John Gallagher Jr., Alison Pill, Thomas Sadoski, Dev Patel, Olivia Munn, Sam Waterston, Jane Fonda, Chris Chalk, Chris Messina, Kelen Coleman, David Harbour, Jon Tenney, David Krumholtz, Hope Davis, Natalie Morales, Alison Becker, Marcia Gay Harden
Duração: 346 min. (06 episódios)
