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Crítica | The Night Of 1X06: Samson and Delilah

por Luiz Santiago
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estrelas 5,0

spoilers! Confira as críticas para os outros episódios da série aqui.

É a segunda vez que The Night Of faz uma massiva referência temática no título e no enredo de um de seus episódios. A primeira delas foi referindo-se ao milenar A Arte da Guerra, de Sun Tzu, e agora, à famosa história bíblica dos Capítulos 13 a 16 de Juízes, Sansão e Dalila, que já aparece com uma tremenda ironia do texto, colocando em cena a visão misógina de um homem em relação a um “certo tipo de mulher”. Ambos os episódios são excelentes, mas este Samson and Delilah supera alguns limites dramáticos, temáticos e técnicos que nos deixam estasiados. Primeiro, vamos à questão elementar: a linha referencial a Sansão e Dalila é o de menos neste capítulo. O que mais importa é o contexto histórico. E aqui estou dentro da minha área, então me acompanhem em uma pequena abordagem sobre o tema, a partir da qual estenderemos nossa leitura do episódio.

O livro bíblico de Juízes, cujos autores não se conhece, foi escrito entre cerca de 1050 e 1000 a.C., e seus temas principais são a apostasia (abandono da fé) e livramento. Comecem agora a fazer as relações primárias entre esta base do livro — que obviamente não foi escolhido à toa, dada a situação que temos no episódio — e a personalidade de Naz, abandonando o pouco que restava de seu lado moralmente intacto e estabelecendo cada vez mais uma ligação comportamental com Freddy. Ao mesmo tempo que isto acontece, Stone e Chandra, tentam salvá-lo.

Na história do povo hebreu, temos um importante — embora lento e gradual — período de consolidação dos clãs israelitas antes do estabelecimento da Monarquia, e esse momento de adequação é narrado no livro de Juízes. Existia, em torno das tribos e dos clãs, enorme pressão externa, de povos como os mesopotâmicos, moabitas, filisteus (contra os quais lutou Sansão), etc. Diante disso, destacava-se no meio do povo indivíduos (treze são citados no livro, doze homens e uma mulher, Débora, que normalmente é colocada juntamente com Barac, pois governaram juntos, daí a ideia de que os Juízes foram 12 e não 13, algo que também favorece o simbolismo das 12 Tribos de Israel…) que serviam como chefes militares e/ou magistrados civis (Juízes maiores e menores), podendo tanto liderar campanhas bélicas de libertação de um clã que tivesse caído sob domínio estrangeiro, quanto manter viva a memória e execução das leis que seus antecessores estabeleceram (leis civis, morais, religiosas…). Teologicamente falando, Juízes é um livro que revela o declínio moral (e, para os religiosos, também espiritual) das tribos, após se estabelecerem na Palestina, a “Terra Prometida”. Agora percebam a importância desse contexto para os eventos do episódio e como ele fica mais interessante quando tomamos esse princípio inspirador dos autores Richard Price e Steven Zaillian na escrita do roteiro.

A transição de um cenário interno para um cenário aberto é ainda mais forte aqui do que em The Season of the Witch. Se antes a ação fora do mundo de Naz se preparava para julgá-lo melhor ou com maior intensidade, aqui, ele parece se afastar completamente da máscara de “inocente” e abraçar a nova persona que aprendeu — e está aprendendo — a ser, ao passo que o exterior se retrai, precisando de maiores intromissões de Stone e Chandra para dizer o que pensa, para entregar alguma coisa — lembrem-se das três cenas de personagens investigados não oficialmente: o técnico, o corretor e o homem do necrotério. A história e o livro bíblico que serviram de base temática para o episódio funcionam tanto na organização de forças quanto na ideia de sedução e traição que permeia a maioria dos blocos, todos eles fotografados com menos luz e filtros de cores frias fazendo-nos voltar ao cenário claustrofóbico do início da série, com a diferença que a relação entre internas e externas é bem mais dinâmica e sugestiva aqui.

A trilha sonora não tem tanto peso quanto no capítulo anterior, mas ainda serve como uma grande construtora de atmosferas, especialmente para Stone, que se afasta dos dissabores pessoais, tendo sua autoestima elevada pelo fato de ter a alergia do pé curada por um remédio natural. A maré de azar ataca Chandra, que além da decepção amorosa, não está nem um pouco segura com o início de sua defesa e as particularidades do julgamento. Percebam que o roteiro realiza uma sequência de desconstruções e reconstruções na forma como encaramos os personagens e na onda questionável que a justiça, a retidão moral, o atrativo lado “fora da lei” e a debandada dos princípios que representavam uma força antiga pouco a pouco se perdem. Simbolicamente, isso pareceu cair, para Naz, no momento em que ele raspou a cabeça (Sansão sem cabelos). Preso pelos “filisteus” após ter quebrado um pacto com o pai (o frágil símbolo de Deus, alquebrado pelo filho acusado de cometer um crime), em The Beach, ele não parece dar sinais de que irá voltar àquela força novamente. Um novo homem está surgindo.

Ao representarem e depois reescreverem ou perverterem o dilema de Sansão em Naz, os roteiristas de The Night Of reafirmam a queda de princípios, o questionamento da justiça e provam que esta série veio para mostrar como fazer um drama de investigação bem feito em um tempo onde seriadores de todo o mundo acham que já viram de tudo. E como é bom ser surpreendido dessa forma!

The Night Of 1X06: Samson and Delilah (EUA, 14 de agosto de 2016)
Direção: Steven Zaillian
Roteiro: Richard Price, Steven Zaillian
Elenco: Riz Ahmed, John Turturro, Bill Camp, Peyman Moaadi, Poorna Jagannathan, Jeannie Berlin, Amara Karan, Michael Kenneth Williams, Sofia Black-D’Elia, Paul Sparks
Duração: 60 min.

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