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Crítica | The OA – 1ª Temporada

por Ritter Fan
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estrelas 4

The OA, série produzida pela Plan B de Brad Pitt e pela Anonymous Content, responsável por The Knick, True Detective e Mr. Robot, dentre outras, entrou na grade de conteúdo original do Netflix sem nenhum alarde. E essa discrição condiz muito com o conteúdo de mais essa colaboração entre Brit Marling (que produz, escreve e estrela a série) e Zal Batmanglij, depois dos longas A Seita Misteriosa (2011) e O Sistema (2013), já que a forma como o material de The OA é apresentado é discreta, minimalista mesmo.

Essa característica pode afastar potenciais espectadores que não tiverem paciência para deixarem-se envolver por essa série que quer nos fazer pensar em questões filosófico-transcendentais, levando-nos pela mão por caminhos misteriosos que misturam de forma homogênea ficção científica, fantasia, espiritismo, mistério e um senso de admiração e de contemplação que de certa forma emula, ainda que de maneira mais tangencial e menos ambiciosa o que Sense8 conseguiu alcançar de outra maneira. Portanto, o verdadeiro teste que o espectador terá ao começar a navegar pelos mistérios envolvendo Prairie Johnson (Brit Marling), a OA do título (em português seria AO, mas isso é tudo que direi sobre a sigla…) é parar para respirar e tentar acompanhar o ritmo lento e o desenvolvimento estranho – diria até bizarro – desta primeira temporada. Mas a jornada, assim como a do elenco, pode ser fascinante.

Sem entregar muito, a premissa da série gira em torno da referida Prairie, uma mulher cega que, há sete anos, desapareceu da casa de seus pais adotivos (os veteranos Alice Krige e Scott Wilson em atuações contundentes). Quando a temporada começa, ela, assim como sumiu, de repente volta, só que, agora, enxergando. Há enorme resistência da jovem em dizer onde esteve, com quem esteve e, principalmente, como recuperou a visão. No entanto, aqueles que acham que a série girará em torno de uma investigação sobre o ocorrido, logo têm seu tapete puxado quando Zal Batmanglij e Brit Marling, ainda no roteiro do primeiro episódio, inverte a lógica completamente e coloca Prairie como uma espécie de guru para cinco outras pessoas desajustadas que passam a ouvir dela tudo o que aconteceu.

E, de repente, com isso, nós, espectadores, passamos a ser também discípulos daquela estranha mulher loira com terríveis marcas nas costas e um passado que só vai ficando mais estranho na medida em que a temporada progride. Prairie pede a seus cinco discípulos – Steve Winchell (Patrick Gibson), traficante de drogas e bully da escola local, Alfonso “French” Sosa (Brandon Perea), um garoto que luta para cuidar da mãe e ao mesmo tempo destacar-se nos estudos, Buck Vu (Ian Alexander), um menino transgênero, Jesse (Brendan Meyer), um jovem sem perspectivas e BBA (Phyllis Smith), uma professora que acabara de perder o irmão gêmeo – que acreditem piamente nela e nós temos que seguir esse mesmo caminho. Mas, como eles, não temos como deixar de duvidar do que ouvimos e vemos em flashbacks orgânicos que passam a ocupar grande parte de todos os sete episódios seguintes. E essa dúvida também é importante no jogo de cena criado constantemente por Batmanglij ao colocar em oposição o vilarejo semi-abandonado onde todos vivem e o quase surreal local onde a moça viveu os últimos sete anos.

De um lado, o design de produção reduz o elenco e os cenários ao mínimo possível, quase como se por vezes estivéssemos assistindo a algum filme fruto do movimento Dogma 95. É aqui que estudamos como os seis personagens principais têm seus próprios problemas e como são eles que os aproximam uns dos outros. Prairie é como a canalizadora da esperança depositada por Buck, Jesse, Steve, BBA e French em mudança, em um futuro melhor ou, talvez, bem simplesmente, apenas aquele raio de luz que mostra que há algo mais do que aquilo que eles vivem todos os dias. E ela, por sua vez, faz de suas sessões quase espíritas com o grupo, uma espécie de catarse diária de sua vida sofrida, mas com um objetivo claro tanto para nós quanto para eles, objetivo esse que pode ser real ou não.

A fotografia no presente da história é opressiva, com uma paleta de cores básica, com branco, cinza e preto e uma direção fechada no rosto ou no tronco dos personagens passando uma sensação cada vez maior de opressão e claustrofobia, algo que reflete muito bem aquilo que vemos em flashback, mas que é a realidade de todos ali do círculo de relações de Prairie. Batmanglij quer que nós ansiemos pela descoberta do passado de Prairie mais do que pela nossa mera curiosidade de assistir uma série de mistério. Ele quer devoção. Prairie quer devoção.

E, do outro lado da narrativa, nos flashbacks, é onde estranhamente temos mais cores, temos mais vida, temos uma sensação maior de espaço apesar do confinamento. É nesse passado contado a conta gotas (mas não tão lento) que começamos a duvidar de Prairie e ao mesmo tempo entender o que aconteceu. Afinal, ela era cega e voltou enxergando, como isso é possível se não for por um passe de mágica ou pelo uso de artifícios comuns à ficção científica? É essencial suspendermos nossa descrença e aceitarmos a história, mas Marling e Batmanglij não nos pede isso cegamente, pois a cada volta ao presente, somos apresentados a mais dúvidas sobre o que acabamos de ver.

E sim, chega um ponto em que a narrativa perde um pouco seu passo e há uma repetição temática que pode cansar. Mas, como isso acontece lá pela metade, é de se supor que quem chegou até esse ponto estará engajado o suficiente no conto de Prairie para continuar e, novamente, somos brindados com uma espécie de reviravolta que essa sim nos testa (e testa os discípulos) de verdade. Não abordarei a questão especificamente aqui para evitar spoilers, mas basta dizer que não é algo fácil de ver sem desprender-se da imersão narrativa e soltar algumas risadas aqui e ali. É estranho. É inusitado. É extravagante. É até ilógico e ridículo. Mas ninguém pode dizer que não é interessante. E, se o espectador comprar – mesmo duvidando de Prairie – então a série terá funcionado de verdade.

Em meio a isso tudo, temos o antagonista principal, Hap (Jason Isaacs, o Lucius Malfoy da franquia Harry Potter), que estuda EQMs – ou Experiências de Quase-Morte – fazendo-nos pensar na ética científica e na oposição da ciência versus crença de maneira inédita e, diria, forte, pesada, sem dó nem piedade. É a presença dele que catalisa de verdade toda a discussão filosófico-transcendental que mencionei no começo, ainda que ele sempre esteja na orla desse universo muito particular criado no cativeiro de Prairie. Mas, sem ele e sua obsessão – que são abordados, diria, sem um julgamento definitivo pelo roteiro -, nada realmente funcionaria.

É bem possível que o final, assim como o começo, afaste muita gente e gere exclamações do tipo “como assim?” e “o que raios é isso?”. Mas calma, pois, se pararmos mesmo para pensar e aceitarmos alguns atalhos dramáticos (o evento em si parece aleatório, ainda que seja possível defender que, dentro da estrutura do que a série se propõe, não seja), ele faz sentido e surpreende tentando algo diferente, o que parece ser o mote do trabalho dos criadores da série.

The OA é uma série que desafia o espectador e não por ser particularmente complexa ou hermética, mas sim por tentar o inusitado, o que verdadeiramente não se espera do ponto de vista técnico e dramático. E, por isso, ela não agradará todo mundo, mas garanto que surpreenderá muita gente.

The OA (EUA, 16 de dezembro de 2016)
Criação e showrunners:  Brit Marling, Zal Batmanglij
Direção: Zal Batmanglij
Roteiro: Brit Marling, Zal Batmanglij, Melanie Marnich, Dominic Orlando, Ruby Rae Spiegel
Elenco: Brit Marling, Emory Cohen, Scott Wilson, Phyllis Smith, Alice Krige, Patrick Gibson, Brendan Meyer, Brandon Perea, Ian Alexander, Jason Isaacs, Hiam Abbass, Zoey Todorovsky
Duração: 8 episódios de 45 a 70 minutos cada

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