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Crítica | The Office (US) – 1ª Temporada

por Davi Lima
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the office

O falso documentário (mockumentary) é uma linguagem que busca tornar a dimensão da realidade ficcional do produto audiovisual em um constante convencimento de que aquilo que se vê em tela é real, por mais absurdo que pareça. Nisso, surge a comédia da série The Office em meio às estruturas seriadas do humor situacional (sitcom), quando a representação cômica constrange pela sensação mais física da moralidade da piada que o espectador pode julgar diretamente. Com essa diferenciação de linguagem entre as séries de comédia no começo do século XXI nos EUA, incita-se um conflito no desconforto. Por isso, o criador e showrunner Greg Daniels, adaptando o material britânico do showrunner Ricky Gervais, da primeira versão da série no Reino Unido, entrega uma primeira temporada na TV aberta NBC, nos EUA, de ajuste do humor ácido com o apresentador de performance Michael Scott (Steve Carell) e dos limites, ou não, de seu artifício da fotografia documental com câmera única para fazer sitcom.

O episódio piloto traduz praticamente todos esses aspectos do que é a série. Mesmo que isso soe redundante, pensando que é exatamente o objetivo de um primeiro episódio traduzir o que o programa é, essa tradução se diferencia pelo contexto em que aparece. Várias séries do início dos anos 2000 começaram a trazer mais complexidade cinematográfica com o recurso da câmera única para os variados gêneros televisivos, que antes buscavam mais objetividade e menos profundidade com a transmissão a partir de multicâmeras dentro de um cenário. Por isso, chegando mais vezes esse apelo fotográfico, especialmente para o humor situacional muito acostumado com plateia e cenários prontos, sem aplausos e com muita movimentação de câmera, decorre uma exigência do público mais ambígua que de costume, tornando os pilotos ainda mais desafiadores. 

Com The Office, a câmera se torna uma personagem junto ao casal Jim (John Krasinski) e Pam (Jenna Fischer). Há uma junção mais direta do novo e antigo esquema de sitcom, da câmera que denota uma opinião própria sobre o casal, enquanto Jim e Pam quando são entrevistados frontalmente falando para a câmera estática, individualmente confrontam a opinião, ou confirmam o flagra da fotografia documental que se esgueira pelo escritório. Além disso, o dito protagonista Michael Scott, o chefe do escritório, é a ponte entre a câmera e o casal protagonista, tornando-se host de apresentação expurgante da realidade americana num grande talk-show realista diante do escritório como ambiente entediante e dos empregados entediados.

Essas quatro peças são as que significam a série num drama e romance que vai se completando comicamente na quebra de expectativa que Michael Scott cria como anfitrião do programa. Dentro do realismo, há sempre uma resposta e uma contrarresposta à aparente suavidade que teria a sitcom, em que uma piada politicamente incorreta e um romance proibido são julgados enfaticamente. Todas as entrevistas dos empregados dizem algo dentro da série, mas os efeitos do que não é dito são tragédias pelo que se registra com a câmera voyeurista. Por isso, o personagem Dwight (Rainn Wilson) cresce, porque sua personalidade sempre parece complementar uma mesma versão de pessoa para todas as câmeras, em uma sinceridade aparente. Em contraponto a isso, causando muito humor, Jim é o personagem que a câmera procura para ver a reação mais plausível a qualquer loucura de Dwight ou do chefe Michael Scott, que concorrem pela câmera e a ambientação entediante como troféu de construir um universo cômico ficcional. Scott ainda é muito light humor com um texto dark humor alinhado à imersão, já Dwight ainda é muito causa cômica para os 3 personagens já citados: câmera, Jim e Pam.

Dessa concorrência nasce algo muito presente na série, ainda engatinhando na primeira temporada, que é o discurso do politicamente incorreto, o que acomete o episódio mais difícil de assistir contemporaneamente. Já no segundo episódio, chamado Diversity Day, isso vira o centro da trama, em como Michael Scott se evidencia como todos os podres sociais em desconstrução nos EUA e em todo o mundo com mais intensidade no começo do século XXI. Não que independe do que se trata o discurso para fazer comédia, mas diante do modelo de The Office, o efeito é que define muito. Se a graça é descobrir mais preconceito do chefe do que se imagina, na dinâmica entre o que a entrevista e a gravação mostra, o ambiente estático do escritório, muito frutífero para a linguagem mockumentary com o sitcom, ao invés de tom crítico reverso de constrangimento dos trabalhadores, como tapa na cara do universo realista, parece não complementar esse sentimento, apenas evidenciar.

Apesar disso, a primeira temporada, no episódio seguinte, consegue mostrar como o showrunner Greg Daniels consegue experimentar seu cenário rico em quase perfeição dramática em meio à tragédia cômica. Entre humor físico e a fuga do conflito do tempo e do trabalho real em um escritório entediante, Dwight é a pressão natural contra um chefe Michael extremamente fácil de julgar, enquanto o vendedor Jim e a secretária Pam, junto da CEO da empresa Dunder Mifflin, chamada Jan (Melora Hardin), chefe de Michael, conflitam o apresentador com a responsabilidade do cargo. Ao longo dos seis episódios, o ajuste experimental de como o ator Steve Carell vai se comportar com a câmera e o cenário entediante permite que o termo sitcom fique cada vez mais conceitual do que estrutural de roteiro e percurso. 

Porque cada episódio dessa temporada parece muito único para a linguagem de falso documentário, não uma adaptação das situações para a câmera única. No episódio quatro, por exemplo, há uma espécie de suspense cômico de boatos dentro de um escritório chato, que por ser assim se molda muito facilmente a gêneros narrativos do audiovisual, sem perder o tabuleiro montado com suas quatro peças. Enquanto no quinto episódio, muda-se o cenário para o depósito de caixas para transporte, embora ainda seja dentro da contingência do escritório. Mesmo que soe repetido o efeito dos conflitos de Jim e Pam no amor proibido e Michael Scott com seus preconceitos sociais em meio à novidade do jogo de basquete dos trabalhadores do escritório contra os do depósito, é interessante como Greg Daniels vai fundo no humor físico que se torna mais intenso no uso de câmera única para a fotografia da série, propondo piadas icônicas com o personagem Stanley (Leslie David Baker). 

Afinal, quanto mais deslocado o espectador fica, num ambiente tão ordinário quanto um escritório de uma empresa de venda de papéis, mais efetiva a série se torna na dinâmica entre o real e o falso do mockumentary. O último episódio, com a participação da atriz Amy Adams (Katy), é a questão explícita de quebrar o ritmo do escritório e abrir o leque de tramas para a segunda temporada. Nos dois últimos episódios há mais narrativas implícitas e visuais em drama cômico do que uma piada elaborada entre várias situações. 

Muito dos sentimentos constrangedores que o espectador pode sentir tem reações dos personagens dentro do espectro de verossimilhança que a série exercita, porém ainda se torna uma complexidade cômica que Greg Daniels se propõe a “errar” como um teste televisivo que o canal NBC concedeu. Não deixa de ser uma temporada irregular pela linhagem de poucos episódios, mas também estabelece muito bem com muito pouco qual a sua piada politicamente incorreta como vareta com o público, qual o espaço a se acomodar isso, quais os dramas ordinários desenvolvidos e qual é o host (Michael Scott) do programa que vai revelando o escritório de Scranton quando ele o incomoda. 

The Office – 1ª Temporada (The Office, EUA, 2005)
Criação: Greg Daniels, Ricky Gervais, Stephen Merchant.
Direção: Ken Kwapis, Ken Whittingham, Bryan Gordon, Greg Daniels, Amy Heckerling.
Roteiro: Greg Daniels, Ricky Gervais, Stephen Merchant, B.J. Novak, Mindy Kaling, Paul Lieberstein, Michael Schur.
Elenco: Rainn Wilson, Steve Carell, John Krasinski, Jenna Fischer, Mindy Kaling, Leslie David Baker, Brian Baumgartner, Angela Kinsey, Kate Flannery, Phillys Smith, Creed Bratton, Oscar Nuñez, B,J Novak, Craig Robinson, Paul Lieberstein, Melora Hardin, David Denman, David Koechner.
Duração: 23 minutos (em média) cada episódio – 6 episódios na temporada.

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