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Crítica | The Office (US) – 2ª Temporada

por Davi Lima
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the office

Após uma primeira temporada de experimentações, e diante das reclamações sobre o efeito do escritório entediante sem muita compreensão disso ser favorável para a comédia e o drama com o ordinário, é possível sentir uma segunda temporada em constante regulagem, mas sem perder sua raiz dorsal já apresentada. Até foge-se do escritório como artimanha de diferenciação da sitcom, normalmente feita apenas em um espaço teatral, além da série apostar no romance de maneira direta como trama principal como sequenciamento da estrutura procedural de piadas episódicas, na qual Michael como host do programa se mantém como centro cômico junto a personagem variante da câmera no falso documentário. E com alguns pedidos de desculpa pela acidez reproduzida da versão Gervais de The Office na primeira temporada, e um aprimoramento americano com uma comédia mais light comedy inspirada da roteirista Mindy Kaling, “chacotando” mais explicitamente Michael Scott, a segunda temporada se abre para o público com a mesma base formal e temática, mas com um reset frutífero pela produção de mais episódios.

Falando mais diretamente com a câmera, Michael Scott e todo o escritório ao longo da temporada parece se acostumarem no descostume que o falso documentário provoca no ambiente da sitcom. Isso possibilita que a primeira leva de três episódios elaborem desculpas de muita qualidade, sem vitimismo do que deu errado com a acidez e o politicamente incorreto da primeira temporada. Mindy Kaling, muito presente como roteirista, não como staff writer que dava pitacos não oficiais no primeiro ano da série, escreve um roteiro bem mais leve para vários episódios, que junto a Greg Daniels cria outro tom para The Office. Ele, como showrunner, parece dispensar Ricky Gervais como princípio ácido na linguagem da série. O politicamente incorreto como humor para a série, após o episódio Diversity Day da primeira temporada, já não aparece como dependente de uma ambiguidade artística do falso documentário que busca confrontar Michael Scott com o realismo. A imprevisibilidade que coloca o espectador na sensação de embaraço é certeira na nova convenção, que o roteirista B.J. Novak junto com Daniels e Mindy Kaling formam no começo da temporada.  

Um dos principais fatores das mudanças é Michael Scott ser desconstruído para a série continuar no processo de regulagem do humor em relação a primeira temporada. Se estabelece um efeito comparativo do chefe para o público em relação aos empregados, tornando mais forte não mais a dependência do realismo aberto a interpretações, e sim a maneira como o próprio Michael tenta ser um realista chefe exemplo para o escritório. Essa é a piada, não mais o desconforto dúbio que o falso documentário indiretamente vai criticar o chefe do desconforto.

Assim, a desculpa final  vai acontecer em uma reestruturação do tédio do escritório como parque de diversões em potencial, não mais o tédio como base. No episódio três, Office Olympics, a noção de Jim descobrir a diversão na seção de contabilidade com Oscar, Angela e Kevin, colocando o escritório mais enfático nos personagens além do ambiente, e o fator de Michael crer que pode comprar seu futuro e se desassociar do escritório, com o personagem Dwight como ponte para tudo isso, complementam essa recreação contra a chatice do trabalho como humor. E como o humor conceitualmente é uma quebra de expectativa, o drama realista existente na preocupação com o trabalho vai se dinamizando com a diversão que se permeia nos conflitos imprevisíveis. Por isso uma certa satisfação com o escritório forma-se para o espectador pela empatia com a dinâmica da nova da temporada. Parte dessa nova faceta é a subdivisão de forma mais palatável do tédio que quer ser cessado com comédia e o drama que se voltam à realidade do trabalho,  já parte do universo da série.

Dessa maneira se desfaz das construções da primeira temporada de maneira mais estilosa, mas conflitante e mais engraçada. O reset que se retroalimenta surge daí, em que nos episódios mais fechados de trama, com tons metafóricos cômicos pela reviravolta na seriedade inerente ao escritório tedioso, surgem momentos icônicos como o Ryan start the fire, formando uma moda de todo episódio o trabalho da Dunder Mifflin parar por algum motivo que repõe alguma reflexão para o host Michael Scott olhando para a câmera. No entanto, dentro dessa fórmula de alguns episódios surge a personagem da câmera, que se escora nas reações de Jim, e o romance de Jim e Pam como secundários em constante potência de comédia e drama respectivamente e simultaneamente.

O diretor Ken Kwapis, muito presente nessas duas primeiras temporadas,  mostra na composição dos diálogos piadas secundárias no canto da tela. Ele consegue, talvez, colocar uma piada que os roteiristas não escrevem, mas tendo a visão de Greg Daniels também em como tornar o ambiente o grande potencial da piada. Isso não é novidade, a primeira temporada já tinha mostrado isso, no entanto, com a proposta de finalizar dramas românticos de Jim e Pam e de Dwight com o chefe Michael, esse artifício de potência vai preparando um percurso apoteótico para o final da temporada em meio as graças que já se conhece. 

Para isso, a entrada da direção de Paul Feig na série contribui mais para o drama sequencial. Enquanto cada vez mais há a busca por sair do The Office original, o não prestar atenção no trabalho e o como os horários são determinantes para o clima do escritório, a série vai preparando seu sequenciamento narrativo. O diretor vai exigindo mais das performances dos atores, especialmente Steve Carell, no inverter do que acontece nos episódios de costume. Michael é julgado, não pelos personagens, mas sendo o centro das atenções da fotografia. O host Michael, em certo episódio de promoção no trabalho, adora ser, de fato, o centro das atenções, quando ele deveria analisar os empregados que vão ter a atenção dele para serem bonificados. Ou seja, centralização total no Michael de maneira obrigatória cria um reverso imprevisível. 

Paul Feig dá mais ênfase a câmera e diferencia as histórias entre o que o espectador denota como secundário ou primário na trama dos episódios que dirige. Dwight e seu relacionamento amoroso com a baixinha loira como piada para Jim e Pam, que não assumem o romance na estrutura da série, as temáticas do preconceito americano após 11 de Setembro, e toda questão do chefe não poder dizer certas coisas aos empregados, enquanto eles tem seus e-mails vigiados são exemplos disso. Todas essas ideias, afinal, levam a algo intrínseco da série: não é apenas Michael, a pessoa em si, que é impertinente, pois ele é o chefe, o chefe que deveria ser real e responsável e que os empregados não querem conviver.

O engraçado é que Feig naturaliza tanto o ambiente do escritório e as relações com os empregados, que a série dá passos metalinguísticos invisíveis aos olhos do público do fator realista sempre presente: o chefe ser uma profissão incômoda, que cria tensão na básica relação de trabalho, estranhando a base cômica quando vai para o ordinário, mas sem perder o humor. Michael vai criando dupla função, se tornando o convidado/host da sitcom do The Office, em vista que Jim e Pam tem sua amizade e toda a narrativa deles nas beiradas, sendo que são a ponte realista e de gênero serial da sitcom.

E são nessas possibilidades de narrativa climática desse nova The Office que se harmonizam com as mancadas dos personagens que criam dramas esvaziantes da comédia para criar a graça do host Michael Scott, ou como a entrevistas de falso documentário com os personagens vai revelando algo a mais sobre a equipe que se trabalha. A cada episódio vai enriquecendo a série, embora não expanda seu efeito de maneira direta. Um exemplo disso é a metalinguagem implícita que o Jim revela no final do maravilhoso episódio sete chamado The Client. O jeito como a câmera se torna mais personagem e o apresentador Michael Scott começa a querer fugir da câmera, ou ser pressionado com ela, junto com o drama romântico de Jim e Pam avançando sequencialmente nos episódios pelas sitcom, tem como resolução o olharzinho de Jim e Michael no final do episódio. Vai pondo, assim, o evidente host mais interativo com sua equipe, não mais um host que se esbanja apenas para a câmera e o público do escritório esperar realisticamente reagir às besteiras do apresentador.

Apesar disso, a série volta-se para a sua raiz dorsal, mas as variedades enfatizam ela como algo em potencial criatividade e mudança do que foi a primeira temporada. Em um dos episódios mais importantes para narrativa romântica da sitcom de Jim e Pam, o tal Booze Cruise, com vários segundos sem diálogo entre os dois, é tão constrangedor e dramático quanto o host Michael Scott, sofrendo e enlouquecendo para chamar atenção como capitão do navio – bem parecido com a primeira temporada – diante da câmera, em que ela vai criando contradições dos personagens para moralizar narrativas moralmente não muito realistas. Esse episódio retoma o que Greg Daniels aprendeu com Gervais. Brincar com piadas literais para expurgar uma piada geral para a trama, como a palavra leadership que leva o escritório para aprender algo sobre liderança no barco, ou quando o episódio do aniversário de Michael é o conflito mais básico colocado em quinta potência, quando o host mais quer aparecer e a sua reação cria um temor no ambiente do episódio; lembra algo que Ricky Gervais faria com sua comédia mais ácida e dark comedy.

Mas buscando sua identidade, a série até provoca uma historiografia própria, valorizando os aspectos trabalhistas da empresa para fomentar novas dinâmicas para Michael Scott, como seu caso romântico com a Jan Levinson, uma de suas chefes em Nova Iorque, e fugas dramáticas em meio ao romance de Jim e Pan cada vez mais atritoso. Nesse sentido, Michael Scott sempre buscando ser host fica ainda mais complexo, passeando por responsabilidades que o colocam como um protagonista real e cada vez longe do chefe de piadas politicamente incorreto. Além disso, personagens como Ryan e Kelly, junto com Michael, vão colocando as beiradas do romance da sitcom em ênfase junto com a câmera do falso documentário. Se, como já foi citado, há uma relação mais harmônica dos personagens com a câmera fora o incômodo, como Kelly piscando para a câmera, e como a fotografia grava Jan Levinson com mais respeito do que os machistas planos que mostrava as pernas da personagem na primeira temporada, a fotografia também possibilita algo fatídico e tenso em imagem, chegando ao seu ápice na mesma proporção de Michael, Jim e Pam, como linhas que se cruzam num quadro audiovisual.

Sendo os três personagens principais apresentados – câmera, host e romance – na série na primeira temporada, com a segunda temporada dando mais voz a Dwight, fora seu retrospecto de puxa-saco do chefe, tendo seu romance e um drama que a câmera sempre busca na escadaria do prédio do escritório, ou tendo um episódio próprio para evidenciar a dinâmica com Michael; o fervor do episódio Conflict Resolution é Jim e Pam em meio ao caos de descobertas quando o host Michael Scott tenta ser um chefe responsável de ler as reclamações dos empregados.

Desse jeito, o preparo para o final de temporada de The Office é feito com muito esmero. Dwight cresce como personagem, e a câmera se torna personagem secundário. Após a série mostrar Michael Scott ser confrontado com a infância e sua personalidade infantil, num drama escrito por Mindy Kaling, mais uma vez roteirizando e tratando da espinha dorsal da série de maneira singela, trivial em potência na comédia, de maneira que o espaço confronta a infantilidade dos empregados com as crianças que visitam o escritório;  surge a ideia óbvia, e por isso difícil para o host da série, no qual Michael trabalha de fato nos episódios finais da segunda temporada. 

O arco de transformação desse episódio acaba por fomentar a temática da foto que une os empregados no índice de conflito como efeito da tentativa de Michael ser um chefe de verdade e resolver conflitos no lugar do personagem Toby do Recursos Humanos do escritório. A fotografia que se faz presente nesse episódio Conflict Resolution, que perpassa por todo o escritório com Michael Scott querendo resolver conflitos no auge da maturidade de métodos que ele não entende, chega num drama absurdo de extremo, e de comédia também, porque Michael quer tornar todos felizes. Mais uma vez a raiz dorsal da série.

Estranhamente, talvez, o pior episódio da segunda temporada seja o último, quando Steve Carell escreve o roteiro, valorizando muito o grande conflito do episódio em clímax sem estabelecer sequenciamento além de um gancho no romance de Jim e Pam. Cria-se, dessa forma, um final antagônico a temporada que estabelece o sequenciamento, a linguagem natural da fotografia documental e como Jim é verdadeiro host por trás de Michael quando John Krasinski vira o centro dramático. Porque, afinal, se o final é o auge é por uma cena, não a construção de uma temporada e não de um episódio final.

Por fim, a segunda temporada se regula com muita frutificação, em que o maravilhoso desenvolvimento é a quebra de expectativa metalinguística dentro da dinâmica gritada por Michael: “eles não trabalham quando não estou aqui”. Disso, Greg Daniels, o showrunner, em vez de apenas dar fagulhas de compreender qual série queria trabalhou com uma equipe de diretores Paul Feig, Kwapis e os roteiristas Mindy Kaling e B.J. Novak que confrontaram uma unidade direcionada por Daniels para criar uma identidade no processo.

The Office, nessa segunda temporada, não apenas tem um roteiro apurado como um trato da imagem e da ambientação também, ou saída dela do foco, numa montagem paralela, criando um efeito de quentinho de sitcom, com a história contada de episódio a episodio, ao mesmo tempo que tem resoluções imperfeitas e realistas. É como o tedioso lugar que Jim fala: “…que trabalharei anos e anos”. E mesmo que se queira sair do tédio surge o absurdo de como sair dele, não tédio dentro desse mesmo lugar tedioso.

The Office – 2ª Temporada (The Office, EUA, 2005 – 2006)
Criação: Greg Daniels, Ricky Gervais, Stephen Merchant.
Direção: Ken Kwapis, Ken Whittingham, Bryan Gordon, Greg Daniels, Amy Heckerling, Charles McDougall, Paul Feig, Dennie Gordon, Victor Nelli Jr., Charles McDougall.
Roteiro: Greg Daniels, B.J. Novak, Mindy Kaling, Paul Lieberstein, Michael Schur, Gene Stupnitsky, Lee Eisenberg, Larry Wilmore, Jennifer Celotta, Steve Carell
Elenco: Rainn Wilson, Steve Carell, John Krasinski, Jenna Fischer, Mindy Kaling, Leslie David Baker, Brian Baumgartner, Angela Kinsey, Kate Flannery, Phillys Smith, Creed Bratton, Oscar Nuñez, B,J Novak, Craig Robinson, Paul Lieberstein, Melora Hardin, David Denman, Nancy Carell, David Koechner, Robert R. Shafer
Duração: 23 minutos (em média) cada episódio – 22 episódios na temporada.

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