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Crítica | The Old Guard

por Ritter Fan
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A sul-africana Charlize Theron é uma das atrizes hollywoodianas que mais tem conseguido equilibrar papeis que exigem grande profundidade dramática com outros que a colocam como heroína de ação em franquias de “pancadaria, tiro e bomba”. Já tendo abocanhado o Oscar e o Globo de Ouro de Melhor Atriz por sua transformadora performance em Monster: Desejo Assassino e concorrido a esses e outros prêmios diversas outras vezes, ela não se esquiva de construir papeis icônicos em Prometheus, Mad Max: Estrada da Fúria e até mesmo em completas bobagens como Branca de Neve e o Caçador e Velozes e Furiosos. The Old Guard é sua mais recente empreitada e ela mais uma vez brilha.

Baseado em HQ homônima da Image Comics escrita por Greg Rucka e desenhada por Leandro Fernández, o filme coloca Theron como Andrômaca de Cítia – ou Andy, para facilitar – uma guerreira imortal que lidera uma equipe de outros três imortais que se conectaram ao longo de séculos e que passam a ser caçados por um bilionário que quer descobrir seus segredos de longevidade ao mesmo tempo em que descobrem a existência de mais uma imortal, Nile Freeman (KiKi Layne), uma soldada americana. É, mal comparando, Highlander – O Guerreiro Imortal (sem as cabeças decepadas) no século XXI, com um mundo “menor” em que pessoas que nunca mudam a fisionomia ao longo das décadas passam a ser mais detectáveis pela onipresença da tecnologia e da redução da privacidade.

Em uma escolha rara e em tese perigosa pela falta de distanciamento do material fonte e de habilidade, é o próprio Rucka quem escreve o roteiro em seu primeiro trabalho nessa cadeira. E o excelente escritor de quadrinhos americano mostra tino também no lado cinematográfico, construindo uma história engajante que não só se mantém muito próxima ao primeiro arco de sua criação, como ele acrescenta elementos que tornam a história ainda mais redonda, emprestando função – mas não explicação – aos “poderes” dos cinco imortais e um episódio no passado de Andy que revela, graficamente, o quanto esse dom pode ser uma terrível maldição e que desavergonhadamente também serve para criar um cliffhanger que torna este potencialmente o começo de uma franquia.

Apesar de a violência e pancadaria serem o atrativo macro do filme, há cuidado para que tudo haja contexto, assim como em Atômica, da própria Theron (e também baseada em HQ, vale lembrar). O que era a Guerra Fria e a queda do muro de Berlim, agora se torna a ambição desmedida, boas intenções que rapidamente se tornam graves erros e, claro, uma discussão sobre o que é ser imortal e todas as consequências disso. Entre flashbacks e alguns textos expositivos que Rucka consegue manter ao mínimo na maioria do tempo, a imortalidade dos veteranos Andy, Booker (Matthias Schoenaerts), Joe (Marwan Kenzari) e Nicki (Luca Marinelli) ganha relevância e contraste em relação à de Nile, desesperada para entender o que está acontecendo e o que fazer. Da mesma maneira, Copley (Chiwetel Ejiofor), como ex-agente da CIA que, trabalhando solo, recontrata a equipe para uma operação de resgate no Sudão do Sul, ganha nuanças e propósito, ainda que seu papel permaneça subdesenvolvido.

O lado realmente vilanesco, porém, é caricato ao extremo. O industrial bilionário Merrick (Harry Melling) não é mais do que uma caricatura unidimensional ambulante que só faltava se vestir de preto e esfregar as mãos, ocasionalmente soltando risadas histéricas. Tudo o que Rucka inseriu de nuança em Copley ele tirou de Merrick e de seus capangas, estabelecendo-os, apenas, como aquele grupo de pessoas que todo espectador torcerá para ser trucidado com requintes de crueldade. E, é claro, é exatamente isso que acontece como nem o mais inocente fã de filme de ação duvidaria por sequer um segundo.

A ação é muito bem conduzida por Gina Prince-Bythewood (Além dos Limites, A Vida Secreta das Abelhas), que sabe trabalhar com explosões e pancadaria sem exagerar demais e sem desnortear o espectador. Ao contrário, ela faz o máximo para privilegiar a compreensão da ação vertiginosa com takes mais longos e uma decupagem inteligente que chama atenção para o trabalho dos atores e dublês. Aliás, nesse ponto, vale especial destaque para a qualidade das coreografias de lutas que muitas vezes me lembraram o gun kata de Equilibrium que mescla muito bem o uso de armas de fogo com artes marciais que, em The Old Guard, também ganha a companhia de armas brancas com o machado arredondado e de dois gumes de Andy sendo o ponto alto.

Em termos dramáticos, Theron rouba todas as cenas. Sua Andy tem, constantemente, um ar melancólico, algo que permanece mesmo quando ela participa de momentos alegres (que são poucos, admito) ou em meio à ação desenfreada. Com isso, a atriz consegue personificar a bagagem pesada e eterna da imortalidade de sua personagem, colocando-a por sobre seus ombros como um veneno que aos poucos a corrói por dentro. Mesmo que seus três colegas de profissão que vivem os demais imortais mais antigos não façam feio, a grande verdade é que eles simplesmente não têm tempo de tela suficiente para além de alguns momentos de efeito como Joe explicando sua relação com Nicky para os brutamontes de Merrick. Todo o tempo “extra” é empregado com Nile, que funciona como a “entrada” do espectador nesse mundo estranho, triste, mas fascinante, com Layne absorvendo e convencendo bem com seu papel que a transforma de soldada assustada em guerreira imortal.

The Old Guard é diversão de qualidade que sabe mesclar drama com pancadaria, beneficiando-se muito do talento de Charlize Theron, algo que realmente faz diferença aqui. É descerebrado quando precisa ser, ou seja, a maioria do tempo, mas profundo por alguns minutos e ao todo tempo tirando o máximo proveito de seu elenco e de roteiro e direção bem pensados e não simplesmente jogando tudo diante da câmera para extrair alguns segundos efêmeros de excitação dos espectadores.

The Old Guard (EUA – 10 de julho de 2020)
Direção: Gina Prince-Bythewood
Roteiro: Greg Rucka (baseado em HQ de Greg Rucka e Leandro Fernandez)
Elenco: Charlize Theron, KiKi Layne, Matthias Schoenaerts, Marwan Kenzari, Luca Marinelli, Chiwetel Ejiofor, Harry Melling, Van Veronica Ngo, Natacha Karam, Mette Towley, Anamaria Marinca, Micheal Ward, Shala Nyx, Majid Essaidi, Joey Ansah, Andrei Zayats, Olivia Ross
Disponibilidade no Brasil: Netflix
Duração: 118 min.

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