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Crítica | Vigiados (The Rental, 2020)

por Iann Jeliel
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The Rental

Podemos dividir hoje o terror em duas grandes vertentes simbolicamente representadas pelas duas produtoras que mais investem no gênero nos últimos anos: a Blumhouse e a A24. Cada uma em sua particularidade vem oferecendo enorme poderio de distribuição para as produções de baixo orçamento, bem encorpadas dentro de uma tendência de resposta ao último grande conglomerado formulaico de representantes comerciais do terror. The Rental

Especificando melhor, esses filmes buscam subverter ou repaginar os clichês usados e abusados no ciclo recente de centenas de produções medíocres do rotulado terror sobrenatural de “susto”. A A24 vem fazendo isso através de uma abordagem mais sugestiva, psicológica, geralmente acompanhada de representações metafóricas ou uma preocupação dramática mais escancarada, enquanto a Blumhouse já abraça mais as características tradicionais – embora ainda voltada para o psicológico – e tenta modificá-las ou executá-las de algum modo mais inventivo e moderno.

Eis que Dave Franco, irmão de James Franco, decide aproveitar toda essa onda dual de produções em massa do gênero e arrisca o seu primeiro tiro como diretor, buscando misturar e experimentar um pouco de cada gosto. The Rental pode ser exatamente subdividido entre dois blocos rigorosamente seguidos conforme a descrição anteriormente mencionada, e tem seu charme na convergência dessas distintas abordagens na coerência da transição, embora, infelizmente, no percurso, um abaixe as calças do outro. Em suma, cada bloco funciona bem em separado, são devidamente bem conectados, mas no fim das amarras, a sensação é que dava para ir mais a fundo na construção de ambos os lados.

Vamos por partes, iniciando na proposta mais dramática que tange praticamente à primeira hora de filme. Para quem vai sem nem saber a sinopse (o que é aconselhável), a incerteza da ameaça é o principal fator de composição atmosférica do filme, enquanto na primeira camada ele vai gastando energia articulando o desenvolvimento dos personagens e nas interligações entre aquelas relações, pelo menos as fundamentais para fornecer o material de tensão posterior. As interações individuais de cada casal fornecem espelhamentos motivacionais que sugerem um panorama de ações quando eles são misturados em cena, desse modo é implantada a primeira de várias dúvidas de onde pode surgir o estopim climático. Até lá, o roteiro se garante apostando tanto tempo no corriqueiro para gerar empatia àquelas pessoas e não as tornar vítimas gratuitas do que quer que seja a ameaça para colocar o filme dentro do terror.

Não há o menor pudor em segurar o máximo essa inquietação, basicamente todas as pistas são usadas para somente uma delas fechar na virada do sugestivo ao explícito. As outras são desvios criativos interessantíssimos para brincar com o nosso senso de desnorteamento. Em suma, alimenta-se o temor do desconhecido na atmosfera para quando a forma física da ameaça aparecer sem uma grande rede de compreensão motivacional, o sentimento de angústia persista. Aliando isso ao fato de nos importarmos com os personagens, a transição para o slasher estava devidamente aceita em nosso inconsciente, e Franco tem uma noção de limite até onde sua construção visual é efetiva, e então se entrega à escatologia, mas a filma de modo elegante tal como vinha conduzindo toda a elaboração do suspense para chegar até ali.

O grande problema está no pós-efeito da mágica, por isso ir seco nesse filme faz tanta diferença. Ao desvendar que a construção não passa de uma grande emulação, esse trecho – apesar de ter colocado os personagens em grau de importância – torna-se um tanto irrelevante considerando as consequências que irá adotar. Se, por exemplo, o filme admitisse mais cedo o processo ao invés de fazer mistério com ele, teria uma boa abertura para dimensionar melhor os elementos clichês que insere e não aproveita, como o fator “diversão” de jovens que estão indo a um local de caça de um assassino, o sequenciamento de mortes, a final girl, dentre outros, o que é legal de estar presente de um modo mais denso e elaborado, mas passa rápido demais.

Assim como o tom realista nunca pode se admitir completamente como tal, porque perderia o fio da meada na transição, ficando por alto e se artificializando com o fechamento do anterior, que também não se entrega totalmente ao exagero por seguir a coerência do raciocínio que levantou inicialmente. Portanto, retomo a falar que o processo é bem elaborado pelo cineasta, mas talvez por uma insegurança e inexperiência inicial, suas experimentações se fecham dentro de um limite de organização um tanto limitador e confortável ao potencial que o próprio oferece com as ferramentas que apresenta, aparentemente com um exímio conhecimento das duas grandes vertentes que o inspira. Ainda assim, é uma estreia promissora, sensorialmente eficaz, embora bem carente de conteúdo prático.

The Rental (Idem | EUA, 2020)
Direção: Dave Franco
Roteiro: Dave Franco, Joe Swanberg, Mike Demski
Elenco:
Dan Stevens, Jeremy Allen White, Alison Brie, Sheila Vand, Toby Huss, Connie Wellman
Duração: 88 minutos.

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