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Crítica | The Skywalker Legacy

por Davi Lima
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Skywalker

Bem mais do que um making off bem traduzido num documentário, a diretora Debs Paterson compreende, em sua obra documental, por trás do longa-metragem A Ascensão Skywalker, não apenas o projeto do diretor J.J. Abrams, e as produtoras Kathleen Kennedy e Michelle Rejwan, mas como qual legado abrangente demais e justificado demais fez com que o Episódio XI da franquia Star Wars fosse do último filme da saga ao efêmero full circle nostálgico da família Skywalker que tanto a produção almejava.

O esqueleto narrativo que a diretora Debs forma para seu documentário, incluindo as imagens de arquivo dos primeiros filmes de Star Wars, entre 1976 e 1982, é uma mistura de linearidade com as cenas dos períodos de gravação do novo filme da saga documentado com o alinhamento paralelo delas à narrativa do roteiro do mesmo novo filme da saga. Junto a esse material documentado, há as recapitulações de 2014 no estúdio britânico Pinewood para a preparação de O Despertar da Força, e toda a ilustração da memória dos atores e técnicos de produção. Logo, revelar a primeira cena do documentário com os fãs de Star Wars chegando de San Diego para verem as gravações na época do filme O Retorno de Jedi representa o objetivo de J.J Abrams para sua direção do filme, ou que a diretora busca alinhar na montagem. O que antes era o meio, os filmes para se adentrar no universo da space opera, se torna conclusão para qualquer obra de Star Wars na mente do diretor na organização da sua equipe: estar no legado. Não basta participar no processo, é preciso tornar isso o fim, a ideia de tornar as cenas práticas, o uso de fantoches e o trabalho de figurantes ser a linha narrativa familiar de uma obra que deveria ser imersiva, como qualquer obra audiovisual anseia em ser naturalmente.

Essa instintividade artística de J.J Abrams não se consta apenas no que a diretora Debs quer contar para seu documentário como legado da soap opera Skywalker, seja do filme A Ascensão Skywalker como efeito do legado, seja como resultado do legado, ou como o documentário argumenta sobre o espírito da produção. A veia do diretor se revela no que parece mais importante de administrar o que o roteirista Chris Terrio e Michelle Rejwan transitam com entrevistas na montagem do documentário ao explicar as propostas do próprio J.J, tendo em vista que Michelle muito o conhece, desde Missão Impossível III (2006), e Chris é a fonte da referência escrita adaptativa de hollywood, no conceito mais específico do termo “adaptação”. Os ditos nas entrevistas falam-se de resgate de ideias do filme O Despertar da Força, de desenvolvimento familiar como centro narrativo fundamental, de falas do C-3PO que remetem Star Wars (1977), e a magia puramente visual de construir; não de necessariamente mostrar narrativamente, as referências do Imperador com o ator Ian McDiarmid e a Estrela da Morte. 

A diretora Debs capta a empolgação ativa de J.J com o mais nostálgico e mais passividade dele diante de questões mais intensas de um blockbuster, como cenas de ação feita por uma outra diretora como segunda unidade chamada Victoria Mahoney, nos planejamentos inclusivos sociais de figurantes na Jordânia, ou a construção referencial do planeta Kijimi aos filmes do diretor Akira Kurosawa. No que tange a missão do documentário ser efetivo em seu caráter making off imersivo da produção fã feita por amor a Star Wars, mostra também o estilo de J.J Abrams, que limita seus filmes na praticidade do set de filmagens harmonioso em emoção de se trabalhar, mas não necessariamente objetivo a trazer uma história coesa para as telas. 

Assim, a diretora Debs, em seu propósito de retratar o legado do último filme como representativo da posição dos fãs de verem a gravação do O Retorno de Jedi, do personagem Luke Skywalker (o ator Mark Hamill) nas filmagens, ou de sentirem no planeta ficcional da saga de filmes chamado Tatooine, expõe também a figura de chefe do parque de diversões que J.J. Abrams se tornou. Como um blockbuster recheado de áreas técnicas para se administrar, desde o continuísta das cenas ao preparador dos alienígenas em bonecos com efeitos especiais práticos, o diretor trata seu set de filmagens como uma ONG, como se quisesse apoiar cada ideia que qualquer técnico amasse de Star Wars. Isso, por um lado, anima, criando a situação familiar que a produtora Kathleen Kennedy se vangloria. Até mesmo a diretora Debs Paterson enfatiza na inclusão, na montagem do documentário, vídeos de arquivo do criador da saga George Lucas comentando o mesmo tema da produtora como argumento de coerência para a fidelidade no set de filmagens, com esse mesmo espírito antigo dos primeiros filmes de Star Wars. Por outro lado transmite a desorganização e falta de um piloto num barco heterogêneo demais para uma afunilação de nove filmes da franquia que não seja apenas um “tchauzinho” simbólico de uma franquia que nunca vai, de fato, embora. 

Chega ao ponto que, no documentário, a gravação das cenas do personagem Babu Frik e toda a construção do personagem, assim como todo o desenvolvimento do andróide de protocolo C-3PO como o “tchau” rebuscado dentro do filme A Ascensão Skywalker, brilham os olhos do diretor J.J Abrams e do roteirista Chris Terrio, respectivamente. Enquanto J.J não segura as gargalhadas na gravação da cena em que Babu Frik evidencia, mais uma vez, que o Episódio IX é o fim de nove filmes, Terrio explicando suas mudanças de roteiro que conseguiu fazer com a ajuda do ator Anthony Daniels (que interpreta por baixo da lataria o andróide C-3PO) mostra toda a sua auto-exaltação de conseguir, no último filme, a ponta narrativa mais evidente de um personagem importante para a saga nostalgicamente acabar falando com o público uma despedida.

Em meio a essa aparente desorganização, ou falta de unidade de ideias, é, na verdade, o trunfo discursivo de organização esclarecedora em como a diretora Debs consegue unir todo o making off do novo filme da saga com cenas do making off dos antigos filmes, em uma transição de legado muito melhor que A Ascensão Skywalker consegue com a sua organização para transpor tal ideia em tela. Isso também se deve à estruturação linear do documentário, paralela com a linha narrativa do filme que se comenta, como já dito, tornando o real filme de J.J. Abrams efetivo em seu parque por trás das câmeras, não na criação artística da pintura gravada chamada Star Wars. Dessa forma, todo o esforço de fazer a personagem Leia, após a morte da atriz Carrie Fisher, que limitou a gravação de novas cenas, é o presente temporal da produção, que no começo do documentário evidencia a obsessão pela trilogia legado de Star Wars, motivando criatividade de fazer novas cenas com as remanescentes da atriz, mas fisgando nos set de filmagens como a narrativa do novo filme buscava o inalcançável que o cinema permite quando se compreende a construção prática de uma perda. Logo, o final com o choro de J.J e Daisy Ridley ao falar que Rey é Skywalker dentro do documentário faz muito mais sentido, pois na realidade de um making off, quando se compreende todo o fazer, a nomeação nem importa, e sim a gravação elementar, o contexto desértico de se grava in locu e o entendimento de produzir o filme, ator e diretor, não a ideia obsessiva de volta à origem de Star Wars em 1977, ou algo parecido, até porque é uma recriação da casa de Luke Skywalker

Se no documentário isso soa natural por tornar a fã Rey do Episódio 7 em Skywalker no Episódio 9, o transpassar isso para os cinemas depende muito mais de um cursor “nonalógico” do que da emoção de set. Tudo que é usado de cenas de arquivo do making off da Trilogia Primária de Star Wars pela diretora Debs nunca representa algo de fato paralelo ao contexto que anseia ser o legado do set de Star Wars como deve ser. O recorte, tanto da diretora com esses arquivos quanto para o documentário como um todo, mostra que a frase de Rey, no filme, dizer “Eu sou todos os Jedi” é como se o projeto A Ascensão Skywalker fosse o coletivo máximo de cada técnico e assistente de direção.

Ou seja, não há full circle nenhum, é sempre uma aparência de que voltar a Tatooine é o encerramento perfeito, a nostalgia suprema. Quando o documentário mostra que o ator Anthony Daniels em sua fala de “adeus”, como ele mesmo parece falar no filme como C-3PO no filme, ou como John Williams é usado como cameo no A Ascensão Skywalker em uma cena cheia de referências de suas indicações ao Oscar por trilha sonora, mostra que J.J. estava sempre no piloto do roteirista Terrio e a produtora Michelle, enquanto Kathleen Kennedy só fotografa seus momentos no seu celular. A submissão, ou coprodução, que John Williams ativa em sua pergunta quanto a sua trilha estar boa, ou não, é tratada como humildade por ele ser um grande compositor, sendo que essa mesma pergunta faz parte de alguém interessado em unir visões criativas, não apenas ser reverenciado como humilde. Da mesma forma, a recriação de cenários nunca é questionada quanto à artificialidade do legado, nem mesmo se serve à narrativa. Um supervisor de cenário cita como uma caverna simboliza a mente, segundo a ideia de J.J, da mesma forma uma adaga é escolhida para a história em relação a um pergaminho por ser legal, nada mais. Por isso, essa ideia idólatra do passado retomado fica no set e fraciona A Ascensão Skywalker em referências aventurescas que nunca alcançam o desejo de permanecer no universo por mais de 2h. Kathleen Kennedy até passa essa ideia, como tudo acaba no set, mas fora essa fala dela, se continua podendo viver em Star Wars, com novos filmes e novas histórias.

Por fim, o documentário se sustenta por evidenciar a ideia de A Ascensão Skywalker e tomar para si, como o recorte da diretora. Enquanto isso, o filme ficcional se torna o legado falso de que o final é um ciclo, em que falta ao diretor J.J. Abrams toda a compreensão que legado se baseia em progressividade simultânea com o que é deixado de inspiração, não um círculo que busca voltar ao mesmo ponto que foi deixado pelo personagem Luke Skywalker; que nem mesmo Leia Organa, tão relevante para a inspiração do filme em presença da atriz, conhecia em Tatooine. O lugar, o espaço, representam o passado de aprendizado doloroso, não nostálgico. Circular, mas reverso, talvez seja a trajetória do personagem Kylo Ren que em poucas palavras tanto Harrison Ford (o ator famoso que fez o personagem Han Solo que é pai de Kylo Ren) como Adam Driver (o ator que interpretou Kylo Ren) sabem explicar o quão efetivo é, bem diferente dos adjetivos empolgados e ao mesmo tempo vazios além das individualidades do set sobre o propósito de ciclo completo. Porque quando se chega no mesmo ponto, aquele mesmo ponto não vale mais nada fora do espectro da memória. Disso surge um dos filmes mais esquecíveis da franquia Star Wars, não necessariamente o pior.

The Skywalker Legacy (The Skywalker Legacy) – EUA, 2020
Direção: Debs Paterson
Roteiro: Debs Paterson
Elenco: J.J. Abrams, Naomi Ackie, John Boyega, Anthony Daniels, Adam Driver, TJ Falls, Harrison Ford, Domhnall Gleeson, Richard E. Grant, Roger Guyett, Mark Hamill
Duração: 126 min.

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