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Crítica | The Terror – 1X03: The Ladder

por Ritter Fan
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  • spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios e, aqui, a crítica do livro. 

The Ladder escancara aquilo que havia ficado nas entrelinhas nos dois primeiro episódios da série: o antagonismo entre os capitães. E não falo aqui, necessariamente, de suas posições contrárias em relação ao que fazer diante da terrível situação em que se encontram, mas sim de suas incompatibilidades mais profundas, de origem, bem anteriores à Expedição Franklin.

Sir John é o típico aristocrata britânico e sua liderança da expedição ao ártico é muito mais um cargo para ele restabelecer-se diante de seus pares do que algo que ele realmente tenha querido fazer. Ele mesmo reconhece que nunca será o marinheiro que Crozier é e os breves momentos em flashback na Academia Naval Britânica (ou algo do gênero) já estabelecem muito claramente as dúvidas sobre ele e sobre sua missão como um todo. Portanto, falhar não é um hipótese que sequer entre na cabeça dele e qualquer sugestão que tenha o semblante de negatividade jamais passaria por seu crivo. E Crozier sabia disso ao sugerir enviar um grupo de oito marinheiros para tentar facilitar um futuro resgate.

No entanto, ele simplesmente tinha que sugerir algo assim, mesmo esperando a negativa e mesmo diante de sua decisão (prévia, obviamente) de desobedecer as ordens mesmo assim. O embate verbal que se sucede entre os dois é cruel para Crozier, já que Sir John usa as fraquezas do capitão do Terror, notadamente seu alcoolismo, para literalmente destruí-lo psicologicamente, soterrá-lo diante da audácia de sugerir algo tão derrotista assim. Mas o antagonismo a Crozier vem também de sua origem, por ser irlandês e, portanto, automaticamente, um ser inferior diante da aristocracia “pura” britânica. Com isso, até mesmo a previsão original de Crozier de que eles ficariam presos no gelo em um inverno rigoroso é colocada de lado por um orgulhoso e inamovível Sir John, que glosa o fato de que eles não estariam presos ali se a estratégia “ou tudo ou nada” de Crozier tivesse sido seguida e desdenha do tal “inverno rigoroso”. Mas o mais curioso é que Sir John não está exatamente errado, pelo menos não sob seu próprio ponto de vista. Ele quer, a todo custo, alcançar a Passagem Noroeste e ele não consegue sequer processar a palavra fracasso em sua mente. Sim, é orgulho. Sim, é o que marca o começo de sua queda, mas é também o que faz dele quem ele é.

É raro encontrar uma série ou mesmo filme de terror que tenha tanto apego a seus personagens, construindo-os cuidadosamente mesmo que seja para eliminá-los impiedosamente já na sequência seguinte. De um lado, temos um capitão quebrado, mas que sabemos que está certo e, do outro, um capitão altivo, mas que sabemos que está estrategicamente equivocado. E esse conflito estende-se para os oficiais logo abaixo dos dois, com o comandante James Fitzjames sendo o mais vocal deles e também para os demais nos decks inferiores, algo que fica muito bem estabelecido no breve “conflito entre cozinheiros” sobre as latas de comida que, segundo um deles, parecem estar estragando mais rápido do que o previsto e, segundo o outro, mais confiante (mais Sir John…), não haveria nada de errado com elas.  A carta de demissão de Crozier é um toque melancólico e muito bem inserido na narrativa e que obviamente será usada contra ele em algum momento já que o invejoso Cornelius Hickey é visto com ela ao final.

Aliás, Hickey é a encarnação do ódio desmedido em relação a seus superiores ou qualquer um que o contrarie. Seu embate primeiro com o tenente John Irving, que o pegara no flagra em ato de “sodomia”, revela não só o preconceito religioso zelota dos oficiais em relação a qualquer coisa não considera natural ou até dentro das regras da Marinha Britânica. Por outro lado, Hickey não parece fazer o que faz por amor ou opção sexual, mas sim para ter uma medida de controle, demonstrando que o que ele quer é o que os oficiais têm: comando. Quando esse seu comando é quebrado por John Irving e, em seguida, por William Gibson, seu amante que o rejeita veemente, vemos o verdadeiro Hickey, um homem pequeno, mesquinho e vingativo. Como se não bastassem os marinheiros estarem presos no gelo há oito meses e com um monstro à espreita, eles ainda precisam lidar com um dos seus movidos a sentimentos inconciliáveis que, muito claramente, só trarão discórdia.

Sei que me esquivei de abordar a sequência principal de The Ladder, mas foi de propósito. Ela precisava ficar aqui no final da crítica, por ser o fim de Sir John Franklin e da participação de Ciarán Hinds na série (salvo algum flashback, claro) em franco contraste com sua performance excepcional na sequência em que confronta Crozier. Sua presença reconfortante na trincheira feita para matar ou capturar a misteriosa e letal criatura é, desde seus primeiros segundos, um alerta para o espectador de que algo muito ruim acontecerá. Há toda uma lenta construção da sequência, com o bonachão e sempre otimista Sir John chegando para oferecer bebida a seus leais soldados, algo que ele faz muito bem exatamente por não ter maiores preocupações que não sua própria reputação. Quando a ataque vem, ele é rápido em deixar tanto as vítimas quanto os espectadores completamente desnorteados. A criatura nunca é vista claramente – e é melhor que seja assim, pois ela é quase a personificação da própria natureza – e, quando Sir John está quase alcançando o que poderia ser sua salvação, vem o coup de grâce com base nas pistas visuais do começo do episódio em que vemos os marinheiros retirando ossos esculpidos na forma da criatura e de um homem sem pernas do esquimó morto.

Quando a câmera se aproxima de Sir John ferido, mas sem ele e nós sabermos a extensão dos ferimentos, a montagem, a partir de seu ponto de vista, é intercalada com sequências de volta ao prédio da Marinha Real muito bem representando sua personalidade. Mas o horror vem de verdade quando o vemos sem as pernas, ainda tentando fugir, somente para ser arremessado no mesmo buraco cavado a fogo pela tripulação, ironicamente queimando-o e, em seguida, afogando-o no oceano gelado. É uma sequência desnorteadora, mas muito bem executada, com o melhor uso do contraste entre a queima lenta que é marca da série (e do livro) com um frenesi de ação de tirar o fôlego e deixar qualquer um boquiaberto.

E sim, agora o relutante e demissionário Crozier é o capitão geral da expedição, algo que ele estabelece imediatamente após a terrível morte ao colocar em movimento o plano que inicialmente sugerira a Sir John. É, ao mesmo tempo, um ato de desafio e de ratificação de sua posição especialmente diante de um Fitzjames ainda em choque e que promete a continuidade do conflito humano entre navios.

The Ladder é lento, mas incisivo em suas colocações. Ele separa muito claramente os capitães e, depois, reúne as duas tripulações debaixo de Crozier, um homem que não exatamente quer esse papel, mas que é obrigado a vivê-lo. O futuro é negro na branquidão do Ártico.

The Terror – 1X03: The Ladder (EUA – 02 de abril de 2018)
Desenvolvimento: David Kajganich (baseado em romance de Dan Simmons)
Showrunners: David Kajganich, Soo Hugh
Direção: Sergio Mimica-Gezzan
Roteiro: Gina Welch
Elenco: Jared Harris, Tobias Menzies, Ciarán Hinds, Paul Ready, Ian Hart, Adam Nagaitis, Edward Ashley, Matthew McNulty, Christos Lawton, Liam Garrigan, Ronan Raftery, Nive Nielsen, Tom Weston-Jones
Duração: 46 min.

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