O prosseguimento de uma série como The Umbrella Academy exige, antes de mais nada, uma inteligente maneira de reinventar-se. Este é o tipo de show que já possui uma identidade muito forte, uma vez que sua fonte, nos quadrinhos, tem de sobra essa característica, e é este ponto de partida que coloca um grande peso nas costas da adaptação. E como sempre, nesse Universo, as coisas giram em torno do apocalipse.
Esta 2ª Temporada começa exatamente do ponto em que terminamos no ano anterior, ou seja, com Five (Aidan Gallagher) transportando os irmãos para um outro tempo e espaço, com o intuito de fugir da destruição do mundo causada por Vanya (Elliot Page), cuja construção e desenvolvimento ganha novas cores neste segundo ano, inclusive virando a chave de sua classificação pura e simples como a ‘vilã da família’, escolha arriscada, mas que os roteiros conseguem abordar de forma inteligente dentro daquilo que este ano do show também propõe: uma jornada de libertação, tardio amadurecimento e novas interações para o grupo.
Espalhados em anos diferentes pela mesma cidade, os membros da Umbrella Academy se veem em uma situação inicialmente desesperadora, mas diante da qual não possuem nenhuma alternativa: eles precisam integrar-se a esse novo tempo se querem viver. E claro, é nessa integração que novos laços e novos conflitos surgem, todos eles tendo como um fio da meada algum problema íntimo, desde conflitos de identidade, com autoridade e personalidade, até a constante necessidade de reafirmação de cada um dos irmãos, que em sua teimosia e planos malucos compartilham, sem perceber, o amor que sentem, mesmo que esse amor seja demonstrado de forma nada usual.
O caráter de “família disfuncional” que pontuou a 1ª Temporada é levemente deixado de lado, mas não porque os Hargreeves foram magicamente redimidos. Aliás, este é o ponto da temporada. Utilizar de uma das facilidades do show, a viagem no tempo… para dar tempo a cada um deles. Tempo para que possam lidar com seus demônios. Tempo para pensar e para olhar o mundo de uma outra forma; facilidade que o roteiro aproveita muito bem nos primeiros episódios, entregando-nos crônicas da vida de cada um, sobre como se ajustaram nesse novo mundo, o que conquistaram de verdadeiramente importante e o que podem perder quando a maldição do apocalipse mais uma vez reunir a família. E se esta acaba sendo uma boa linha condicional em parte da temporada, termina sendo igualmente um de seus pontos problemáticos na segunda metade.
O encontro e as querelas entre os irmãos, a ascensão da Gestora (Kate Walsh) e o desenvolvimento de Lila (Ritu Arya) são elementos desse ano que funcionam muito bem durante todo o tempo, contando com um tratamento dramático adequado a cada arco fraterno – em dupla, trio ou grupo –, arcos com música marcante, alguns passinhos de dança (senti falta de um momento que fizesse todos — e não apenas alguns deles — dançarem ao mesmo tempo, como ocorreu na temporada passada), momentos cômicos, emocionantes ou de realização. Vale ainda dizer que o elenco segue como um grande atrativo do show, com todos dominando de forma aplaudível os seus personagens, inclusive Ben (Justin H. Min), que tem muito mais espaço nessa segunda temporada, ganhando um digno e emocionante final. Infelizmente esses bons elementos não se repetem no restante dos arcos que a temporada desenvolve.
Por mais que os arcos individuais sirvam para discutir uma porção de assuntos relevantes (racismo, violência policial, homofobia, machismo, exploração de trabalho e ainda questões psicológicas e de desenvolvimento neurológico) o tratamento para esses núcleos de “vida que segue” acaba sendo bastante problemático no fim, exceto, talvez, o de Kalus (Robert Sheehan)… e o de Luther (Tom Hopper), que na verdade é o mais simples e orgânico deles, por isso a quebra conseguiu ser mais rápida e coesa. No caso do núcleo de Vanya, existe algo que nos acostuma melhor àquele espaço, porque é lá que um dos grandes momentos da temporada acontece e ainda temos a presença de Harlam (alguma ligação com a Sparrow Academy?), que desenvolve os seus poderes. Todavia, tanto a segunda metade do drama pessoal na fazenda quanto a despedida na casa de Allison (Emmy Raver-Lampman) acabaram tendo seus problemas de fluidez e coerência narrativa, o que possivelmente tem a ver com a insistência do roteiro em “ir e voltar” nas decisões, dando a impressão de um ciclo que se quebra, mas não se quebra de verdade; ida e volta que serve apenas para estender os episódios, sem torná-los melhores. Esse caminho, infelizmente, também é utilizado na exploração dos vilões.
Um dos temas que funcionam até quase o final é o do apocalipse nuclear causado pela guerra entre os EUA e a URSS, ou seja, a realização do grande medo da Guerra Fria. No fim das contas, esse tema central acaba sendo quase um McGuffin, já que o verdadeiro foco da temporada é explorar a maturidade e as novas experiências dos Hargreeves, além de sua capacidade de integração e respeito por si próprios, lidando com os problemas paternos e as manias de cada um no meio do caminho. É uma boa reinvenção, mas por não estar integrada a uma linha sólida de ações, dá a impressão de “monstro da semana”, o que é um problema ainda maior para uma série lançada nesse tipo de formato. Se esses caminhos paralelos fossem, do início ao fim, ligados a um único objetivo, o foco da temporada estaria a salvo, já que tudo convergia para ele. Isto, porém, não é o que ocorre.
Com mais quebras narrativas que o necessário, nossa atenção está o tempo inteiro sendo dispersada, jogada para cima de um clímax e reajustada em outro drama com resolução às vezes tão desinteressante quanto o seu desenvolvimento (Os Suecos). Se há algo positivo nisso é que o espectador tem coisa de sobra para prestar atenção, mas ao mesmo tempo tem que lidar com eventos que parecem constar na temporada apenas para um choque rápido ou para adicionar mais um entre dezenas de outros obstáculos ao grupo. Não chega a ser ruim, mas termina por enfraquecer o potencial de um bom número de eventos, principalmente o do apocalipse (de novo, na reta final) e o da volta para 2019, que acabou sendo uma obrigação cronológica a fim de corrigir “o apocalipse do apocalipse“.
Agora com a Sparrow Academy em cena é possível que a próxima temporada direcione sua atenção para um grande tema, trabalhando-o a contento, em vez de colar pedaços de crônicas esparsas a uma pouco desenvolvida linha principal. The Umbrella Academy segue sendo um bom show. Só espero que os showrunners deixem de lado a ambição de querer contar zilhões de histórias em um único ano e tenham maior foco no desenvolvimento da próxima saga. Se houver uma próxima.
The Umbrella Academy (EUA, 31 de julho de 2020)
Direção: Sylvain White, Stephen Surjik, Tom Verica, Ellen Kuras, Amanda Marsalis, Jeremy Webb
Roteiro: Steve Blackman, Mark Goffman, Jesse McKeown, Bronwyn Garrity, Robert Askins, Aeryn Michelle, Nikki Schiefelbein, Bronwyn Garrity
Elenco: Elliot Page, Tom Hopper, David Castañeda, Emmy Raver-Lampman, Robert Sheehan, Aidan Gallagher, Justin H. Min, Colm Feore, Jordan Claire Robbins, Kate Walsh, Adam Godley, Cameron Britton, Ritu Arya, Yusuf Gatewood, Marin Ireland, Justin Paul Kelly
Duração: 10 episódios (c. 50 min. cada um)