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Crítica | The Walking Dead – 10X12: Walk With Us

por Iann Jeliel
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Walk With Us

  • SPOILERS do episódio e da série. Leiam aqui as críticas das demais temporadas, games e HQs. E aqui, as críticas de Fear the Walking Dead.

A grande dificuldade de analisar séries como um todo é a possibilidade de tudo ser posto a perder em uma temporada (como pra mim foi o caso da última de Game of Thrones), por isso costuma-se analisá-las dentro do recorte da temporada, que mesmo bem encaminhada, também pode ser terrivelmente prejudicada por apenas um episódio, principalmente quando esse marca um momento decisivo das ações. Infelizmente, Walk With Us se enquadra nessa definição, um episódio “grande” que arrega em escala e toma escolhas no mínimo questionáveis dentro do panorama final do arco dos sussurradores, consequentemente, afeta diretamente vários bons elementos quase consolidados na temporada e não faz valer a sua construção até aqui, principalmente por parte dos três últimos singelos episódios.

O principal problema de Walk With Us começa nas vias orçamentárias. Fica difícil decifrar o motivo, mas desde meados da sétima temporada, a queda de investimento por episódio era gritante e a série se tornava cada vez mais “feia” do ponto de vista técnico, mesmo sendo naquele período, ainda com a queda de audiência, uma das séries mais lucrativas do momento. Parecia uma falta de culhões não arriscar na série em meio ao decrescente público, contudo com Angela Kang assumindo como showrunner, na prática a produção passou a correr mais riscos no roteiro, experimentando diversos métodos diferenciados para tentar conquistar novamente o telespectador, com o agravante de perda e desvio de elenco constantes para se resolver. Então, se desde a nona temporada esses riscos vêm sendo tomados, a única justificativa plausível para essa baixa grana investida seria a maior extração de lucros possível para compensar a queda de público, o que acaba sendo um tiro no pé, porque quando se pode entregar momentos de grande escala, que fizeram os picos de audiência no passado, não há investimento e eles precisam ser desviados de forma artificial e sem peso na narrativa, perdendo o pouco de público casual que ainda acompanha.

Pois bem, todo esse desabafo válido para esse período mencionado foi para começar a demonstrar a minha indignação de “A Batalha de Hilltop” não ter nem acontecido. O gancho cirúrgico de Morning Star foi absolutamente inútil, porque o Walk With Us o engole em elipse e mostra os personagens basicamente prontos para fuga e Hilltop caída em míseros cinco minutos de uma batalha (mostrada na íntegra em promo da semana) fechada em planos, e ao mesmo tempo, contemplativa em câmera lenta com fins previamente estabelecidos. Além de esvair todo o senso de temor colocado pelo episódio anterior, abusando da suspensão de descrença (como eles conseguiram sair daquela situação? Pouco importa? Não é assim, TWD…), as decisões tomadas durante o episódio orquestram arcos de forma tão protocolar que desvincula qualquer importância que eles poderiam ter.

Por exemplo, separar os personagens “pós-batalha” é algo que já foi feito na quarta temporada, depois da guerra com o governador (David Morrissey), só que dentro de um período bem mais longínquo, o que elaborava um panorama tranquilo para desenvolver os personagens e extrair o máximo do desespero por eles estarem tão distantes uns dos outros. Mesmo que o recorte aqui seja mais curto e com um destino certo, geograficamente não há qualquer sentido porque a horda gigante de zumbis que destruiu Hilltop não sumiu do nada (ou melhor, sumiu porque o roteiro “precisava”), e se houvesse o investimento necessário, ela continuaria perseguindo cada personagem ali mostrado para dar continuidade minimamente à urgência que deveria ser aquela situação. 

Tudo bem, não “houve” orçamento para fazer isso, aí sim, seria uma ótima hora de implementar uma elipse, colocando os personagens bem mais à frente e em território já próximo a Alexandria, justificando não haver zumbis por perto. Contudo, a outra forma como o roteiro tenta contornar a falta de tensão de perigo próximo, que seria a procura das crianças que em teoria fugiram com Ezequiel (Khary Payton), quebra esse raciocínio, já que ele não se encontrava no ponto combinado com Daryl (Norman Reedus) e ainda estava preso em Hilltop, onde rapidamente Daryl o encontra embaixo dos escombros e mais rapidamente ainda volta quando as crianças são encontradas.

Podem ter ocorrido várias elipses temporais e geográficas aí? Sim, mas a montagem é tão desorganizada que não elabora esses saltos com coerência e os move inteiramente por conveniência. Confirmando o sumiço protocolar das linhas de força zumbi, Negan (Jeffrey Dean Morgan) e Alfa (Samantha Morton) passeiam sozinhos pelo campo de mortos pós-batalha, abrindo-se um com o outro de forma inescrupulosa, desenhando expositivamente o grande acontecimento de antemão esperado entre os dois graças às HQs. Sendo precoce como o roteiro, afirmo que a morte dela e de Gama (Thora Birch) como fato isolado é deveras impactante, principalmente pensando em não ser episódios de meio ou final de temporada, contudo, na prática, na construção da temporada elas não fazem tanto sentido pelas amarras preguiçosas. Indo por partes, Gama e Alden (Callan McAuliffe) na disputa com o sobrinho não foi algo bem elaborado no episódio anterior para ser nesse, só para a morte de Gama ter o pensamento “Poxa, ela finalmente conseguiu fazer as pazes com ele, iria poder curtir a sobrinha, mas acaba morrendo”, sério? 

Parando para pensar, essa intriga inicial é incoerente com o próprio Alden, visto que ele era o Salvador e foi perdoado, pelo histórico, ele deveria ter demonstrado compaixão logo de cara, mas não, fez frescura que acabou matando a mulher nas mãos de Beta (Ryan Hurst), que também ficou de frescura ao se expor em terreno aberto somente para ter o prazer de humilhar Gama esperando que ela virasse zumbi para levá-la a Alfa e mostrar o quanto ele é obediente. Sorte dele que Alden é tão desprovido de inteligência que ao invés de acertar uma flechada nele, preferiu acertar em Gama para ela ter uma morte “digna”, mas convenhamos senhor Alden, dava para você ter feito os dois, não? E as conveniências nas mortes não valem só para os sussurradores, pois Earl (John Finn) também foi morto neste episódio possivelmente pelo mesmo zumbi fracote que mordeu o Carl (Chandler Riggs), porque pense numa mordida fraca que parecia mais uma humana normal, cadê os maquiadores para arrancar um toco de braço daquele rapaz?

Enfim, mesmo sendo absolutamente terciário, o melhor momento do episódio o envolve junto a Judith (Cailey Fleming), forçada a matá-lo para proteger o restante das crianças figurantes que estavam ali, um dos poucos momentos delicados da direção de Greg Nicotero, que com o auxílio da ótima atriz mirim Cailey Fleming, acertou ao menos em um micro desenvolvimento do episódio. Comentando os outros, Magna (Nadia Hilker) retorna sozinha após o evento na caverna, no meio da manada da batalha de Hilltop, sem mostrar como ela chegou até ali, apenas contando verbalmente, e a gente que acredite nela, sem qualquer sentimento de desespero para incentivar o pessoal a ligeiramente começar a procura pela amiga, ou remorso de Carol (Melissa MacBride), apesar do que ela fez. Carol que era a mulher personagem possível (só que não) para dar o passe livre para Eugene (Josh McDermitt) ir em busca do amor de sua vida, na conversa mais sentimentalmente brega da temporada. 

Pior que isso só a revelação final de que na verdade ela estava orquestrando o plano com Negan desde o princípio, um twist bacana do ponto de vista fandom, mas extremamente incoerente diante do seu arco dramático na temporada. Quer dizer então que todas aquelas decisões irracionais eram teatrinho? E que no fundo ela sabia o que estava fazendo e era só para enrolar e dar tempo de Negan matar Alfa? Puxando os outros episódios, com muita suspensão de descrença dá para dizer que sim, já que ela iria levar Lydia (Cassady McClincy) para Alfa e de alguma forma tentar matá-la lá com o Negan, mas para que isso fizesse sentido, era necessário mais tempo, até para Negan ter a confiança de Alfa para fazer o serviço. Ou seja, essa amarra, além de completamente jogada, faz com que todos os meus elogios ao retorno do emocional desamparado da personagem – que retomou uma das melhores características da série que era os desafios narrativos consequenciais da frágil mente humana em situações de risco – sejam invalidados. Não que Carol por tudo que passou não seja capaz de tal feito, mas o jogo criado em cima disso foi no mínimo trapaceiro, no pior sentido.

E era algo completamente desnecessário, visto que a cena de manipulação do Negan em si, desconsiderando as conveniências já mencionadas ou aquela cena avulsa com o Aaron (Ross Marquand), foi bem construída. O desconforto do personagem matando “sem querer” os zumbis na cabeça e não no coração, ele não agrupando a horda, sequestrando Lydia como isca e se abrindo com a Alfa para atraí-la a uma armadilha, tudo foi bastante plausível porque houve uma prévia consolidada anteriormente. Contudo, colocar isso na conta da Carol foi o último tiro no pé de um episódio que já estava problemático e ficou ainda mais covarde. Dava para tudo isso que aconteceu em Walk With Us ter ocorrido de outra maneira, se a série evocasse os culhões passados em algo definitivo, cada subtrama dessa seria orquestrada dentro da batalha principal não mostrada, e o resultado tinha enorme potencial de ser um dos grandes episódios da série. Infelizmente, não foi o caso e a temporada perde muito o fôlego na reta final, mesmo que ainda tenha quatro capítulos para se ajeitar, o recado está reforçado, mesmo no geral, ainda subestimada, não dá mais para confiar em regularidade com The Walking Dead.

The Walking Dead – 10X12: Walk With Us | EUA, 15 de março de 2020
Direção: Greg Nicotero
Roteiro: Nicole Mirante-Matthews, Eli Jorne
Elenco: Norman Reedus, Melissa McBride, Christian Serratos, Josh McDermitt, Ross Marquand, Khary Payton, Ryan Hurst, Samantha Morton, Jeffrey Dean Morgan, Callan McAuliffe, Eleanor Matsuura, Cooper Andrews, Nadia Hilker, Cailey Fleming, Cassady McClincy, Dan Fogler, Thora Birch, John Finn, Angel Theory, Kerry Cahill, Nadine Marissa, Antony Azor, Anabelle Holloway, William Gregory Lee
Duração: 45min.

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