Home TVEpisódio Crítica | The Walking Dead – 10X19: One More

Crítica | The Walking Dead – 10X19: One More

por Iann Jeliel
5,K views

One More

  • SPOILERS do episódio e da série. Leiam aqui as críticas das demais temporadas, games e HQs. E aqui, as críticas de Fear the Walking Dead.

Mesmo que Home Sweet Home e Find Me não tenham sido episódios tão bons, The Walking Dead vinha mostrando que não trouxe esses episódios extras à toa para completar sua décima temporada. Cada um possui uma ideia muito clara que visa a tentar recuperar algo que a série tinha perdido e precisa retomar para sua reta de despedida. No caso, o primeiro tinha como intuito recolocar a importância de Maggie na sua volta à série; o segundo buscava valorizar dramas incompletos de Daryl, e One More, como o próprio título menciona, é “mais uma” situação condicionada a expor o dilema de humanidade que a série cansou de trabalhar, mas já não vinha executando bem há algum tempo. Presa em ciclos intermináveis de guerras entre comunidades, em algum momento a série se esqueceu da origem de intuito narrativo que faz com que esses conflitos aconteçam, secundarizando o que antes era sua principal fonte de conteúdo enquanto dramaturgia, e pior, tornando-a um mártir para si, cansando o público com o mesmo discurso sem novas formas de abordá-lo.

Não que One More seja digno dos episódios mais originais da série, mas certamente é o que possui uma das construções mais cuidadosas em escolhas desses últimos arcos. As escolhas começam acertadas já nos protagonistas, Aaron (Ross Marquand) e Padre Gabriel (Seth Gilliam) nunca foram dos personagens mais aproveitados por The Walking Dead desde que surgiram, apesar de possuírem características particulares que poderiam trazer facilmente questões que revigorariam o explorar da desumanização do cenário apocalíptico, a exemplo de Aaron, em quem a homossexualidade jamais foi pauta de uma trama importante (e não é agora também porque não convém). Portanto, isolá-los numa aventura já parece bem estimulante como uma oportunidade de conhecer mais deles, contudo o episódio não se resume a colocá-los numa busca por recursos aleatória que geraria conversas para contextualizá-los – como foi naquele contestado episódio do cervo falso de CGI lá da sétima temporada, com Michonne (Danai Gurira) e Rick (Andrew Lincoln) –, mas também propõe conflitos que os tirem da zona de conforto.

Tudo bem que Gabriel é mais tirado dessa zona do que Aaron especificamente, já que o capítulo foca precisamente nas consequências rodadas ao personagem na sua queda de fé, puxando a hipocrisia que o fez emergir na série. Se lá no começo da quinta temporada ele foi capaz de se trancar numa igreja para salvar a própria pele, aqui em seu passado levemente comentado, o roteiro tangencia precisamente a origem de sua complexidade moral ao ter tido má influência de outro reverendo na sua formação religiosa como princípio para o exercício de tensão mais à frente no episódio. O texto surge espontaneamente numa conversa em que ele decide beber com Aaron um uísque caro, fazendo-o ser questionado sobre “pecados” cometidos – juntamente com a questão da paternidade, que é uma ponte conectiva entre os personagens –, expondo sua nova posição pessimista enquanto religioso que será usada como arma pelo novo personagem, Mays (Robert Patrick), habitante do armazém onde eles encontraram a bebida e outros recursos que os captura mediante a uma liberdade condicionada a uma prova da natureza não confiável do ser humano, quando colocados ao limite.

A partir desse momento, o episódio ganha muita força. A direção de Laura Belsey matura muito bem cada etapa da discussão ideológica que vira um perigoso jogo de roleta russa, no qual, como raramente é visto na série ultimamente, temos o real benefício da dúvida se realmente um dos dois não poderia sair morto dali, já que, como dito, eles realmente não tinham tanto peso assim para serem considerados personagens imortais. E o mais importante, o episódio não precisou matar nenhum dos dois para ser impactante. Bastou um roteiro bem amarrado, implementando a narrativa do irmão de Mays como um perfeito motivador para a tortura psicológica que ele estava fazendo com a dupla, forçando Gabriel a tentar manipulá-lo contradizendo seu argumento de sentimento pessimista para sair da situação, não conseguindo, deixando-o cada vez mais desesperado à beira de uma morte para assim reverter seu discurso de forma honesta, e logo depois de sair, desmentir tudo como uma manipulação, matando o personagem a sangue-frio, ainda se arrependendo depois que encontrou seu irmão ainda vivo em outro cômodo do armazém, confirmando que foi uma manipulação, mas também que foi algo de dentro do personagem.

A ambiguidade de Gabriel ao final evolui bastante o personagem. Deixa em aberto como seu sentimento ficará num futuro para decisões grandes, mas essencialmente o fecha nessa nota ainda mais complexada de um representante religioso cheio de contradições que serve a dar uma palavra em que acredita, mas ao mesmo tempo não cumpre seu próprio acreditar. Já Aaron fica mais como contraponto, é revelado que ele ainda tem esperança numa vida após aquilo, e isso é o que o motiva a seguir em frente, fazendo-o até estar disposto a se sacrificar se for para manter a esperança em outro, incluindo Gabriel. O episódio não vai muito além disso, porque quando surge a oportunidade, decide se preocupar mais com o exercício de tensão, onde ele realmente mais brilha. Acredito que tinha material para fornecer um conectivo também a ele naquilo tudo, mas a parte do contraponto já funciona, dá química à dupla (que provavelmente terá ainda mais uma aventura) e naturalmente Aaron sai melhorado também com a melhora de Gabriel.

Quem diria que teríamos um dos melhores episódios da temporada com esses dois? One More reitera o espírito de recuperação que The Walking Dead busca agora, pelo jeito, derradeiramente para o seu final, e acaba sendo recompensado por insistir em uma ideia acima de uma possível postergação de mais episódios que não levam a trama a lugar nenhum. Mesmo sendo filler, existe um caminho a ser seguido, um caminho que precisa revitalizar o que essa série já foi, se quiser encerrá-la com a dignidade que merece.

The Walking Dead – 10X19: One More | EUA, 14 de Março de 2021
Direção:
Laura Belsey
Roteiro:
Erik Mountain, Jim Barnes
Elenco:
Ross Marquand, Seth Gilliam, Robert Patrick
Duração: 
47 minutos

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais