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Crítica | The Walking Dead – 2X12: Better Angels

por Iann Jeliel
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Better Angels

  • SPOILERS do episódio e da série. Leiam aqui as críticas das demais temporadas, games e HQs. E aqui, as críticas de Fear the Walking Dead.

Mesmo que “apaziguados” ao final de 18 Miles Out,  as desavenças entre Rick (Andrew Lincoln) e Shane (Jon Bernthal) ainda não haviam sido resolvidas, e precisavam ser, por ter sido o mote não só da segunda temporada inteira, como elaborado desde Guts, o segundo episódio da série, em que sabemos que Lori (Sarah Wayne Callies) traiu o marido com o melhor amigo. Ainda que pareça novelesco a premissa que estabeleceu a rivalidade, através de um triangulo amoroso, todo o desenvolvimento de lá até o clímax em Better Angels elaborou um panorama de complexidade psicológica bem maior do que existe na obra original de Robert Kirkman, maturando suas motivações cuidadosamente conforme atritos por decisões ideológicas de liderança do grupo iam acontecendo, acumulando e incendiando a relação dos dois, de uma maneira que não tinha como um deles sair vivo no final dessa temporada.

Apesar da paz temporária, estabelecida diariamente por Rick, a sensação era de que literalmente a qualquer nova divergência, seria a última, para que Shane tentasse “tomar” o poder e estabelecesse a sua linha de pensamento. De fato. A morte de Dale (Jeffrey DeMunn) no episódio passado faz com que a unanimidade de executar Randall (Michael Zegen) entre em revés, com Rick sendo o expoente a decidir que vai soltá-lo, como mandava o plano antigo, bem longe da fazenda, mas confiando de que ele não seria uma ameaça, como Dale acreditava. Better Angels abre com o funeral do personagem e o xerife dizendo que a sobrevivência do grupo vai seguir o que ele acreditava em sua homenagem, algo que obviamente, desagrada muito Shane. Volta o antigo conflito de episódios passados, mas aqui Shane parece devidamente deslocado da realidade do luto e união do grupo, que graças a Dale parece que derradeiramente tornaram as duas “famílias” em uma só em prol da sobrevivência.

Hershel (Scott Wilson) não só libera a casa para que o pessoal durma lá dentro, como até oferece sua cama para Lori e Rick, devido a sua condição de grávida. Os demais, todos se ajudam e organizam direitinho a busca por recursos e resolvimento de pendências antes da chegada do inverno – olha os zumbis comendo as vacas de novo –, que os forçaria a ficar dentro de casa o tempo todo. A fotografia do episódio reforça através do sereno, esse sentimento de apaziguamento e calma na relação de todos, mesmo que por trás exista uma certa melancolia, um receio na neblina que ela não irá durar muito. Há até uma cena bastante bonita entre Gleen (Steven Yeun) e a Andrea (Laurie Holden), que serve não só como uma valorização do legado de Dale, como também esse último momento de conforto, antes da instauração máxima de tensão, guiada pela escalonada derradeira de Shane a loucura sociopata, elaborando um plano para assassinar o amigo.

Claro que a etapa final desse processo só é realizada pelo auxílio de tudo que a temporada veio elaborando, ou seja, a virada é consequência de um histórico, mas nem por isso Better Angels deixa de ser um episódio que preze por uma construção própria e isolada do confronto final, fornecendo material narrativo que justificaria transformação de Shane somente dentro de si, com os mesmos elementos trabalhados anteriormente. Como dito, há o descontentamento com o caso de Randall, mas que vai se misturando com outras questões remetentes ao triangulo familiar. Carl (Chandler Rings) se sente acuado e responsável pela morte de Dale, compartilhando isso com Shane que compartilha de imediato com o Rick, esperando que ele tome a rege da situação e converse com o filho logo sobre o caso, ao invés de resolver a libertação de Randall.

No entanto, Rick por desconfiança pelo histórico de Shane não o corresponde e decide em tom novamente autoritário – indicado pelo Contra-Plongée na cena sobre a perspectiva de Shane –, de que vai resolver primeiro a saída do garoto, pois ele não confia em Shane, a ponto querer que Andrea fique de vigia dele enquanto Rick estivesse longe da fazenda e/ou nem o deixar ir com Daryl encomendar a saída do garoto, enquanto ele conversa com o filho. Na prática a conversa acontece e é uma outra cena de grandíssima sensibilidade do episódio. Rick admite para Carl que não há mais como preservar sua inocência desse mundo e já dá um choque de realidade no menino, tentando-o o fazer preparar para o pior, inclusive confiando em devolver a arma de Daryl que havia tomado antes e dado para Shane.

Como Shane não viu isso, ele ficou na cabeça que Rick de novo estava sendo irresponsável na paternidade, além de sentir marginalizado no grupo pela falta de confiança. O gatilho final para o fazer se rebelar, obviamente teria de colocar Lori no meio, que depois de perceber a união do grupo, achar que Rick e Shane haviam se resolvido e percebendo que houve mudança na mentalidade de Shane quando ele não interferiu em nada até o momento a última grande decisão de Rick, decide pedir desculpas a ele. Desculpas pela maneira com a qual havia o tratado, agradecendo por tudo que ele fez por ela e o filho, além de admitir que o que rolou entre os dois foi real enquanto durou, lamentando o ocorrido pensando empaticamente no quão difícil emocionalmente estava sendo para ele. Nesse momento, Shane percebe que vale a pena quebrar certos princípios para lutar pelo que ele acha que é dele. A expressão de espanto de Jon Berthal nessa sequência é simplesmente fantástica, dá para perceber o momento exato da transformação e o ator, junto ao conectivo motivacional com a jornada de Rick disposto a fazer tudo também pela sua familia, faz com que empatizemos o personagem a ponto de acharmos justo que ele se rebele mesmo.

Não diria que é suficiente para que fiquemos divididos entre torcer para o Shane ou Rick, até porque o intuito é colocar um como ponte para a transformação do outro, então a compreensão do espectro motivacional interligado dos dois está aí muito mais para dar densidade emocional ao confronto do que qualquer outra coisa, mesmo assim, sentimos por exemplo, vulnerabilidade para ambos os lados, apesar de um deles ser o protagonista da série. Esse efeito é um grande mérito da série e do episódio, pela excelente direção de Guy Ferland, que tem todo os vinte minutos finais para construir uma atmosfera quase de terror, ao utilizar os espaços da floresta a noite e acompanhamento temporal e sonoro (sem trilha) do momento, para elaborar um suspense em constante tom de presságio, conforme os próprios personagens envolvidos vão desconfiando da veracidade da história que Shane armou – matando Randall na floresta, escondendo sua pistola e rumando a cabeça numa arvore para dizer que foi atacado pelo garoto que fugiu.

A tensão já começa a ser bem trabalhada, desde a cena que Shane encara Randall decidindo o que fazer, com expressões assustadoras, mas ainda carregadas de ambiguidade de Jon Berthal, se ele deve fazer ou não o que ele está pensando, que não sabemos o que é exatamente, só que temos a certeza de que coisa boa não é. Há quem diga que Shane tinha um plano arquitetado direitinho, que ele falou com Rick aquele momento sobre Carl somente para que Rick ficasse ocupado com outra coisa enquanto ele providenciava a “fuga” de Randall, mas eu acredito muito mais que ele fez tudo no improviso pelo emocional afetado aos últimos fatos ocorridos. Quando ele leva Randall a floresta e flerta com a possibilidade de fugir com o garoto para o grupo deles, era algo que ele estava considerando fazer mesmo, já que essa união o faria facilmente ter material humano para forçar a tomada de poder com Rick, embora, mataria suas chances com Lori e Carl – e olha, só a possibilidade já nos dar um desconforto e seria uma trama confesso, bem interessante.

Assim, ele opta pela manipulação de um momento a sós com o Rick no presencial das falsas buscas pelo  garoto, mesmo que essa ideia estivesse à mercê da sorte, já que Rick poderia facilmente ter escolhido outro como sua outra dupla de rastreamento. Isso já estabelece um clima de que o acaso pode interferir a qualquer momento, dando um tom de imprevisibilidade inclusive ao núcleo de Gleen e Daryl que acabam encontrando Randal, só que zumbificado, o que teoricamente não fazia sentido já que ele não foi mordido. Com este último fato acumulado para o topo de nossa angústia, enfim, temos o clímax que tanto esperamos na temporada, a última conversa entre Shane e Rick. É o ápice da qualidade do roteiro de The Walking Dead junto ao ápice das memoráveis performances de Andrew Lincoln e Jon Berthal, dando toda a visceralidade emocional envolvida nos diálogos, conduzidos brilhantemente pela uma direção que sabe valorizar o suspense até o último segundo. A exemplo de quando Rick dá a facada de misericórdia no mesmo momento em que ouvimos um som de tiro, um cai por cima do outro em um plano aberto lindíssimo no campo aberto com a lua de fundo e só depois da queda finalizar vemos que somente Shane não sobrou vivo ao final.

Só aí a trilha volta para valorizar o desabafo de um Rick completamente desolado, numa cena absolutamente fantástica (!), que podia perfeitamente acabar o episódio ali mesmo. Contudo, ainda temos a cereja do bolo depois de um fade-out estranho, com montagens aleatórias de zumbis, que no fim das contas indicavam pelo ponto de vista de Shane sua transformação em zumbi – apesar de não ser mordido, como Randall – enquanto Rick olha para Carl como se ele tivesse todo momento que o pai assassinou o amigo. Temos um último momento bem interessante de tensão, onde Carl aponta a arma para Rick enquanto Shane zumbi vem chegando por trás e a manipulação de ângulo na câmera da direção deixa incerto em quem ele está mirando. Para quem leu os quadrinhos, não chegou a ser tão tenso assim por ser uma clara recriação de uma das cenas mais clássicas dos primeiros capítulos, mas para quem estava ligado na série somente, como eu, a construção ali é tão boa que ainda reflete a dúvida da cena anterior se os dois poderiam sair mortos dali.

No nível de sadismo apresentado pela temporada e mudanças do material original como Sophia, não dava para duvidar de nada, nem mesmo que o Carl atiraria no próprio pai como um mal-entendido. Nem que não matasse, mas deixá-lo levando um tiro e cortando seria um gancho absurdo para a finale. Mas afinal, se tudo ficou resolvido com a morte de Shane, o que reservaria para a season finale? E aí temos o acaso na espreita aplicado para encerrar o episódio com chave de ouro, num plano superaberto mostrando uma manada gigantesca de zumbis no fundo do campo sendo atraídos pelo som de tiro de Carl. A temporada foi focada tanto em bons dramas, que nos esquecemos da existência dos zumbis, mas a série não esqueceria deles e reutilizaria o conceito de comportamento em hordas sob maior escala, para promover a grande finale com as principais atrações do show. O que só prova o quanto Better Angles é bom, pois poderia ser facilmente sem esse último gancho, ser um final de temporada absolutamente inesquecível.

The Walking Dead – 2X12: Better Angels | EUA, 11 de Março de 2012
Diretor: Guy Ferland
Roteiro: Evan T. Reilly, Glen Mazzara, Angela Kang
Elenco: Andrew Lincoln, Jon Bernthal, Sarah Wayne Callies, Laurie Holden, Jeffrey DeMunn, Steven Yeun, Chandler Riggs, Norman Reedus, Melissa McBride, Irone Singleton, Lauren Cohan, Emily Kinney, Michael Zegen, Scott Wilson, Jane McNeill, James Allen McCune
Duração: 43 minutos

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