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Crítica | The Walking Dead – 8ª Temporada

por Gabriel Carvalho
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“A minha misericórdia irá prevalecer sobre a minha ira.”

  • Observação: Há spoilers da temporada e da série. Leiam, aqui, as críticas de todas as demais temporadas, dos games e das HQs. E, aqui, da série spin-off, Fear the Walking Dead.

Scott M. Gimple, showrunner da oitava temporada de The Walking Dead, que já mantinha o seu posto desde a quarta, tinha uma ideia muito específica para o arco central daquele que seria o seu adeus da série: desconstruir a ira e fazer prevalecer a misericórdia, rumando um caminho parecido com o dos quadrinhos, idealizando um futuro para aquele mundo apocalíptico. Afinal, como seria o pós-apocalipse para aquela sociedade cercada dos mortos? A instauração das leis do passado, o retorno da moral que se perdeu entre tanta dor e desilusão, a retomada do discurso ético sobre vida, ainda tinham espaço neste circuito movido por vingança e instinto de sobrevivência? Para que, acima de tudo, o público, movido por desejos internos por violência, comprasse a ideia, o antagonista da série, Negan (Jeffrey Dean Morgan), contrapondo os, presumidamente, heróis que acompanhamos desde o início da jornada, seria humanizado, com direito a confissões, revelações sobre o seu passado e comparações com “líderes” ainda piores, que causariam ainda mais estrago a Alexandria, o Reino e a Colônia de Hilltop caso assumissem o poder. Rick Grimes (Andrew Lincoln) tem que ir da fúria, abordada em Mercy, para a misericórdia, alcançada em Wrath. Os roteiristas, dessa forma, não têm suas mãos completamente atadas a mudança de pensamento de Rick, fazendo-nos entender mais das motivações do vilão para justificar essa metamorfose. O ex-xerife, contudo, não é deixado de lado e Scott M. Gimple assume riscos na hora de tratar do seu “herói”.

A Guerra Total, assim como nos quadrinhos, é a revolta de Rick e seus aliados em relação ao tratamento dado pelos Salvadores; uma relação movida por medo. Com o seu pai tomado por um fervor vingativo, Carl (Chandler Riggs) é utilizado como uma visão para o futuro – a chave para essa transformação de Rick, não necessariamente movida por um impulso interno do protagonista, mas pelo anseio dele em cumprir as vontades de seu filho. A exploração primordial dessa ótica futurista, dessa visão menos odiosa, quase complacente, deveria vir, portanto, de Carl e não de Rick. Dessa forma, Scott M. Gimple toma uma de suas melhores decisões ao matar o personagem – completamente diferente dos quadrinhos – criando uma conexão com a “misericórdia” completamente diferente. Os desejos de pai e filho acabam por se unir, sem necessidade da construção de pensamento ser feita individualmente por Rick, mas por Carl. A ideia é ótima, visto que a série alongava demasiadamente uma redundância do personagem por sede de vingança, algo que dificilmente seria quebrado por si só. Quando, ao final da guerra, Rick corta a garganta de Negan, vestígios de seu eu passado, ainda fortemente atrelado ao seu eu do presente, se desmorona ao passo que o desejo de seu filho vai se esvaindo. A discussão, quando Negan é salvo e consequentemente condenado a prisão, não é sobre se matar o outro é errado ou não, que toda vida vale a pena, mas relativa a criação de uma figura simbólica, completamente contrária ao representativo antecessor.

Por outro lado, passam-se 16 episódios até que todo esse desenvolvimento seja finalizado. O texto de The Walking Dead não é um dos mais inteligentes, e os roteiristas parecem se esforçar em criar e recriar interações repetitivas, que não parecem criar uma construção gradativamente coesa, mas uma completamente despropositada e irrelevante para a narrativa até ela chegar em pontos-chave, como a morte de Carl e a leitura da carta que a “criança” deixou para o pai. A carta de filho para pai, aliás, é belíssima. Mesmo assim, outros aspectos da natureza errática da série se evidenciam com esse desenvolvimento. Scott M. Gimple não consegue montar a sua temporada da maneira mais sábia, criando lacunas gigantes entre o desenvolvimento de distintas tramas paralelas. Carl, por exemplo, não possui mais na primeira temporada do que seu encontro com Siddiq (Avi Nash) – uma interessante adição ao elenco. O personagem, mesmo tendo toda essa importância, é deixado de lado por vários episódios, fazendo com que o espectador “esqueça” de sua existência, enquanto se preocupa com as outras abordagens. O relacionamento do personagem com Negan, uma pontuação ligeira da temporada anterior, não é reiterada. De qualquer forma, há uma boa exploração do antagonista na temporada, dando espaço para Jeffrey Dean Morgan sair de sua zona de conforto, sem repetir os maneirismos do personagem de maneira exaustiva, dando espaço para um personagem mais complexo, ainda mais quando em contraste com o terrível – no bom sentido – Simon (Steven Ogg).

Se os episódios individualmente conseguem, em certos casos, até elaborar linhas de raciocínio interessantes, como o penúltimo da temporada, que traz uma quebra do desenvolvimento feito para o núcleo dos Salvadores, criando um sentimento de impotência do espectador diante do vilão, seja para as traições “positivas” seja para as traições “negativas”, The Walking Dead, no conjunto, é mais problemático por não justificar, dentro de uma temporada, muito de suas atitudes em relação as peças disponíveis em seu tabuleiro, não dando margem para críveis arcos de personagem. Muitas vezes a série caminha em volta de seu próprio rabo, com medo de tomar uma decisão definitiva. A espera para o que já havia sido previsto é esticada até as últimas consequências. Exemplifica-se, nessa argumentação, Eugene (Josh McDermitt), coadjuvante que, ao lado de Negan recebe todo o apreço que um dia sonhou, enquanto, paralelamente, lida com o fato de ter deixado para trás seus primeiros companheiros de viagem. A série não apenas nos faz convencer da preferência de Eugene pelo Santuário, explicando-na cansativamente para nós, como solidifica-a toda ao utilizá-lo narrativamente como solução para várias problemáticas dos Salvadores. As suas dúvidas permanecem mas não há um desenvolvimento paulatino que o levasse a, em última hora, cometer uma última traição sobre Negan, ainda mais sendo esta uma muito mais impactante que a relacionada a fuga do Padre Gabriel (Seth Gilliam).

Estas voltas dadas pelos roteiristas de The Walking Dead nos arcos de seus coadjuvantes são excepcionalmente bem demonstradas no caso de Morgan. O personagem, transtornado mentalmente pelas constantes mudanças comportamentais, do psicótico ao pacifista, do pacifista ao louco, sofre de extensos loopings críticos às suas ações. Tais voltas, se no todo impactam, bastando a nós tentar acreditar muito nisso, nos momentos pontuais, constantes por toda a temporada, pouco redefinem o status quo do coadjuvante. No caso, referencia-se o duelo entre Jesus (Tom Payne) e Morgan – sem nenhum significado real para o personagem encontrado nos últimos episódios, agora próximo de alucinações, antes de sua migração para Fear The Walking Dead. Em suma, os roteiristas e Scott M. Gimple dão pistas do que irá acontecer com os personagens por toda temporada – tornando-a previsível – mas se esquecem de torná-las parte do desenvolvimento. No final das contas, uma atitude específica, bem aleatória, serve como ponto de virada, e esta não se promove como autêntica. O incremento de bons diálogos poderiam preencher esses buracos, justificar trajetórias pouco instigantes. A jornada é realmente importante, mas falta perspicácia para torná-la perspicaz; interesse em resolver bem a história. No que se refere ao próprio andamento da narrativa, a recorrência por ideias estúpidas acaba por torná-las parte da brincadeira. As comunidades em The Walking Dead, no meio da guerra, até possuem planejamento, mas falta interesse dos realizadores em tornar a série, nem que seja por poucos episódios, em um thriller competente.

Em um último plano sobre a série de televisão, a verdade é que pouco sobra espaço para cenas realmente inventivas, que instiguem medo, explorem suspense ou trabalhem a ação de uma maneira que não genérica. Ora cenas horrivelmente escuras ora tiroteios completamente blasés. Rick e Negan lutam inúmeras vezes pela temporada e nenhuma das cenas é realmente bem trabalhada – a derradeira é mais irônica e, dessa forma, superior as demais. Ademais, enquanto Carol (Melissa McBride) consegue ganhar o final feliz que não teve com Sophia, mesmo que uma outra criança chata surja no lugar – um movimento de distanciamento – o Rei Ezekiel (Khary Payton) é trabalhado certeiramente, mas passageiramente, o que cria, na segunda metade da temporada, um esquecimento de um personagem que deveria ser central. A viúva, Maggie (Lauren Cohan), continua constante por toda a temporada, mas como uma participante sem o mesmo peso de Rick. Os seus sentimentos permanecem os mesmos, sem abalos, enquanto os de Rick se reinventam. Sobra espaço até para uma conspiração completamente ridícula. Mesmo assim, The Walking Dead se sobressai nas atuações, possui ótimos momentos, talvez até episódios, mas prova não funcionar mais ao ser olhado como uma temporada, ainda mais pelo padrão vigente de 16 capítulos, precisando de reajustes e o mínimo de bom senso por parte da futura showrunner para que a série torne-se a mesma de outrora.

The Walking Dead – 8ª Temporada – EUA, 2017/2018
Showrunner: 
Scott M. Gimple
Direção: Vários.
Roteiro: 
Vários.
Elenco: Andrew Lincoln, Norman Reedus, Lauren Cohan, Danai Gurira, Melissa McBride, Lennie James, Josh McDermitt, Christian Serratos, Alanna Masterson, Seth Gilliam, Ross Marquand, Katelyn Nacon, Kenric Green, Jason Douglas, Tom Payne, Xander Berkeley, R. Keith Harris, Khary Payton, Cooper Andrews, Austin Amelio, Steven Ogg, Debora May, Sydney Park, Mimi Kirkland, Briana Venskus, Nicole Barré, Pollyanna McIntosh, Kerry Cahill, Traci Dinwiddie, Charles Halford, Jayson Warner Smith, James Chen, Nadine Marissa, Avi Nash, Jeffrey Dean Morgan
Duração:
 44 min.

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